domingo, 28 de abril de 2013

que não entendo



A noite na cidade me mostra as luzes púrpuras
e os drinks caríssimos
enquanto madames desfilam nos bares com seus brotos
e as pessoas não se entendem
ou fingem se entender.

Olho para a rua e tudo corre, eu corro
o tempo corre como sempre correu o tempo todo
Sua cara e a minha não são olhadas,
nos arrumamos e esperamos pessoas em seus espelhos
pra nada.
No final a líbido falará mais alto do que qualquer ideia que tiver.

O suor escorre pelo meu rosto e por todo meu corpo
enquanto andamos no escuro, batendo os pés
criando bolhas nos dedos calejados
com as cascas fracas que nos impedem de evoluir naturalmente.
Como os moradores da selva.
E os que habitam sua versão humanizada
de pura pedra.

Cores passam como jatos por mim
confundem meu discernimento do real
e está se tornando constante em mim.
Como se o ver natural fosse lisergia
somado com minha pulsão de morte
diária &
há sons em minha cabeça
campainhas, nomes, pessoas aqui e lá
e as coisas são tão confusas quanto sempre
hão de ser
para mim.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

01:14



"Ele está sentado em sua cadeira, o babador que sua mãe amarrara em volta de seu pescoço ainda estava limpo, apesar das manchas antigas, e o sol fazia as coisas brilharem em sua vista quase que recém adquirida. A mãe estava distraída esquentando alguma coisa para dar ao filho e a televisão mostrava a foto de uma jovem que o pequeno garoto reconheceu, mesmo não conseguindo falar direito ainda. Ele chamou a atenção da mãe e ela sorri para ele, em seguida olha para onde o dedinho gordo do filho apontava. Ela larga um pote de papinha para bebes no chão e começa a surtar. Era a sua filha mais velha na tela. Mas não falava ou se mexia, apenas uma foto dela e algo bem grande escrito embaixo da foto, ele não entendia e nem tentou entender aquilo naquela hora. Mas os dias ensolarados e as papinhas matinais nunca mais foram iguais depois dessa manha."


01:14

.............................
Escuro.
Silêncio.
Pesadelo.
Algo em sua boca...e em seus olhos
panos.
Ela aos poucos se dá conta do quão acordada realmente está.
Mas seu cérebro ainda tenta fazer acredita-la
em sua cama a fazendo sonhar.
A garota de roupa vermelha e cabelo vermelho
sente a sensação quando alguém está te observando
mas não há como saber quem.
Ela está sentada e tenta se mover
não consegue, sente a pressão de cordas grossas em volta de seus braços e pernas
A mulher agora
claramente desesperada,
se move e faz sons do jeito que pode
com sua boca avermelhada
pelo batom francês que comprou
dois dias atrás.

Se mexe e grita e não ouve os passos firmes vindo em sua direção.
Ele se aproxima até o seu hálito de tabaco atingir as narinas brancas da garota.
Ela gela. Parada como um gato acoado.
Ele fica lá. De frente para a mulher, respirando pela boca.
Seu hálito é de um frio agonizante e a cor cinza surge no cérebro da mulher ao senti-lo.

A mulher começa a gritar novamente do jeito que pode.
A mordaça em sua boca abafa completamente o som.
Ele passa a mão suavemente pela nuca da garota
e os gritos se intensificam.
O homem sorri suavemente.
Puxa o nó do pano, que cai
e os gritos agora ecoam por todo aquele lugar
que ela não faz ideia qual seja.

"QUE ISSO? MEU DEUS DO CÉU......SOCORRO! SOCORRO! ME TIRA DESSA CADEIRA! ALGUÉM, POR FAVOOOR!!"

O homem se afasta dela e observa a alguns passos de distância os gritos desesperados.
Cada um fazendo-o ter um comichão dentro de suas vísceras.
Cada grito desesperado o levava a um pequeno êxtase.
Que só conseguia sentir ao provocar a agonia.
A agonia que viu sua mãe sentir.
E que mais tarde ela o fez sentir também.

A garota grita até começar a perder a voz e tossir.
Ele dá os seus passos firmes e chega em seu ouvido para lhe falar
"Não há ninguém próximo daqui. Se você gritar por cinco anos, ainda não haverá ninguém próximo daqui. Se eu te cortar em mil pedaços e fazer chover você pelos ares daqui...ainda não haverá ninguém por aqui para ouvir esses gritos.'

