terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Cachorro preguiçoso


Deito, rolo na grama ao lado de uma barata morta em posição de discurso político humano.
Um gigantesco recipiente de água que eles sempre se divertem dentro está ao meu lado..
Do outro suas pernas extensoras que os levam a qualquer lugar.
Bocejo com preguiça
Objetos boiam com preguiça ao lado do grande recipiente
O PORTÃO!
CORRE CORRE MINHAS ORELHAS ARF ARF...SÃO GIGANTES E BALANÇAM ARF ARF... AO VENTO...ARF
Pulo o barro, corro pela grama molhada e
SALTO ARF ARF, AWWW AUUU AWW
As pernas extensoras de um deles sai pelo portão
Olho os caminhos de rastros dos bichos humanos
Parecem
organizados.
UM BARULHO rasga no meu aparelho de sons
CAVALOS BICHOHUMANIZADOS! "Psiu, psiu PSIU escuto do portão
Em dois saltos de minhas pernas de caçador já estou de volta na calçada barrosa
arf arf...psiu, "EI, *%@$@% MORRER, Pluto!" escuto de um deles quando volto
Não entendo todos os seus sons mas parecem querer que eu continua com eles. Entro e o portão fecha.
Pulo a lama e passo pela grama gelada e úmida até o pote de comida dos humanos.
Me dão dois grandes pedaços de carne preparados à moda Humanoide.
Como em pequenos pedaços os dois grandes carnoides, meus dentes únicos fazem o trabalho como ninguém.
Então falam alguma coisa em voz alta e entendo "CHISPA! CHEGA!" e sei que devo sair.
Dois deles me fazem afagos na caixa pensante canina e perto de meus dentes, embaixo do comedouro.
Não entendo porque fazem isso mas parecem gostar.
Então eu gosto.

Arf arf, arf arf arf...cansado.
Vou ao grande recipiente de água
Dou umas linguaradas lá porque os humanos salgam demais suas carnes bovinas.
Olho as pequenas ondas na água de seus recipientes de água gigantes.
Dou uma volta pelo lugar.
Deito ao lado dele novamente.
Caiu no sono de barriga cheia como antes.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Névoa sobre os montes verdes da ilha.


Enquanto assistem televisão e conversam
Enquanto comem e bebem e bebem e bebem
Penso no litoral negro, perto da madrugada
Nas luzes da cidade mais próxima, separadas de mim por milhões e milhões e
milhões
de moléculas de água e grãos de areia mal quebrados
não há ondas aqui, não há Sol nesses dias
ilha neblina
como a névoa densa que me ronda desde não sei mais; já cansei de contar
[mas isso não é sobre mim
nem sobre tv ou álcool ou brisa
talvez sobre ventos e barcos camuflados na noite
sobre o monte iluminado por casas dos moradores da cidade próxima da ilha
que faz parecer um navio naufragando no breu
eternamente à deriva
talvez seja sobre o Sol que não deu muito as caras por aqui esses dias
e talvez seja pra você, por sua causa.

por que o que escrevo nos últimos tempos não é para mim ou para os outros
é pra você
é seu, para que eu tenha você de alguma forma por alguns minutos, tenha de alguma forma que seja fora dos meus pensamentos vagos e românticos, tenha você além da minha eterna fantasia de um admirável loser gordo.
como tento ter o mundo aos meus olhos quando me perco em devaneios olhando para o mar escuro
para os barcos e iates e lanchas milionários esperando seus donos pomposos
com suas loiras e morenas e ruivas e japas
como tento tantas coisas que não dão em nada, tantas outras, tantos fracassos

eles tem o status, eles tem as porções de camarão mais caras e baldes de cerveja gelada
ao seu lado as mais belas acompanhantes
e eu tenho eu, minha cerveja só, meu livro, minha cabeça
e meus dedos inquietos
amém.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A lição que Pietro não precisou aprender duas vezes.


