terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Os relâmpagos refletiam em seus olhos.


Estavam sentados jogando na televisão não muito popular dela
e grande; bêbados, um pouco
haviam voltado da festa de tarde
e passaram na casa da garota nesse meio tempo.
Ela queria mudar de roupa. "Vamos jogar enquanto não chega a hora de ir", "Ok"
A garota morena de olhos azuis vidrou na televisão e apertava os botões como numa sequência padronizada que decorou com o tempo
ele a assistiu jogar porque não sabia jogar
então preferia ver os outros jogando e rir de suas frustrações quando eles se davam mal no jogo.

Começou a chover forte
as grandes gotas de água batiam como pedras
no telhado transparente do jardim de inverno
da casa da garota de cabelos negros
trovões
raios
chuva carregada de cansaço do ano inteiro
estava esfriando
ela estava de regata branca
camuflando-se em sua pele branca
ele viu os reflexos dos tiros e explosões do videogame
nos belos olhos da morena
e sorriu para si mesmo.

Ela continuou vidrada com a boca meio aberta
dando-lhe um toque bobo e infantil
engraçadinho.

mais chuva
mais raios
não havia bebida.

KABOOM
Até mais, luz.
sua companhia foi agradável até agora.

escuro
o que iluminava agora era o cinza céu despencando milhares de litros de água
e o estrondoso jardim de inverno era a trilha sonora.

um olhou para a cara do outro
cara de idiotas
riram
os raios iluminavam seus olhos de gato
os dele não eram tão legais assim
mas enxergavam, o que era basicamente o necessário.

sentaram-se no sofá escuro e conversaram
sobre morte e vida após ela
sobre música, mulheres, homens, cosmologia
jogos, fotos, bebedeiras, doideiras, ruivas, chuvas...
chuva continuava e continuava
água escorria dos cantos que nem os cabelos lisos de uma cigana escorrem por seus ombros.

o tempo passou, eles não o viram chegar
estavam praticamente sóbrios
"Mas na festa tem mais", disse e sorriu debochadamente seu sorriso branco como a regata e como a pele .

deitaram cada um em um canto do sofá
seus pés estavam de frente um para o do outro
ficaram se encarando
minutos se passaram como cavalos em campos abertos
"Vamos na chuva mesmo" sugeriu ele
ela hesitou
"Foda-se então"

Foram até a porta e abriram-na
o dilúvio diante de seus olhos
olharam um para o outro e riram novamente
ficaram lá observando aquela água sem fim
os relâmpagos refletiam em seus olhos
ele encarou-a com um sorriso sem graça
ela não esperava quando se aproximou
uma mão foi em sua nuca, por trás dos cabelos negros
a outra em sua cintura
encostou-a contra o batente da porta
gentilmente
beijaram-se
um tanto quanto demorado
com as pequenas gotículas que rebatiam no chão umedecendo seus rostos e seus lábios rosados e grandes
ela sentindo o calor do corpo dele
com o frio molhado do batente da porta
afastaram-se
não falaram nada e ele sorriu para ela
ela sorriu envergonhada e ainda surpresa
ele não sabia aonde enfiar a cara
Mas valeu a pena.

"Vai", ele disse
pegou em sua mão e foram batendo de frente com a chuva quase fria
eles riam
a chuva berrava seus trovões para eles
a corrida e o riso esquentaram seus corpos
tentavam ir pelos lugares cobertos
mas eram poucos para muita chuva
muito chuva para qualquer coisa
mas estavam chegando ao metrô.

andaram, andaram, correram, coberto, corre, corre, carro joga água neles, xingamentos, risadas, beijo, corre, coberto, corre
Metrô.

Muitas pessoas lá, filas
o metrô estava sem luz, é claro
ficaram sem expressão
sem rir
o cabelo dele escorria água como a cera de uma vela ardente
os cabelos morenos da garota pingavam como se estivesse acabado de sair da banheira
e já começavam a enrolar lentamente
ela reclamou e ele disse apenas
"Deixa isso pra lá"

A noite começou a cair ao lado da tempestade
as luzes de fim de ano se acenderam uma a uma,
mesmo sem luz foram se acendendo uma a uma
por alguma brincadeira da luz
os dois se abraçaram com o frio
e ficaram sentados na entrada da estação
vendo as luzes laranjas, roxas, pisca, verdes, azuis, pisca, amarelas, vermelhas, pisca pisca pisca
essas também refletiam nos belos olhos claros da garota
e até um pouco nos dele, não tão legais assim
a regata ensopada dela deixava seu sutiã completamente à mostra
e ela se escondeu atrás dele, com vergonha dos transeuntes ensopados.