Ela ficou em choque ao ouvir aquela voz cálida. Ela não gritou, seu sangue parecia congelado ao correr pelas veias, todos os seus músculos estavam em estado de alerta, prontos para correrem
se não estivessem todos presos à cadeira.

O homem pega uma cadeira, tira seu chapéu cinza e sua jaqueta preta
Cuidadosamente os coloca numa mesa ao lado.
Vai com a cadeira até a frente da garota, que começa a implorar qualquer coisa para ele.
Ele não escuta. Ela oferece sexo consensual ao homem. Ele ri.
"Qual seria a graça?" ele pensa, mas não fala
Tem que saber como usar as palavras numa ocasião especial como essa.
E ele sabe.

O homem de meia idade passa seus dedos finos pelas coxas brancas e lisas
dela.
E ela percebe somente agora que estava somente de calcinha e sutiã amarrada à cadeira.
Ela chora mais enquanto o dedo fino sobe e desce pela coxa, lentamente
quase que sensualmente, se não fosse pela posição em que estava naquele lugar.
Ela lembra como o seu ex namorado fazia o mesmo e ela gostava disso.
O homem continua passando a mão por ela, mas não está sorrindo
ele sente um frio subindo pela sua espinha.
Um receio que não sentiu antes.
Sua respiração oscila e ele decidi terminar logo com aquilo.
Levanta com violência da cadeira e a garota se assusta.
Puxa suas roupas íntimas, que se rasgam de uma vez só.
O homem olha para o corpo da mulher,
que apesar de tudo ainda lhe trazem aquela angústia
e a imagem de sua mãe
chorando na frente da televisão, para aquela garotinha com as pernas abertas no meio de um córrego
com cães ao seu redor, comendo merda e restos.
Ele joga sua prisioneira no chão e abaixa suas calças.
Mas não está excitado.
A mulher grita novamente e implora para que não o fizesse.
Ele fará.
Ele fará.
Ele FARÁ
ELE FARÁ.
Ele...fará.
Não consegue.
Não consegue.
E a garota continua gritando
O homem se joga no chão ao lado da ruiva
e olha para o teto daquele lugar, uma espécie de galpão.
Uma pontada em seu peito o deixa sem direção.

A garota tenta falar com ele alguma coisa.
Ele não a escuta, apenas encara o teto com o mesmo olhar frio de antes.

Ele olha para a garota, seu corpo branco e rosado.
Levanta, vai até sua jaqueta preta e cobre a garota.
Coloca-a de volta na cadeira e diz, realmente arrependido.
"Desculpe por ter sido rude"

A menina não sabe o que falar, ainda não enxerga nada.
"Você vai me deixar ir? Por favor...eu nem vi o seu rosto, não sei como você é....por favor"
diz a ruiva choramingando.
Ele fica em silêncio um tempo, olhando a bela mulher chorando.
Então ele passa a mão pelo rosto dela
e abaixa a venda da mulher, revelando os olhos verdes
"Agora não"

Ela volta a chorar, mas dessa vez não grita ou esperneia, apenas chora em silêncio, rezando para acordar em sua cama.
Mesmo sabendo estar acordada como nunca.
Ela encara o olhar frio do homem, não consegue enxergar bem suas feições
e não se lembraria dele se perguntassem, pelo seu estado de choque contínuo.
A garota sente nojo da jaqueta do homem cobrindo seu corpo nu, mas prefere continuar com ela.
Ela não responde quando ele pergunta seu nome.
Ele pergunta de novo e ela sussurra algo que o homem não escuta, mas finge ter entendido.