    A senhora Salamelli parecia realmente irritada. Olhava diretamente para o jovem Pietro com suas sobrancelhas arqueadas e maquiagem borrada enquanto o garoto se encolhia todo na cadeira ouvindo a todo o tipo de porcaria que a diretora poderia inventar para assusta-lo. A régua de 50cm feita de alumínio estava repousando ao lado das mãos ossudas da mulher:
  • Então? O que me diz agora? De novo mandam você até mim, Pietro. De novo! Você sabe o que vai acontecer com você a próxima vez que roubar da mochila dos seus colegas?
O garoto permaneceu em silêncio, apavorado.
  • Sabe?! Ela gritou e o assustou novamente
  • Va...vai me mandar...pra...pra Almeida Pla...
  • Iremos manda-lo para o Colégio Almeira Platos, sim. E você sabe que lá é um colégio só para rapazes...problemáticos como você, não sabe?
Silêncio da parte do jovem e amedrontado Pietro. Mas aquele silêncio era tão mais aterrorizante que preferiu se explicar
  • Mas senhora Salamelli, eu não roubei da mochila do Iago, eu juro!
  • Bom, não foi isso o que o seu colega e seu pai vieram me contar hoje de manha
  • Não é verdade! Eu não peguei nada de ninguém! Aquela vez foi a única e eu nunca mais fiz de novo. Eu juro por Deus, senhora Salamelli!
A mulher pegou a régua metálica e deu uma bela reguada no braço esquerdo do garoto que estava apoiado na mesa. Ficou vermelho na hora e Pietro foi o mais forte o possível para não chorar na frente daquela pessoa detestável e do inspetor Kalil, que estava sentado quieto em um canto da sala da diretora com um suave riso em seus lábios, apreciando a punição do suposto delinquente juvenil.
  • Como tem coragem de colocar o santo nome de nosso Pai em vão? Ó, meu Deus! Coloca-lo em meio a uma mentira deslavada como essa, no meio de um roubo a um amigo! - a diretora apoiou a cabeça nas mãos e tinha um ar de desprezo pelo garoto.
O menino Pietro segurava seu braço machucado e sentia a região aonde a régua acertou esquentar. Apertou o braço com sua mãozinha e desejou pular em cima da diretora e morder seu pescoço para que ela sangrasse e morresse naquela sala nojenta e velha em que ela passava todos os dias de sua vida dos últimos trinta e cinco anos. Não era a primeira vez que passava pela sala. Não era a primeira vez que fora levado para aquela sala injustamente e todos sabiam que naquela sala só entrava quem estava em sérios problemas. Quando o inspetor Kalil entrou no meio da aula de história do professor Moacir e chamou pelo nome de Pietro Gonzalez, ele sabia que estava na merda. Quando se levantou todos os amigos começaram a rir e falar coisas que assustaram o menino, foi de cabeça baixa até o inspetor e antes de sair olhou para o seu professor de história careca e barbudo que tinha um olhar de dó para o garoto. Kalil fechou a porta e deu um tapa na cabeça do jovem, um tapa forte e depois foi levando-o aos chutes até a sala da temível diretora Nora R.Salamelli, outrora professora de línguas. Talvez até tivesse sorrido um dia e talvez ela tivesse aproveitado a juventude também, mas agora já tinha se esquecido disso e já tinha se esquecido de como sorrir e como fazer os outros sorrirem. Agora era apenas a diretora Salamelli e aquilo parecia ser a única coisa que ela sabia fazer e o ponto alto de sua vida pessoal e profissional. Pietro não queria ser diretor, nem professor, queria ser pintor, mas sabia que ninguém o apoiaria nisso então não se iludia tentando explicar para as pessoas qual era o sonho, apenas falava "médico" ou "advogado" quando o perguntavam essas coisas e assim todos saiam achando que ele teria um futuro. Mas a senhora Salamelli parecia não se importar muito com isso e o inspetor Kalil certamente menos ainda, enquanto chutava o traseiro do garoto escada acima e o perturbava psicologicamente dizendo que estava fodido e que o mandariam para Almeida Platos, ao lado de retardados e caras que eram incapazes de limpar até a própria bunda. Pietro não sabia o que aquilo tudo realmente queria dizer, mas com certeza todos na escola tinham medo do colégio Almeida Platos e do que seus muros escondiam.
  • Vamos, garoto! Sobe rápido que a diretora quer ter uma conversinha de homem com você. Você não é o machão que rouba seus amiguinhos? Então vai ser machão de enfrentar aquela cobra. VAMOS! - e deu uma joelhada nas costas do garoto, que foi ao chão de boca com a força do chute
  • Aaaai.... - ele gemeu e se levantou do chão com o lábio cortado
  • merda – resmungou Kalil baixinho – Levanta daí seu pirralho, antes que eu te acerte outra. E limpa esse sangue da sua boca e para de choramingar, bichinha. E se alguém perguntar você tropeçou na escada, entendeu?!
Pietro parou de choramingar na hora e segurou seu ódio por aquele homem. Era um garoto forte, precisava ser forte. Apanhava toda semana do pai ou da mãe e às vezes dos dois, a maioria das vezes sem motivo para tal, mas sempre acabava apanhando e teve que aprender a ser forte com a dor ou ia endoidecer mais cedo ou mais tarde.
No caminho até a diretora o inspetor Kalil não incomodou mais o jovem, talvez com medo de outros cortes ou hematomas e uma possível represália de sua chefe. Pietro se sentiu melhor com isso mas sentiu também seu lábio inchar e o corte arder levemente, igual a um corte de papel. Sentiu-se mal novamente quando parou em frente a porta da bruxa e o inspetor cuzão bateu na porta três vezes e entrou sem ouvir sinal algum da mulher antes.