As pessoas saiam da estação putas
a luz tinha fugido de todos os lugares!
Eles estavam indiferentes
e agora esperavam se secar e a chuva cessar e a luz voltar e enquanto isso
não acontecia
eles se contentavam com os relâmpagos no céu
e as luzes de natal
e ele tinha o prazer que ela não possuía
de observar as luzes e os relâmpagos refletidos em seus belos e distraídos olhos claros.
Sorriu.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Ceia de natal para dois.



Andava de noite por uma calçada podre e cheia de lixo do centro da cidade. Estava cansado e sua aparência era triste, calças velhas e camiseta vermelha rasgada e suja como a calçada, seu tênis era de pano e já tinha lá seus anos de idade com a sola que já era apenas uma fina camada de borracha desgastada. Seu cabelo castanho balançava na brisa da noite e seus olhos fitavam o que vinha na frente, nunca olhava pra trás uma vez se quer. Em seu bolso, algumas moedas para o ônibus e um frasco com seu coração dentro. Checou o frasco, tudo em ordem. O orgão batia de vez em quando e o álcool dentro do frasco pulsava junto com a batida.

Ninguém na rua. Bom, quase ninguém salvo os viciados e os vagabundos que perambulavam sem rumo e sem vida pelas ruas molhadas e iluminadas com luzes de natal. Nem as putas estavam por perto essa noite. Famílias há muito tinham voltado para suas casas e agora comemoravam o natal juntas, comendo suas carnes brancas recheadas e com molho quente e temperado por cima. Ele estava sozinho na rua andando com algumas moedas num bolso e seu coração em outro. Passou a mão em seu peito e sentiu a costura mal feita que havia dado para estancar o sangue, os pontos ainda estavam lá, mesmo que feito nas coxas. Manchou seu dedo com sangue dos pontos e tocou-o com a língua, doce. Ao menos era doce por dentro. Sentou-se na calçada, exausto e imundo. Ficou lá por alguns instantes parado e respirando o mínimo possível para continuar vivo. Gostaria de ver neve mas é impossível nessa região do mundo. Contentou-se com o frio que fazia e com a brisa da noite que vinha em seu rosto barbado, tirou o tênis velho porque as bolhas em seus dedos estavam gigantes e doloridas demais depois de ter andado a noite inteira sem destino pelo centro da cidade. Ainda mais com o coração fora do lugar pra piorar sua condição física!

Levantou-se rapidamente e sentiu aquela tontura na cabeça que quase o fez desabar no chão de novo. O frasco! Tratou de continuar de pé e tomar cuidado com o conteúdo dentro do vidrinho. Andou e andou e a aquela altura da noite já não haviam mais ônibus ou trens para leva-lo para casa. Ficarei na rua, pensou, ótimo. Passou por um prédio e viu as pessoas comendo a ceia pela janela. Sua barriga roncou com isso e foi um ronco tão alto que até as pessoas dentro das casas ouvindo músicas natalinas devem ter ouvido seu estômago reclamando. Queria um pedaço daquele chester, sim, daquele chester e uma taça de vinho. Ou duas. Deem logo a garrafa a um homem sem coração no peito! Mas nem suas moedas davam para a mais vagabunda garrafa de vinho. E no Natal nunca encontraria uma adega aberta aquela hora. Foi andando em ritmo lento e arrastando seus pés doloridos para aliviar a dor na sua perna mais dolorida ainda.
Os fogos ainda coloriam o céu negro de minuto em minuto e a beleza era de fim de ano. Sua barriga roncava de minuto em minuto também e sua sede aumentava mais e mais. As famílias continuavam reunidas comendo por trás de suas janelas e seus sorrisos não pareciam falsos do lado da rua, pareciam apenas saciadas com algo. Algo que ele não sabia o que poderia ser de forma alguma. E era por isso que estava sozinho na rua com seu coração dentro de um frasco no seu bolso.