"Me solta, por favor, moço...por favor...eu não mereço isso"
Ele vai até o fundo do galpão, perto de seu chapéu.
"Por favor....por favor...pelo amor de Deus, de qualquer coisa..."
Ele mexe em um estojo e tira algo que brilha na luz. Uma lâmina.
"ME SOLTA, SEU FILHO DA PUTA! DOENTE! SOCORRO! SEU DOENTE FILHO DE UMA PUTA! SOCORROOOO!"
Ele se aproxima lentamente dela
enxerga somente o vulto dele se aproximando
com a lâmina brilhante.
Uma pequena lâmina cortando o ar.
A cada passo que ele dá
a respiração dela começa a falhar.
Seus gritos começam a falhar.
Ela balança a cabeça negativamente
enquanto ele se aproxima e diminui o ritmo de seus passos.
Ele chega a centímetros de seu rosto, ela está gelada como a morte.
A garota fecha os olhos.
"Você vai me matar?
Silêncio
"Só me mata logo então...por favor...não quero sentir dor...eu imploro só isso, moço"
O desespero e o choro na voz da mulher são tão grandes
que até o homem parece se abalar.
Ele a encara por alguns segundos, ela enxerga uma certa ternura em seu olhar.
"Desculpa, garota...não posso fazer isso"
Ela abaixa a cabeça desistindo e ele olha para o seu pequeno bisturi.
E com um toque suave a lâmina afiada deslizou pela perna macia e branca da mulher,
que começou a jorrar sangue antes mesmo dela sentir a dor.
O sangue morno esguichava rapidamente pelo corte
e a garota chorava muito agora;
chorava como um bebê que acabou de nascer;
chorava como uma menininha estuprada e abandonada no meio do matagal;
chorava como quem estava para encarar a morte finalmente.
O homem então levanta a cabeça da garota e faz um corte grande em seu rosto.
O grito dela não escapa, não há mais o que gritar.
Sua pele branca agora é vermelha como seus cabelos
Ela começa a ficar mais e mais pálida
E o homem começa a fazer mais e mais cortes nela
depois foram os belos olhos verdes
e aí ela gritou.
Sua coxa ainda jorrava muito sangue e esguichava tudo na roupa do homem, que parecia sentir um prazer sexual nisso.
Os cabelos ruivos da menina já se confundiam com o vermelho do sangue, estavam bagunçados
sem jeito, sem vida;
a mulher perdia as forças cada vez mais,
sua vista escurecia.
Ela sentiu as mãos frias dele acariciando seu rosto
acariciando como se fosse o pai dela
salvando-a.
Ele passou as mãos pelo rosto ensanguentado dela, sua pele ainda era macia e branca
e ele se lembrou de sua mãe
e de sua irmã mais velha
que não conseguiu envelhecer mais.
E então ele sorriu,
sorriu um sorriso que abriu de ponta a ponta.
E a garota tombou sua cabeça para baixo, respirava igual a um velho em estágio terminal.
Sua perna agora jorrava menos sangue, seu pé escorregava na gigantesca poça que estava embaixo dela.
O homem beijou sua cabeça e a abraçou.
"Papai...pai..."
foram as últimas palavras dela.
Ele continuou abraçado ao seu corpo.
Olhou as horas em seu relógio, por cima do ombro da garota morta.
"Perfeito."
Silêncio.
Escuro.
Sangue.
.............................

sexta-feira, 19 de abril de 2013

23:45



Ela anda pelos túneis cinzentos subterrâneos
e as poucas pessoas passam umas pelas outras como almas desatentas
e desumildes.
Ela anda apressada, apressada mas com classe por eles, usando seu casaco vermelho forte
seu batom vermelho forte
seu cabelo naturalmente vermelho.

Ele caminha com as mãos nos bolsos e o olhar frio.
Não há moral em seu ser, seus conflitos não o fazem precisar
se identificar, sem escolha
ele não tem o que fazer.
Ele enxerga a garota de vermelho e todas as outras ficam em preto e branco.
O homem de chapéu cinza escuro e jaqueta preta conecta sua alma à da moça.
Ou isso é o que ele pensa.
Ele a quer em sua cadeira, amarrada.
Ele está atrás de caça.

As pessoas passam por ele, ele esbarra em algumas delas.
Não percebe, não dá bola, o vermelho brilha em suas pupilas contraídas .
Seus olhos fitam o objeto de desejo de seu inconsciente.
Inconsciente que agora parece ter dominado o consciente
e se tornado toda a sua consciência.
Indiferente.

A moça de vermelho segue parada na escada rolante, descendo lentamente para o seu destino.
Ela sabe que é centro das atenções, seu cabelo e seus modos sempre demonstraram isso muito bem.
Ela sabia a impressão que causava.
E gostava de vê-los se matando por ela.
Ela anda despreocupada,
e na espera de ser caçada
preparando sua chutada
para mais uma alma machucada.

Ele está logo atrás.

A luz do trem vem como as luzes finais que você enxergaria em seu leito de morte.
O som irritante dos trilhos rangendo,
as campainhas
as conversinhas
os mapas e
os casais de adolescentes nos primeiros e últimos vagões
Ela não quer contato com eles.
Ele não quer contato com ninguém além
dela.

A porta abre.
Ela entra.
Ele entra.
Duas portas de distância
Cinco pessoas em todo o vagão.
Seu dia de sorte.
Seu dia de azar, doce.