E agora estava ali, sendo acusado novamente de roubo e com a boca machucada por um brutamontes incapaz de demonstrar sentimento pra qualquer coisa que não fosse um bife ou uma caneca de cerveja gelada.
  • Eu já comuniquei os seus pais e eles estão a caminho daqui, Pietro. Vamos ter uma conversa com eles.
Ele permaneceu em silêncio e sem expressar nada por fora, mas por dentro se tremeu todo de imaginar seu pai saindo de seu último dia de férias para ouvir mais uma das peripécias que seu filho se meteu na escola. Se estivesse bêbado então! Ferrou! Era capaz de tirar a cinta na frente da diretora e do inspetor, abaixar a calça do filho e espanca-lo ali mesmo até a hora que achasse que ele tivesse aprendido a "lição". Era algo que ele sempre falava quando terminava de surrar o garoto, "Agora que você aprendeu a lição, espero que isso não se repita mais, filho" e falava isso sempre com um estranho carinho na voz, o garoto não entendia esse carinho repentino logo após uma surra daquelas e não conseguia entender que lição era aquela que seu pai semanalmente queria ensina-lo. Sabia que se um dia chegasse a ter filhos nunca tentaria explicar uma lição de porrada pra eles, mas talvez o pai fosse antigo demais e essa era a única maneira de ter um contato físico com seu filho. O amava a seu jeito e o menino sabia disso. Era mais inteligente do que a maioria e ninguém enxergava isso, constantemente o julgavam de idiota ou rebelde e ele simplesmente não dava a mínima. Não dava a mínima pra muitas coisas que falavam e faziam com ele, sabia que não era lá o garoto mais sortudo do mundo. Nenhuma das garotas da escola davam muita bola pra ele e os poucos amigos que tinha eram aqueles que foram excluídos logo no primeiro dia de aula, junto com ele, e eram aqueles amigos descartáveis que só serviam para a solidão não tomar conta numa idade tão nova assim. E as coisas pioraram depois que ele, num dia em que estava triste com o mundo e com seus pais, por algum motivo que não sabe explicar até hoje, pegou da mochila de sua colega de classe Rachel um estojinho bordado cheio de moedas e um sapo de pelúcia que a garota carregava sempre na mochila. A garota reclamou para os pais, é claro, e para os professores, é claro, que reclamaram para o Kalil, é claro, que levou, obviamente e com muito gosto, o garoto até a senhora Salamelli. Naquele dia seus pais foram chamados e seu pai chegou na sala da diretora vermelho como uma pimenta. Ouviu tudo o que a diretora tinha a dizer, ouviu a confissão do filho, deu-lhe um tapa na cara com tanta força que o garoto jura que até o inspetor arregalou os olhos na hora. Depois levou-o para a casa aonde a surra de verdade estava para começar. Aquilo havia acontecido há seis meses. Agora o garoto esperava pela volta do pai e sabia que dessa vez ele ia mesmo morrer de tanto apanhar. Abaixou a cabeça e fechou os olhos, tentando esquecer tudo o que acontecia com ele. Mas um impulso o fez levantar a cabeça e olhar pela janela atrás da diretora Nora Salamelli, sim, o carro velho de seu pai estava estacionando. Estacionou na vaga especial para os professores, provavelmente já estava bêbado, pensou Pietro, sentiu uma tremedeira tomar conta do seu corpo inteiro e até seu braço avermelhado pela régua ficou frio. A diretora olhou para trás e sorriu satisfeita com a chegada do pai do delinquente. O som da porta batendo foi audível e o carro balançou todo. Ele não estava de bom humor, como o garoto previu. Por que faziam isso com ele? Eles sabiam que o pai iria espanca-lo por horas e sabiam o quanto aquilo dói, talvez as pessoas fossem todas psicopatas querendo uma ver a outra ser destruída. Talvez a senhora Salamelli nunca teve um filho para espancar quando era preciso e agora fazia todos os pais baterem em seus filhos quando chegassem em casa. Pietro pensou no azar que teria uma criança que fosse filha da diretora e do inspetor. Com certeza ela não sobreviveria por muitos anos, ou se tornaria um monstro que nem os pais são, que nem o pai de Pietro era às vezes, principalmente bêbado e de mal humor e quando o tiravam do seu último dia de férias para ouvir mais uma que seu filhote aprontou com os colegas.
  • Agora que ele está subindo as escadas, quero que você conte tudo o que aconteceu e o que você roubou do seu amigo, ok Pietro? - agora sua voz havia mudado e estava parecendo com a do seu pai depois das surras
  • Mas eu não roubei nada de ninguém, senhora Salamelli.
  • Meu Jesus, garoto, essas suas mentiras não servem pra mais nada. Todos sabem o que você é e o lugar de onde você veio, nós sabemos que sua família não tem dinheiro e que você foi criado para ter que sobreviver. Mas você tem que aprender a conviver com os outros e....bom, deixemos essa conversa para quando o sr. Gonzalez estiver aqui, certo Kalil?
  • Sim, Nora, com certeza – o inspetor parecia empolgado e talvez até excitado com a situação em que o garoto estava prestes a se encontrar.