Uns moradores de rua dormiam perto de uma fogueira improvisada e tomou a liberdade de se aproximar dela para esquentar um pouco seu corpo todo estragado da noite. O contato de suas mãos geladas com o calor da fogueira o fez se sentir muito bem de novo e até seu estômago aliviou a barra por alguns minutos. Ficou lá chegando perto e se afastando do fogo, brincando com o único calor reconfortante que tinha em muito tempo. Abraçou seu próprio braço e sua barriga voltou a roncar agora que seu ser físico estava aquecido novamente. Não tinha o que comer e nem o que fazer pra arranjar comida com ninguém. Pegou um graveto duro no chão e pensou por alguns segundos. Tirou o frasco do bolso e seu coração pulsava lentamente, pintando o líquido em que estava conservado de rosa claro aos poucos. Um belo órgão que ele tinha em mãos e antes em peito. Destampou o frasco e enfiou a mão lá dentro pra tirar o orgão mole e pulsante. Tinha um toque interessante e sua mão pingava o álcool rosa. Espetou o coração com o graveto e jurou ter sentido uma pontada no peito. Encostou o graveto com o orgão pulsante perto da fogueira que ia perdendo as forças e torceu para assa-lo enquanto houvesse fogo. Seu peito sentiu um calor por dentro e novamente jurou sentir uma pontada e achou que os pontos haviam estourado. Estava tudo em ordem mesmo assim. Virou pra lá e pra cá e o coração ia assando lentamente naquela fogueira no meio do centro da cidade, com as famílias saciando suas vontades e sua fome e trocando presentes, com os fogos iluminando a cidade de uma forma totalmente diferente e no meio de vagabundos desmaiados aos seus pés cheios de bolhas prestes a estourar, estava lá assando seu coração no meio da imundice do centro da cidade. E era melhor do que estar em casa, com certeza. Tirou o orgão do fogo e não pensou ou cheirou ou viu a aparência do alimento antes de morde-lo. Abocanhou e sentiu seu gosto de sangue adocicado, seu estômago aos poucos foi se acalmando e saboreava cada mordida enquanto uns filetes de sangue desciam pelo seu beiço. Olhou para o frasco com álcool rosado e bebeu um gole. Nojo. Bebeu mais outro. Ainda nojo. Jogou o resto fora. Chegava um pouco depois da metade quando sentiu uma mão fraca pegando em sua canela. Pulou alguns centímetros pro lado com o susto que levou e viu a figura lamentável de um mendigo segurando na barra de sua calça implorando por um pedaço de comida. Um velho de barba e cabelo branco que agora tinha pouco mais de seis dentes na boca, apontou com o dedo para a carne que ele comia e deixou-o sem o que fazer. Deu sua última mordida na refeição e entregou o graveto com o coração espetado para o velho faminto. Nem parecia mais um coração aquela coisa. O velho olhou para ele como se estivesse sem palavras para agradecer e ele acenou para o velho. Observou quando ele abocanhou o músculo com toda a fome que tinha em seu ser e o velho disse com a boca cheia e um filete pintando o canto de sua barba branca de vermelho:
  • Feliz Natal, jovem. Deus te abençoe.
Ele acenou novamente para o velho e foi procurar algum ponto de ônibus para se deitar e esperar os ônibus voltarem a circular. Exausto. Passou o dedo novamente na costura mal feita em seu peito vazio, o dedo saiu avermelhado. Tocou-o com a língua. Ao menos era doce.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Incrível.


Ao rir lembrarei-me de florestas nórdicas calmas
Ao rir recordarei-me das flores banhadas pelo Sol e os insetos que dela vivem
Ao rir minha cabeça me levará para a Belle Époque
Aonde há divertimento com os pensadores e nos cabarés, com cantores e a bebida
E será fruto das mais maravilhosas obras de poesia.

Ao rir irei esquecer.

Às minhas gargalhadas, outros gargalharão junto
As piadas farão todos ludibriarem-se consigo mesmos
Irão rir, irei rir
Lembrarei de rir e os risos me levarão para os lugares mais seguros de mim mesmo
Máscaras jocosas para rituais de esquecimento de seus olhos

E ao rir irei para sonhos tranquilos.

Ao riso irei lembrar-me dos teu afagos que nunca tive
E que outros tiveram aos montes
Irei futucar cantos obscuros de minha mente
Atrás de motivos para rir por horas
Talvez desabar de tanto rir e minha barriga doer tanto quanto o resto de mim por dentro

E ao rir, rirei para esquecer
Esquecer de você.

Vou rir e sorrir e fazer rir
Porque assim eu continuarei eternamente
Inquebrável.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Em todos os festejos há prantos.


Passaria o fim do ano longe
longe de todo mundo, no mar
com o cabelo imundo

abraçaria o que vem aí
enquanto ele elabora a nossa caída
para o final de mais um ano

e os fogos estariam distantes
no mar
mas haveria o cheiro de pólvora trazida pela brisa
da madrugada

estaria sozinho em um barco
ou solto no oceano
pensando o que raios se passa por baixo de minhas pernas

os peixes em grandes festas para o fim do ano marinho
alguns deles deprimidos por estarem no mesmo ponto de sempre
do mar
alguns pulariam para dentro do barco, com o propósito de ao menos virarem refeição de outra espécie
e morrerem com algum propósito no fim do ano
outros comeriam algas enteógenas que só os habitantes do mar conhecem
e então ficariam chapados e esqueceriam o fim do ano marinho

e eu assistiria às festas marinhas e terrestres
do meu barco, sozinho no oceano negro
os fogos pareceriam explosões de estrelas no mar de estrelas
e elas talvez estivessem comemorando algum final de bilhão de anos
e algumas morreriam, cansadas dos finais de anos
buracos negros engoliriam tudo até não poder mais
para preencherem algum vazio eterno dentro de seus estômagos negros

alguns casais na praia se beijariam
os bêbados chorariam
todos chapados de excesso de não viver

os drogados estariam se drogando e o ano passaria mas a onda não
jovens teriam uns aos outros, uns aos outros
uns aos outros...

eu estaria sozinho e longe de todo mundo
sem música e sem papel para escrever, no mar
com o cabelo imundo.


domingo, 16 de dezembro de 2012

O perdido e a caroneira.