Eles permanecem sentados, cada um em um canto
de frente um para o outro de certo modo.
Ele ainda não tirou os olhos dela desde a hora em que a viu.
Seu cérebro não registrou mais nada depois que fitou aqueles olhos e aquele cabelo
e aquelas roupas e andar.
O instinto foi igual ao de um felino furioso.
Ela ouve música e olha pela janela
Garoa e luzes.
Ela sente o olhar penetrante de um senhor de chapéu.
Talvez um velho safado e solitário.
Ela olha para ele, olha dentro de seus olhos por dois segundos
sorri com o canto da boca
e desvia o olhar logo depois, de volta para a
Garoa e luzes.
Ele sorri logo depois, seus dentes amarelos pelo tabaco.
Ela não teria a menor chance essa noite.

sábado, 13 de abril de 2013

Dois caras de terno e um almoço Lynchiano.


Dois indivíduos de terno em horário de almoço. Um de gravata verde escuro e o outro com gravata azul escuro. Azul fala primeiro:

  • E aí? Saiu com ela?
  • Sim
  • E aí?
  • Hm...não.
  • Ah...que merda, cara.
  • É...foda-se também, né?

Olham a avenida lotada de carros enquanto fumam seus cigarros em silêncio por alguns segundos. O de verde começa a história

  • Sabe, fui num restaurante...
  • (interrompendo) Que restaurante?
  • Vou falar, caramba.
  • Aonde?
  • Porra...então, lá eles tinham aquelas pernas de rã pra comer.
  • Da hora rã, adoro rã, tempão que não como uma rã.
  • Eu sei...eles tinham uma caralhada de pernas de rã penduradas num varal, sabe? Um monte...tipo uns trinta pares delas. E deixavam elas de frente pra janela que separa a cozinha do...
  • Ahhh...tipo aquela divisória que dá pra gente ver se os chefs não estão soltando um cagalho marrom claro na sua sopa (risos)...aposto que eles fazem merda na nossa comida mesmo assim, se quiserem. (olha a cara de insatisfação do amigo interrompido) – Ah...não interrompo mais.
  • Valeu.

Tragam seus cigarros e soltam a fumaça ao mesmo tempo. O de terno e gravata verde escura continua a história.

  • Tipo...lá estavam aquelas sessenta pernas magras e sebosinhas de anfíbio...a imagem já era meio macabra de se olhar enquanto tá almoçando, tá ligado?

O outro permanece em silêncio olhando fixamente para o amigo, como se estivesse se esforçando para não interrompe-lo. O contador da história vira os olhos para cima e continua.

  • Então eu fui dar um mijão quente porque tava um calor senegalês e quando volto, melhor, quando tava pra sair do banheiro, eu ouço um grito vindo lá do restaurante. Um bem seco e agonizante, daqueles de filme do Zé do Caixão...quase que volto pro vaso pra me cagar inteiro. Achei que fosse um assalto ou coisa do tipo.
  • O que era?
  • Eu abri a porta com todo o cuidado do mundo, esperando ver todo mundo no chão, mas as pessoas tavam sentadas ainda, olhando para a janela da cozinha. Meu Deus, man...eu olho pra aquele vidro e as pernas de rã estavam todas chacoalhando no varal. Todas lá, tremendo e pulando como se estivessem procurando a outra metade do corpo...cacete, que coisa bizarra. Uma mulher desabou no chão e um casal de senhores passaram mal lá dentro.

O ouvinte ficou em silêncio um tempo.
  • Só por causa das pernas de rã?
  • Huuum...você não tava lá, cara...aquilo é, com certeza, algo que não deveria ser mostrado na hora de uma refeição. Talvez no domingo à noite depois do Faustão...não...foi bizarro, bicho.
  • Como as pernas se mexiam? O cara batia no varal?
  • Eu sei lá, meu...terminei de comer virado de costas pra aquela janela. Fui dormir pensando o que mais eles não deixavam lá tremendo pela metade enquanto as pessoas comiam seu almoço.
  • Como assim? Elas se mexiam sozinhas? Não existe isso.
  • Sei lá, cara...é reflexo, às vezes você corta a cabeça da galinha e ela continua enchendo o seu saco, pulando pra lá e pra cá, sem cabeça nem nada...é a natureza.
  • A natureza às vezes parece uma cena de um filme do Lynch.
  • Muito! Pensei a mesma coisa quando saí de lá...devia ter filmado.
  • Devia mesmo.
  • Vamos lá depois pra almoçar...a comida é boa e o lugar também é bacaninha.
  • Imagino que seja...tem dança coreografada anfíbia enquanto você espera o coquetel de camarão com as margaritas.

Riem. O de gravata azul escuro tira um relógio de bolso de seu terno.