Permaneceram em silêncio pelos próximos dois minutos, esperando pela pesada mão de Victor Gonzalez bater na porta e entrar com sua fúria ébria, procurando pelo filho causador de sua vergonha na frente daquelas pessoas. E a porta não bateu, ele entrou de uma vez, dois metros de carne um pouco mais escura que a do filho, cabelo batido e roupas que provavelmente pegou na hora que saiu de casa furioso com o garoto Pietro. Bateu a porta e olhou para a diretora e para o inspetor, sem mirar o filho com os olhos ainda.
  • Ahh, sr. Gonzalez. Um prazer revê-lo – disse a diretora com um sorriso mais falso do que seus peitos
  • O que ele fez dessa vez? - Perguntou o pai visivelmente puto e bêbado.
A diretora pigarreou duas vezes e começou a contar
  • Bom, o senhor bem lembra que essa não é a primeira vez que pegamos seu filho aprontando aqui dentro da escola, não é mesmo? - silêncio por parte do pai – Bom....é....houve aquela vez com o dinheiro e o brinquedinho da colega e aquela outra vez com o banheiro das meni....
  • Eu sei o que meu filho fez e deixou de fazer, diretora. O que ele fez DESSA vez, foi essa a minha pergunta. Não perguntei o que ele fez há um ano e nem que a senhora citasse o que aconteceu antes...fui chamado para saber o que ele fez AGORA e é só isso que eu quero ouvir.
A diretora ficou sem o que falar por alguns segundos, apenas encarando o pai com um olhar assustado, mas depois continuou.
  • Bom, o pai de um colega de sala do seu filho, sr. Montagna, ligou e nos comunicou do desaparecimento de um estojo e de uma carteira de seu filho, Duda. Nós revistamos mochilas e encontramos o estojo na mochila do seu filho, sr. Gonzalez. Ele repete que não foi ele quem pegou mas essa semana nós notamos que ele anda comprando lanche na cantina todos os dias e até pagou um salgado para uma colega de sala. De onde pode ter vindo esse dinheiro, sr. Gonzalez?
O garoto estava em silêncio e sabia que o pai não estava lá para ouvir suas palavras, apenas para ouvir a acusação e ter a sentença decretada em casa, sem palavras, sem testemunhos. Apenas a palavra do adulto no poder hierárquico mais alto e o carrasco que iria executar o réu mais tarde, antes de dar um beijo de boa noite em sua testa. Mas aí uma coisa inesperada aconteceu e o garoto ficou até sem o que dizer na hora. Seu pai olhou para ele e perguntou:
  • Você fez isso mesmo, garoto?
  • Hãaã...éé...Não! Pai, eu peguei o estojo dele emprestado, ele me emprestou o estojo! Claro que estava comigo, foi a primeira coisa que eu disse, mas eu não roubei nada pai, eu juro!
  • Ele nos contou essa história, sr Gonzalez, mas o filho do sr. Montagna disse que foi ele quem pegou, que ele viu o seu filho se abaixar e pegar o dinheiro de dentro da mochila.- tentou se retratar a diretora
  • E então vocês simplesmente concluíram que foi o meu filho quem roubou? A partir das palavras de um moleque que provavelmente tem de dois a quatro empregados só para limparem sua bunda depois de sentar no troninho? Acham que não sei que esse Montaminhapica aí não é um dos principais colaboradores dessa espelunca, dona diretora? - Pietro sentiu o cheiro de cachaça saindo da boca do pai e estranhava o seu velho estar dando mais bronca na diretora do que nele.
  • Sr. Gonzalez, pelo amor de Deus, não pense que tratamos os garotos aqui na escola a partir de sua condição financeira ou social...elas são todas as mesmas aos nossos olhos, apenas zelo pela segurança e pela inocência infantil que hoje em dia parece tão rara, não é mesmo?
  • Não, não parece não, minha senhora. Me parece que estão discriminando o meu filho, porque eu vim aqui achando que ele tinha fodido tudo de vez mas eu lembro, minha senhora, mesmo estando bêbado que nem um gambá aquela hora eu me lembro quando ele chegou em casa na semana passada e me mostrou o estojo cheio de canetas coloridas e caras que seu amigo almofadinha havia emprestado para que desenhasse no caderno e em troca ele faria as lições de casa do sr. Calças de Ouro Montagna aí.
  • Mas sr. Gonzalez, o estojo não é importante. O que queremos saber é de onde veio esse dinheiro que seu filho gastou na escola essa semana.
  • De onde veio esse dinheiro? Que tal do meu bolso, senhora diretora? Que tal eu, um imigrante sem nada, ter conseguido um a mais trabalhando na porra das minhas férias e dei um dinheiro para o meu garoto poder gastar em alguma coisa pelo menos uma vez na sua vida? Que tal isso, sua diretora? Agora vocês me fazem sair de casa no último dia das minhas mais do que merecidas férias pra acusarem o meu filho de ROUBO? Que tipo de merda você pensa que é pra tratar minha família desse jeito? Ele já foi pego uma vez e eu o ensinei uma lição que ele nunca mais esqueceu aquela noite. Não foi, Pietro? - olhou para o garoto que respondeu balançando a cabeça com medo de todos os adultos do mundo naquele momento.
A diretora ficou novamente sem palavras na boca e o inspetor Kalil se afundava no sofá de couro vagabundo. O sr. Gonzalez ainda estava de pé com seus dois metros de altura, uma tática que sempre usava para intimidar os outros desde que era o mais alto da turma na escola. Não tirou os olhos dos da diretora desde que havia percebido a injustiça com seu filho. E ninguém podia ser injusto com seu menino além dele e da mãe do garoto. Nenhuma velha mal comida ou um monte de merda que por algum motivo virou inspetor ia jogar o filho contra o pai dessa maneira, sabia a laia que aquela escola chupava e sabia quem eram as famílias que mandavam naquele lugar. Ele não era tão ignorante quanto aparentava ser também. Podia não saber ler muito bem ou não ser a pessoa mais racional do mundo, mas proteger a família era sagrado para ele e todos os seus irmãos, primos, tias, avós, pais, todos eles viviam sobre a regra básica de nunca ficar contra a própria família. E aquilo era a coisa que ele mais se orgulhava de ter feito bem até hoje.