   De dentro do meu carro eu a vi com cabelos presos e enrolados, vestida de um jeito bem largado, como as pessoas que moram na praia e simplesmente não ligam para as bobagens que as pessoas da cidade ligam em termos de vaidade. Estava perdido e parei o carro na guia para pedir informação para a mulher, quando me dei conta ela já estava dentro do carro e colocando o cinto. Puta, pensei. Vestia uma camiseta branca amassada e que parecia um pouco encardida, uma calça jeans igualmente velha e tinha um rosto bonito, mas não aquela beleza da televisão, parecia alguém que já tinha sido muito linda em outra época e agora já não era mais a mesma:
"Você sabe chegar em Bertioga?" perguntei
"Sei, sim. Eu sou de lá." tinha uma voz rouca e parecia drogada
"Então você consegue ir me mostrando o caminho? Com esse escuro me perdi no meio dessas ruas"
"Ok"

   Não perguntei seu nome naquele momento e acelerei o carro. A noite era fria e meus vidros estavam fechados porque eu nem havia reparado neles. Me sentia um nanico no banco do motorista, ele era muito baixo ou o volante estava muito alto, de forma que eu só conseguia ver a rua do espaço aberto no volante. Nada muito seguro, não? Ficamos em silêncio e na rádio tocava alguma coisa, olhava para a mulher desconhecida e aquilo parecia um filme. Eu dirigindo no breu da noite em direção ao litoral com uma bela caiçara morena no banco do passageiro. Não sei o que aquela moça queria, eu sabia o que queria.
"Faço o que aqui?"
"Vira na direita. É uma reta só depois disso, praticamente...você vai ver só."

   Confiei na desconhecida e fui seguindo com o carro. Talvez ela me fizesse parar em algum lugar onde depenariam meu carro e me matariam depois de sodomizar meu rabo até o amanhecer. Agora é tarde, disse pra mim mesmo, e segui as instruções da donzela misteriosa. As ruas estavam vazias e me senti livre para fazer minhas barbeiragens por lá, alguns caminhões passavam à toda velocidade e eu desviava deles sem medo, com o pé no acelerador e sem pisar na embreagem para trocar as marchas. Havia algo de estranho naquela noite. Eu não tinha experiência nenhuma com carros e nunca me dariam uma caranga pra ir até o litoral passar alguns dias e voltar depois, ainda mais durante a noite! Ela parecia calma e despreocupada em seu banco do passageiro, com o pé apoiado no Air bag e a mão segurando sua cabeça. Trocamos algumas palavras e ela ia me guiando e eu desviando dos caminhões e alguns carros que passavam por nós. Estava uma merda pra enxergar a rua e eu tinha que me esticar muito no banco para poder ver o que se passava na minha frente, mas mesmo assim eu não parecia muito preocupado, não menos que ela. Sentia o cheiro de mar e pensei em parar o carro e agarra-la ali mesmo, não fiz porque talvez ela fizesse isso depois. Parei em frente a um cruzamento e ela disse:
"Desce essa ladeira e no outro cruzamento você vira pra esquerda"

   Fiz o que ela mandou e senti que a praia estava próxima, que talvez ela estivesse falando a verdade e que não teria o carro depenado e nem o traseiro estuprado. Possível que até arranjasse companhia para a noite, pra variar um pouco. Virei aqui e ali e cheguei em uma ruazinha escura e que parecia sem saída, com um portão no final que parecia dar pra algum lugar que não uma casa. Cacete, vão me matar mesmo, lamentei em minha cabeça e desliguei o carro quando parei numa guia. Olhei para a morena e ela saiu do carro antes de mim, saí logo depois e peguei minha mala no banco de trás. Ela foi até o portão e segui seus passos sorrateiramente, olhando para todos os lados daquela viela escura. A desconhecida abriu a porta e uma luz amarela iluminava um lugarzinho medonho, não um estabelecimento ou casa ou nada, uma espécie de divisória daquela região para o que eu esperava muito que fosse a praia. Fechou a porta e deixei minha mala em cima de uma mesa velha que tinha por lá. Então ela pegou uma bicicleta que pensando agora não faço a mínima ideia de como foi parar naquele lugar e a colocou em cima da mesa, tirou uma roda, fui ajudar a tirar a traseira e não consegui, ela tirou a outra. Ri e disse:
"Você é muito bonita"