  • Hmm...tem dez minutos de almoço ainda. Quer pegar um açaí?
  • Sim. Uma cervejinha também?
  • Pode ser...pra tirar a doçura da boca.
  • E a amargura do ser.

Jogam suas bitucas longe e atravessam a avenida.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Recue.


   "Ele tinha bebido três garrafas de vinho, três garrafas de vinho branco, ou duas de branco e um tinto seco...não sei, sei lá. Mas ele tinha tomado muito álcool naqueles dias anteriores e já estava ficando meio senil pelo cansaço do corpo e da mente fodida dele. Sempre pensei que a morte da filha somado ao fato de a única mulher que ele teve na vida larga-lo e sumir com o primo dele duas semanas depois realmente foderam a cabeça do cara. Mulheres, né brow...você fica louco de qualquer forma no final das coisas.
Enfim, sei que o fígado dele já tava trabalhando mais que Cubatão todo aquele goró e ele começou a cheirar pó pra não ter um coma alcoólico. Deve ter achado mais garrafas ou saiu pra comprar e mamou tudo rapidinho...cheirando cocaína pra cacete no processo, tudo aquilo, sabe? Começou a detonar o quarto inteiro do hotelzinho chulé que estava hospedado e devia estar vazio porque ninguém reclamou por horas.
Ele sempre carregava um revólver com ele, aqueles Smith & Wesson estilo Tex, manja? Era fodona aquela peça. Uma vez ele levou geral pro sítio do pai da ex mulher e trouxe a Smith junto com umas caixas de munição..saia um fumacê desgraçado daquele cano...muito legal...ah, sim. Então, ele carregava o revólver sempre na cintura, principalmente quando ia no bar. Era doido varrido, doido de pedra. Mas nunca saia do sério também, era bem calmo até bêbado e sabia maneirar bem quando mandava coca pa nareba. Ninguém sabia bem porque carregava aquela coisa, nem ele devia saber, mas vira e mexe ele levantava a camiseta apertada na barriga e mostrava a coronha de marfim brilhando no sol pro pessoal da mesa.
Bom, voltando ao revólver no hotel com o cara bêbado e fodido. Depois de um tempo, quando as drogas tavam acabando e o goró já era, ele começou a se sentir mais no cu do mundo ainda e se desesperou de vez. Ligou pra emergência e disse no telefone "Alguém vem aqui no hotel tal na rua tal do quarto tal, que eu acho que meu vizinho se matou! Sim! Ouvi um tiro e uma coisa pesada caindo no chão..ele tá todo fodido na cabeça, sabem? Sim, sim...venham o quanto antes." Ele conseguiu fazer a voz parecer sóbria a ligação inteira e desligou o telefone, acabou com o que tinha da droga e tirou o revólver da gaveta. Não tirou da cintura porque o cara estava peladão no quarto há dias...gostava disso...bom, ele engatilhou a arma e colocou o cano na boca. Imagina aquela coisa gelada na sua guela....ahhh...só de pensar dá agonia, bicho. Ele esperou passar um tempo, esperou a cocaína vasculhar o último tanto de coragem que tinha dentro dele e então puxou o gatilho."

"Cacete...que cu, hein, cara...quem te contou essa história?"

"Ele que me contou essa história"

"Ele que contou essa história? Que porra? Ele não morreu com um tiro no céu da boca?"

"Hahaha, não, cara. Quando a ambulância chegou eles já entraram no quarto com o saco preto para corpos já aberto, toda aquela meleca de pedaço de rosto era bem asquerosa...até que um dos caras teve a formalidade de ver se ele tinha pulso e voìla! Ele estava vivinho ainda. Ele não acertou o cérebro, sabe? A arma recuou e destruiu toda a cara dele. Explodiu o nariz, a boca, um dos olhos e todo o conceito que ele tinha sobre azar na vida. Fui encontrar com ele no hospital e vomitei por dois dias depois...ele conversava comigo pelo computador, digitando a história toda. As lágrimas caíam só de um dos olhos dele, o resto tava tudo enfaixado e sujo de sangue...o indivíduo não tem mais nenhum motivo pra viver nessa merda de agora em diante...tá na mesma porcaria de antes só que hoje com a pior dor da vida dele e a cara monstruosiada. Tá fodido.

"Puta-que-pariu"

"Eu sei, cara...foda"

"Tem gente que nasceu pra se foder mesmo. Por isso nem reclamo mais"

"Nem eu. Quer ir beber?"

"Vamos"


Foram.