Após alguns minutos de desconforto a diretora ainda não havia conseguido encontrar palavras para dialogar com o pai bêbado do aluno, então pensou no mais óbvio.
  • Senhor, o senhor está bêbado, está fora da sua razão. Eu sei que é triste ter uma notícia de que seu filho é um delinquente – e ela percebeu na hora a má escolha de palavras quando os olhos do pai saltaram – mas....mas...precisa conversar...com...seu filho. Entende?
  • Delinquente?
  • Eu não quis dizer isso, senhor Gonzalez, me expressei errado.
Victor Gonzalez já ia explodir quando foi interrompido pelo inchaço na boca de seu Pietro. A boca do garoto estava ficando roxa e um pequeno fio de sangue começava a descer. O garoto percebeu o olhar do pai para ele e abaixou a cabeça com medo de entregar Kalil e apanhar mais no dia seguinte ou quando sua suspensão terminasse.
  • O que é isso na sua boca, menino? Brigou de novo? Ele brigou com alguém também? - Perguntou o pai irritado para a diretora.
  • Eu não sei o que aconteceu, na verdade, senhor. Ele entrou aqui assim, não sei se brigou com alguém.
Pietro olhou para o inspetor de relance e ele tinha uma expressão de nervosismo mas seus olhos eram ameaçadores para o garoto, sabia que sofreria nas mãos do inspetor se falasse algo. Abaixou a cabeça
  • Com quem você brigou, Pietro? Você brigou ou se machucou sozinho? Me fala agora ou você sabe muito bem que vai ser pior.
Ele tremeu e sentiu uma lágrima querer sair pelos seus olhos. Engoliu a saliva e todas as lágrimas possíveis.
  • Pai, é que eu....
  • O que?
  • Ele me chutou quando estava subindo comigo até aqui e eu caí de boca no degrau, papai. Ele me deu um tapa também e vários outros chutes. - e esse foi o momento que ele mais se sentiu aliviado e livre nos últimos meses, olhou para Kalil que se levantava do sofá e já ia se explicando
  • Como assim? Ele está louco? Eu chutei o garoto? Nunca! É mais uma mentira dele, diretora.
Mas a diretora não falou nada porque sabia que quem mentiu dessa vez não foi o garoto, porque essa não foi a primeira vez que o inspetor Kalil foi alvo de acusações do mesmo tipo. A diretora também sabia que já estava atolada demais na merda com o pai do garoto pra tentar salvar a pele de mais um que não sabia lidar com crianças. Victor Gonzalez estava possuído de verdade e Pietro pode sentir a raiva de seu pai crescer e ele ficar vermelho e seus poros exalarem o cheiro forte do álcool, o garoto sorriu.
  • Você...Você bateu no MEU filho? Você chutou o meu FILHO DA PORRA DE UMA ESCADA? É ISSO MESMO?
  • N...não...não. É claro que não sr. Gonzalez, seu filho está inventando isso para se safar da bronca. Ele roub...roubou o amigo, senhor Gonzalez. Ele está mentindo.
  • Ele não tá mentindo porra nenhuma, cara. Essa foi outra lição que eu ensinei pro Pietro, sabe. ELE NÃO MENTE. Não pra mim, pelo menos.
Inspetor Kalil ficou em silêncio apavorado com aquele brutamontes alcoolizado de dois metros e poucos.
  • Filho...Pietro, você não está mentindo pra mim, não é? - perguntou o pai, aproximando-se lentamente do inspetor
  • Não, pai. Ele me bateu mesmo, e não foi a primeira vez que fez isso.