   Ela riu e olhei pra ela novamente. Não estava mais com os cabelos presos e a roupa velha, seus cabelos agora estavam soltos e negros balançando pela noite e ela usava um vestido azul marinho que lhe caía perfeitamente bem. Estava mais do que linda.
"Huum, se você me levasse no ****** eu até te daria um beijo" ela disse abrindo um sorriso infantil
"Tudo bem" respondi

   Me aproximei da desconhecida e a peguei pela cintura antes de dar-lhe um beijo rápido. Sorrimos.
Comecei a procurar alguma coisa dentro da minha mochila e falei:
"Droga, queria ter trazido uma erva"
"Eu tenho aqui" ela disse

   Procurei na minha mala e misteriosamente senti o toque de dois embrulhos de saco de lixo recheados. Estranhei aquilo. E comecei a estranhar toda aquela noite novamente. Não havia ido comprar nada e não sabia dirigir e não tinha carro. Quem era aquela mulher? Esse vestido? Ela olhou para mim:
"Por que você não me leva até a praia que eu me viro de lá" sugeriu
"Não posso"
"Por que?"
"Sabe, é porque na verdade eu ainda nem estou em Bertioga. Estou em São Paulo nesse momento e só venho pra cá na segunda. Estou dormindo na minha cama ainda, entende? Então prefiro aproveitar esse tempo que tenho de sonho com você" e tudo fez sentido para mim.

   Ela sorriu novamente e tinha um olhar safado em seus olhos, agarrei-a pela cintura pela segunda vez.
"Tudo bem então. Vamos para o chuveiro" ela disse com seus lábios sorridentes quase encostando nos meus

   E então ouvi uma voz ao telefone. No meio da rua, como se estivesse por todos os lados. A mulher foi sumindo como num túnel e fui percebendo o que estava realmente acontecendo. A noite, a luz amarela, o carro com volante alto ou banco baixo, a desconhecida, o beijo, a porta de ferro...tudo estava desaparecendo na minha frente e não podia fazer nada a respeito. O corpo dela se separou do meu. A voz no telefone conversava com alguém. Estava de volta no meu quarto. E o telefone continuava desse lado.
"Merda" xinguei minha cama azul

Levantei.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A virada de Ravi Shankar.


Mantras, graves
Tablas
a base para as cordas reverberarem o agudo,
místicas
vozes femininas numa língua estranha para mim
o som da concentração em túneis simétricos da
Cultura Oriental.
Os solos sagrados tremem perante o som maestral da Cítara.
As batidas duelam com as vibrações das cordas e a
Música
é como uma jornada por dentro de si mesmo e sua concentração e percepção
aguçam-se.

Sentado de cócoras,
os dedos pra frente e para trás, atacando as cordas com gentileza
as vozes femininas continuam em sua língua mística
a Cítara é o maior presente do Oriente.

Mantras
Mantras
Mantras
Mantras

Uhhhhhhhhhhhh, Huuuuuuuuum, Aaaaahuuuuuum
Péon, péon, póun, póunnnnnnnn....

Violinos.
O encontro dos dois lados.
Tablas. Aplausos.

O mestre dos sons místicos do Oriente se foi.
O mantra final é um dos mais belos e únicos em toda a Terra.
A Cítara foi cercada de flores.
Silêncio.

Óuuuuuunnnn....

Última vez como um casal.


 Levantou do sofá após terminarem a discussão:

"Acho que tenho que ir então" disse o rapaz triste e arrasado

"Sim" ela concordou chorando, sem olhar em sua cara

"As coisas não precisam terminar assim, amor. Você sabe que eu nunca ia fazer nada pra te deixar assim"

"Só vai embora e me deixa em PAZ" seus olhos castanhos estavam vermelhos e molhados.

O rapaz sentou novamente no sofá velho, segurou as mãos relutantes de sua garota e olhou em seus olhos para dizer:

"Eu te amo tanto. Não posso deixar você. Não posso ficar sem você de jeito nenhum, amor. Você sabe disso, o que eu vou fazer sem você? NÃO consigo imaginar uma coisas dessas, por favor...me perdoa...me perdoa pelo amor de Deus...Não posso ficar sem você, sem seu rosto de anjo...não posso."

"Você vai ter que aprender a viver sem mim a partir de agora" e aquelas palavras foram as mais difíceis que ela já havia pronunciado até aquele momento.

O rapaz olhou novamente para os olhos dela e beijou suas mãos como um escravo beija a do seu mestre. Ela tirou as mãos de seus lábios e cruzou os braços, tirando os olhos da vista dos dele. O homem abaixou a cabeça e ficaram naquela situação por alguns momentos, em completo silêncio e tristeza. Ele se levantou novamente e foi até a porta. Antes de ir embora perguntou:
"Posso te dar um último beijo então?"