Nessa hora o sangue de Victor borbulhou e ele avançou em Kalil, que tentou um soco no estômago do gigante que não serviu pra nada além de deixa-lo mais puto. Ele revidou com um murro com toda a força que conseguiu juntar no maxilar de Kalil que o levou ao chão que nem um pedaço abóbora podre. Na queda ele quebrou um abajur que parecia ser bem caro e deslocou sua mandíbula que ficou torta que nem naqueles filmes de terror. Como o murro não desmaiou o inspetor por algum motivo desconhecido, ele se arrastou até o outro lado da sala, com a boca torta sangrando enquanto a diretora assistia aquilo com horror nos olhos e paralizada. Pietro sentia-se tão protegido naquela hora que começou a rir do inspetor em silêncio. Victor foi até o homem no chão e o chutou no estômago repetidas vezes enquanto gritava com fúria na voz:
  • NINGUÉM....ALÉM DE MIM....E DA MINHA....MULHER...ENCOSTAM UM DEDO....NA PORRA DO MEU......FILHO! VOCÊ ENTENDEU? VOCÊ ENTENDEU? NINGUÉM...NESSA PORRA...ENCOSTA O DEDO NA MINHA....PORRA! VOCÊ ENTENDEU?! SEU MONTE...DE....MERDA! - e cada chute era uma palavra que ele falava que era respondida com um gemido do homem agonizante ao chão
  • PELO AMOR DE DEUS, SENHOR GONZALEZ! O SENHOR VAI MATA-LO! - gritou a diretora desesperadamente
Victor parou de chutar o homem, voltou-se para a diretora com seus olhos vermelhos de raiva paternal e a diretora se encolheu na cadeira, dando um grito de pavor. O homem furioso pegou a régua metalizada e gigante da diretora. Com um golpe só ele a quebrou em dois na nuca do inspetor Kalil, que desmaiou de vez. Um cheiro de fezes começou a tomar conta do cômodo, uma poça amarelada saia debaixo das calças do inspetor desmaiado. Victor levantou a cabeça do inspetor pelos cabelos e falou para sua mandíbula destruída e nariz quebrado:
  • Acho que agora você aprendeu essa lição, não é meu rapaz? - e ele tinha na voz aquele estranho tom de compaixão que usava quando terminava de surrar o filho.
Silêncio foi a resposta vinda do inspetor
  • Foi o que pensei. Vamos, Pietro. E dona monte de merda, não fale o santo nome em vão, tenha modos.
Jogou a metade da régua que não voou longe em cima da mesa da diretora estática, pegou na mão de seu filho e bateu a porta quando saíram daquele lugar fedendo a merda. Pietro ouviu o choro da mulher com o susto que havia acabado de levar e imaginou que aquela foi a última vez que entraria e sairia daquela sala. Olhou para seu pai e o abraçou forte na altura da cintura, o pai afagou seus cabelos e sorriu para o filho.
Entraram no carro e o pai deu partida no motor velho e barulhento.
  • Sabe, garoto, pensei que devíamos aproveitar esse meu último dia de férias pescando na represa. O que acha?
  • Vamos!
  • Mas antes vamos comer uns tacos. Eu sei que você adora, não?
  • Sim!
O pai sorriu para seu injustiçado filho:
  • Aquele cara se borrou todo, você viu? - Perguntou Victor ao filho
  • E se mijou todo depois!
Pai e filho riram. Ele deu ré no carro e saiu do estacionamento a toda a velocidade, ainda tinham que comer e passar em casa para pegar os equipamentos de pesca da família.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Rivers of the same time.