"Acho melhor não."

"Por favor, o último."

Ela se levantou e caminhou até a porta aonde o rapaz estava. Beijou-o uma última vez, um beijo salgado por lágrimas e o adeus. Eles se afastaram novamente e se olharam nos olhos. Abraçaram-se e ele sentiu seu corpo firme pela última vez, abraçou com toda a força que tinha e sentiu todas as curvas que ela tinha. Todas as lembranças que tinha daquele corpo. Sentiu uma lágrima rolar por entre seus olhos e outra pingar em seu ombro, vindo da mulher. Abriu a porta e saiu sem falar mais nada. A última vez que aquela porta bateu para suas costas. Acendeu um cigarro e foi até o ponto de ônibus. O pôr do Sol estava impecável.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

to my pencil


fuck,
i need you so much now, man
you and my old notebook
nobody ever liked or loved me for real
and i can't blame nobody for such things
even you, my friend, with your carbone coldness and tight body
how could you love me or anyone? you're not love-made, man
i'm so fucking sad
and really don't have a clue why i'm typing this out loud
without down metaphores or suicide crises.
i'm feeling like the stinkiest crap on the bucket
of shit
even the flies avoiding and stayin away
but you use to stay with the shit smell
because you don't give a carbon fuck,
my pencil friend.
and this is for you.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

No fim do ano.


   Estava perto do fim do ano e essa época sempre me deixava triste. Não tinha um motivo consciente e claro, apenas me deixava triste assim que virava de novembro para dezembro, às vezes um pouco antes, em fevereiro ou março. A noite estava escura e nenhuma estrela pontilhava o céu de branco, ouvia-se os metrôs e os carros passando e pessoas vivendo suas vidas e sendo felizes com alguma fórmula mágica que não haviam me dado acesso até agora.
   Morava em uma quitinete na zona oeste e nada de interessante acontecia por lá, salve os tiros que davam em jogos de futebol ou quando algum imbecil revidava um assalto e levava uma bala na cabeça de graça. Se importam mais com o dinheiro que ganham para pagar as contas do que com seu coração batendo. De certa forma os dois consumiam sua vida, dinheiro e o coração batendo. Uma puta morena e bunduda saiu do meu apartamento e bateu a porta, os porta retratos vazios balançaram e um caiu do pequeno móvel ao lado da pequena televisão. Fui pegar algo para beber e me dei conta de que não tinha absolutamente nada, procurei e procurei até desistir e ir tentar escrever alguma coisa. Nada também. Maldito fim de ano.
   Algumas horas mais tarde, lá pela madrugada, estava sentado no escuro, sem TV ligada, sem livro para ler ou ideias para colocar no papel, estava pensando se não seria melhor dormir e foda-se aquele dia. Não tinha sono aquela hora e só me restava olhar as luzes dos carros e da cidade inteira da janela de minha quitinete; aquilo era algo que se poderia ver por dias e dias sem se sentir vazio ou enjoado. A cidade durante a madrugada.
   Então alguém bateu na porta. Bateu novamente e pensei quem porras poderia ser numa hora daquelas? Uma mulher nunca. Comida grátis eu duvidava muito também. Pensei se iria abrir ou não, a pessoa bateu de novo e fui atender. Era o vizinho do corredor:
"Oi" – disse envergonhado
   Ele era gordo e tinha um cabelo amarelado e uma aparência miserável e cansada. Havia visto o sujeito algumas vezes quando estava voltando de algum lugar e nos topávamos no corredor. Ele balançava a cabeça cumprimentando e eu simplesmente passava por ele.
"huum, Oi...o que você quer?"
"Eu sei que você não é muito de conversar com os outros ou chamar os amigos para entrar e tal. E essa com certeza é uma péssima hora para..."
"Desembucha, cara" – cortei
"Bom, a verdade é que eu estava sozinho em casa e essa época do ano me deixa na pior. Eu sei que você bebe umas e não dorme muito então pensei se não queria tomar algumas doses comigo" ele levantou uma garrafa de cachaça na altura do meu nariz
"Entra"
   O vizinho entrou e acendi a luz da sala, uma única lâmpada amarela que deixava todo o lugar com um olhar melancólico e antigo. Me dava conforto de alguma forma. Ele me deu a garrafa e fui pegar uns copos na cozinha. Não tinha nada pra comer. Voltei e enchi dois copos de dose para os dois, brindamos e viramos. Enchi outro, brindamos e viramos novamente. Enchi e repetimos. Deitamos o copo ao lado do criado mudo e ele estava sentado em uma poltrona que tinha ao lado da minha cama e eu sentado na minha cama, a janela estava entre nós:
"Bela vista você tem daqui durante a noite"
"Eu sei, talvez o motivo pelo qual eu comprei isso aqui."
"Você comprou esse buraco só pela vista?"
"Sim"
"Legal" – puxou um maço de cigarros – "Você se importa que eu fume aqui?"
"Não. Me dê um desses"
   Ele acendeu o cigarro e me passou outro, acendi, ficamos lá sentados sem falar nada por um tempo. As buzinas e as sirenes se misturavam com as cores vermelhas e amarelas piscantes da cidade grande. Os enfeites de natal traziam consigo a tristeza do fim do ano e a cada luz que apagava eu imaginava alguém morrendo em algum lugar, nos braços da família, da amante ou no meio da rua, atropelado por um bêbado ao volante. A fumaça dos cigarros enchia o minúsculo apartamento-cômodo e o vizinho gordo e miserável parecia perdido entre a visão da cidade escura. Enchi os copos e ele deu um gole e disse:
"Achei que você pensaria que eu era um bicha ou coisa assim por estar batendo na sua porta a essa hora da madrugada e te chamando pra beber"
"Acho que um gay já teria pulado em cima"
"Não sei" e soprou fumaça pela janela.
"Mas você não é veado, é?" perguntei só pela garantia
"Não, cara. Só estava em casa e tinha essa garrafa e essa tristeza solitária maldita acabando comigo. Era impossível ficar lá dentro mais um segundo, entende?
"Na verdade não muito"
"Sorte a sua, cara" virou seu copo e fiz o mesmo.
   Ele foi até o a sala e apagou a lâmpada amarela, tudo estava escuro como o céu agora. Achei que aquele gordo de cabelo amarelo fosse um estuprador gay e estava me embebedando para acabar com o meu cu mais tarde. Merda, pensei, no fim do ano não espero mais nada de ninguém. Ele voltou até sua poltrona e eu estava segurando a garrafa para quebrar em seu rosto caso tentasse alguma aproximação. Ele apenas sentou e olhou novamente para a rua:
"É mais bonito assim. Escuridão" disse
"Você também não gosta dessa época?" perguntei
"Fim do ano? Não muito. Tudo parece cinco vezes pior e você sente que a vida inteira está passando pelos seus olhos e você é só mais um pedaço que foi jogado pelo universo pra fazer peso no mundo. Passo o ano inteiro sem nem ver um rosto mas é nesse último mês que sinto a maior solidão da Terra. Só estou vivo porque bebo que nem um porco nessa época"
"Eu sei. E o resto do ano?"
"Também bebo"
"Eu sei"
   Rimos. Foi bom dar uma risada. Não lembrava de como era dar uma risada confinado dentro daquela quitinete há dias. Não imaginava conversar com aquele cara sobre isso e nem beber cachaça e fumar cigarros enquanto o fazia. Ele era legal. Talvez devesse dar mais chances às pessoas de vez em quando.
Um caminhão de bombeiros passou varando todos os carros da avenida em frente ao prédio e por algum milagre ou exímia habilidade do motorista, uma merda homérica não aconteceu:
"Pressa. Tudo é pressa. O fogo continuará lá queimando e destruindo e tudo é pressa. Quando apagarem o incêndio sairão correndo atrás de outro e depois irão atrás de outro. A vida vai queimando que nem uma vela de sete dias e as pessoas querem competir contra ela. Querem ser mais rápidas do que a vida e que o fogo ardente. Não entendo isso, cara. Você entende?" virou e me encarou
"Longe disso. Correm e depois quebram suas caras. Dizem que o ano novo trará vida nova e chutam o mesmo cachorro velho quando chegam em casa, os filhos repetem de ano e o cartão ultrapassa o limite e somente as roupas brancas e amarelas são as novidades dessa vida nova. E a ressaca de champagne barato no dia seguinte"
"Um brinde a isso" ergueu seu copo que havia enchido novamente, brindamos e bebemos.
   Um tempo passou. Não sei bem quanto tempo, mas a garrafa ia sendo esvaziada aos poucos e eu estava chumbado e meu vizinho certamente estava no mesmo nível. Os cigarros rolavam como salgadinhos e as cinzas sujavam o chão e o criado mudo. Conversamos mais um pouco e ficamos em silêncio por um tempo novamente. Ele sabia a hora de calar a boca, admirava essa qualidade em uma pessoa. Sabia a hora de falar também, e falava bem, não precisava ficar inventando assuntos, eles fluíam. Aonde estava aquele sujeito o tempo todo? Bebemos mais umas doses e a garrafa passava da metade quando ele se levantou completamente ébrio e disse:
"Acho que tenho que ir, é tarde"
"Você é quem sabe, cara. Volta amanha pra gente beber mais"
"Amanha eu volto nesse horário de agora e a gente termina essa garrafa. Pode ficar com ela aí"
"E se eu beber tudo de tarde?" perguntei
"Pode beber, eu trago outra. Tem mais uma dessas fechada lá dentro"
"Sem problemas então? Me deixa uns cigarros também se não for pedir muito, cara"
"OK" pegou uns cigarros do maço e me entregou – "Quer saber, fique com o maço todo. Agradecimento pela companhia"
   Peguei o maço e me levantei da cama. Cacete, como estava bêbado. Aquele goró tinha ido mesmo direto pra minha cabeça e meu estômago vazio não ajudou muito no processo.
"Puta merda, tô muito bêbado" falou o gordo vizinho
"Eu sei, cara. Subiu direto essa porra"
   Abri a porta e cumprimentei o cara. Agradeci o maço e a cachaça e disse para que voltasse amanha com a outra garrafa e outro maço naquele horário que havia batido na porta.
"Pode deixar, bicho" disse e seguiu cambaleando e apoiando-se pelas paredes do corredor iluminado até sua porta umas sete ou oito portas depois da minha. Fechei a minha..
   Voltei para a cama e olhei novamente para a rua com suas luzes natalinas piscantes. O vizinho gordo e loiro era um cara legal e nem havia perguntado o seu nome. Amanha pergunto, pensei comigo mesmo. Estava bêbado como um gambá. As luzes e os carros e as pessoas continuavam piscando e queimando pela eternidade. Acendi um cigarro e tomei mais uma dose. Essa garrafa não aguenta até amanha, pensei.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