I've been sad lately
for the last months or years, whatever
the days are all the same, they pass slowly and sick
like the elderly in bank lines at 9 o' clock in the morning
and the years are passing by like furious water on rivers of solitude

I've been swimming and drifting on this river for a long time now, baby
there is only me there, floating on a dead tree log
with the same smile and my crooked teeth

They say we'll find a way, they're wrong or lying
or both
Nor everybody finds a way sometimes
Some of us just don't fit in everything the world creates
Some of us just can't handle it sometimes
I don't know if I am this some of us person
But I am certainly not like the others want me to be
And I thank myself for that.

I rather be a piece of shit floating by myself
Than a piece of crap in the middle of a world of shit.

The rats will eat our flesh in the end
Fuck off the beauty and the beast
Throw away all your memories, they're only here to make you blue one more time
The photographs too, solid things that we don't need
Have mercy on our asses, Universe, because nobody else will have

I've been bitter and sweet lately
Pretending that I'm ok during the day
and when I sit to type something, it hits me again
like a diamond bullet on my balls, saying to finish everything
And I need to write about you, girl, but the diamond bullet just completely destroyed
my balls, baby.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Fool


Chuva cai como caio para você
o vento litorâneo vem com a força dos oceanos
estou comendo merda
e bebendo frustrações às goladas
salgadas como o amor
amargas como o ano novo
aterrorizando aos perdidos como eu

não quero estar só
mesmo rodeado por todos
não quero estar só
mesmo rodeado por todos
se só você estivesse aqui
e fôssemos as últimas pessoas
entre anos luz de constelações
vazias e solitárias
eu nem pensaria nas que um dia me rodearam
e até bajularam
e não haveria por que beber nem uma cerveja gelada
beberia e fumaria você
fria, macia.
Mas é certo que não está
mas é certo que não estará

Não quero estar só
mesmo com todos aqui e ali
eu não quero estar só
nessa porra.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Viva o rubro nas janelas da alma.



Odiava o ano novo e odiava toda aquela areia entrando por todos os cantos de seu corpo.

Mas a última noite daquele ano tenebroso estava aí e Amanda queria apenas que aquilo tudo acabasse de uma vez, com o mundo junto.

Nascida na praia, desejava a cidade grande desde que se lembra.

Mas era nascida e criada na praia.

Sua pele morena pelos anos de Sol no litoral chamava a vista dos turistas, pirados atrás de uma caiçara de aspecto selvagem e morena como ela.
Mas a garota não dava a mínima.
Não naquela noite, de ressaca, enchendo a cara sozinha novamente

Uma garrafa de vinho pela metade em suas mãos, a segunda da noite.

Um gole bukowskiano.

Estava deprimida como nunca e as pessoas pareciam tão verdadeiramente alegres e havia uma compaixão generalizada naquela praia que serviu apenas para deixar Amanda mais pra baixo do que já estava.
10, 9, 8 ,7 ,6, 5, 4, 3, 2, 1...

Barulhos, abraços, dentes sorridentes, beijos, velas, luz, muita luz e cores
Solidão para uma
"Feliz ano novo, Amanda"

Um gole bukowskiano, dos grandes.

Virou a garrafa de vinho e o líquido escorreu um pouco pelo seu queixo e longo pescoço.

Jogou a garrafa longe.

Sozinha e bela
À luz dos fogos e velas.

Um ponto só no meio dos pontos.

Olhava para o teto do mundo e para mais nada além dele. A melhor coisa que ela podia ter visto naquele final e começo de ano.

Os fogos explodiam por todos os cantos do céu negro.
Chuva de fogo, bela como ela

De tal forma que um rapaizinho que observava a bela Amanda e nada mais além dela, impressionado com a solidão de uma pessoa tão bonita como aquela, de alguém que não deveria estar nunca sem alguém
Mas ela estava assim.

E ele viu quando a garota melancólica deixou escapar um sorriso discreto para o céu pontilhado de fogo e luz naquela noite de ano novo. Os olhos dela brilharam. E dentre todos os brilhos daquela noite, o brilho de sua melancolia bateu como pedrinhas nas janelas da alma do rapaz.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Litorâneo


Litorâneo


I – Aonde estão as ninfas?

O mar a noite a brisa
o vento o tormento
ela deita em seus pensamentos
te consome como consumo o fermentado
me queima como queimo ao Sol
Só irei durar se conservado em formol
Engarrafado numa réplica de uma caravela

Ao rum!
Às Ninfas!


II – 8.5 Megapixels na escala Richter.

  • Eles falaram sobre pelicas...pelicanos banhados em petróleo, feitos de petróleo galático...de outro planeta...tomando cerveja, bicho.
  • O que você tá falando, cara?!
  • Não sei.
  • Então continua falando e eu escrevo.
  • Pelicas, cara, pelicanos galáticos banhados em petróleo, feitos de petróleo....

III -
Ouvindo Bob Marley
meio bêbado, alto enquanto o Sol nasce
em minhas costas
sozinho
acordado
sozinho
isso é o que o Universo pode me conceder no momento,
obrigado.

IV- Preguiça é um gato na rede

Onde está minha ruiva?
Onde está minha morena?
Há jazz
Há solidão
Há ébrios
Não há eu
Não há você

O litoral nasce com os pássaros
enquanto escrevo
minha visão turva detona a manha
LAZY

Aonde está a gaita?
Aonde está a feminilidade?
Aonde está o eu?

V- Garota ácida\Solitude rises
Loira de biquini branco
até suas celulites são tão belas quanto as estrelas
sua indiferença para com nós a torna nosso totem
nosso tabu
seus olhos se perdem na água azul da piscina, eles se desmancham e tingem a água
enquanto você está sozinha e tranquila nadando
sinto-me só e podre
decadente enquanto a neblina da noite nos derruba
sou o que sou
feio e destruído
cheio de amigos
cheio de piadas
cheio de brisa
cheio de ideia errada

a garoa despenca
solidão aumenta
meu refúgio são as pobres rimas
minhas atuais amigas.

VI- Pássaros gordos não voam para as outras árvores.

Os pássaros parecem ter poder soberano sobre o ar
transportam suas penas
como nos transportam ao bar
com a graça dos livres

os presos estão longe

Eu estou longe.
Longe.

VII- Conversando na beira da piscina

Crianças na água
dois perdedores sentados
um com um caderno e um lápis grosso

conversando sobre os beats
sobre estereótipos culturais
sobre o fim do ano
e a chegada do Fim

Burroughs era um velho batuta
Cassady destruia nas festas
e depois se destruia
Hunter Thompson se cansou uma hora, como todos nós vamos nos cansar
E Celine era uma porra de um nazi

As criancinhas ainda na piscina
  • Uma pra mim. Outra pra você
  • A menorzinha é minha.
Riram.

VIII – Fool

Chuva cai como caio para você
o vento litorâneo vem com a força dos oceanos
estou comendo merda
e bebendo frustrações às goladas
salgadas como o mar
amargas como o ano novo
aterrorizando aos perdidos como eu

não quero estar só
mesmo rodeado por todos
não quero estar só
mesmo rodeado por todos
se só você estivesse aqui
e fôssemos as últimas pessoas
entre anos luz de constelações
vazias e solitárias
eu nem pensaria nas que um dia me rodearam
e até bajularam
e não haveria por que beber nem uma cerveja gelada
beberia e fumaria você
fria, macia.
Mas é certo que não está
mas é certo que não estará

Não quero estar só
mesmo com todos aqui e ali
eu não quero estar só
nessa porra.

IX – solto no caderno

cada um tem sua realidade
e sua própria definição de certo e divertido
nos julgamos infelizes espelhando-nos no que achamos que é diversão para os outros
pensando que é o certo para nós também
os outros espelham-se em outros
e nos fechamos nessa roleta russa existencial
pensando que a felicidade própria é tão inalcançável
que deixamos de existir.