When the winter lasts for too long.


Solitude is the mysterious gift of Life
when you learn how to be strong
and lonely
seeing the other and each others
happy
while you are sad and blue
and thinks nobody will ever want you;
You won't die because of it, though
The winter always come and stay for a few months
Don't you EVER forget such thing.
And the summertime may feel so far away sometimes
that you think it's impossible to hold on
one more day.
That isn't the truth.
You'll handle it.
You have to.
And the gods may bless your soul for it
the hard times are everywhere
all the time
But the wheels of time keep a rolling
and the winter shall pass one day
and the spring and summer will taste like wet flowers after an refreshing rain
like lemon pie with marshmellow on top
like a tight girl in love with you.
I hope.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Aguardente.


Estou amargo feito aguardente
e meu efeito em minha cabeça é
seco e
vazio
sóbrio e triste.
As pessoas passam e imagino como seria sobreviver no meio delas
elas te esmagam no metrô e esse deve ser o máximo que se pode esperar delas
em termos de contato.

Vazio e amargo
como a garganta arranhando com o trago da aguardente
como aposentados na igreja procurando pelo que não tiveram até agora.
O vinho do padre anula as palavras do crente.
Os finais de semana são idosos no asilo. Solitários e senis
o resto dos dias é como a brisa suave que vai levando
levando...
tudo.

Amorteço as quedas
meu cérebro espreme-se no crânio.
Há falta de ar como há de amor no mundo.
Homens abandonados sozinhos nas vielas, à beira da insanidade
As mulheres se viram sozinhas. Apaixonam meia dúzia de pobres coitados
e os abandonam no lixo
e deitam-se com os que sabem doma-las.

eu não sei.
Estou amargo e vazio
e a frieza e amargura não me pareciam tão sensuais
há quase um ano.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A delicada situação de Eric diante da Kombi verde escuro


   Eric andava pelas ruas escuras de cabeça baixa, havia acordado mal e não queria muita conversa com os outros. Queria era ficar sozinho, longe de todos e talvez encher a cara ou algo do tipo. Seguia a rua reta em direção ao bar que sabia que estaria vazio naquela noite de quinta, então lá permaneceria esplendoroso em sua solidão de quinta à noite.
   De longe viu um movimento no bar e estranhou estar com tanta gente numa noite daquelas. Esperava dois ou três vagabundos já bêbados ou alguns velhos jogando truco. Xingou pelo canto de sua boca e deu uma cusparada verde no chão, "Porra de gripe", pensou e continuou até o bar quando se surpreendeu vendo que não eram vagabundos ou velhos na jogatina mas seus amigos de sempre, que costumava sair por aí. Mas o que estariam fazendo lá naquela noite? "Ahhh aniversário da Cassia", não se lembrava do aniversário e agora teria que fingir que estava bem e sorrir o resto da noite para todas aquelas pessoas, não queria aquilo, não essa noite. Mas assim era a vida.
   Se aproximou e todos o cumprimentaram com entusiasmo:
"E ae, e ae...." passava apertando mãos e beijando rostos "Parabéns, amore mio. Muita paz na sua vida e beijocas aqui e acolá" disse e riu para a amiga aniversariante, que o abraçou com força e agradeceu.
Passaram-se uma ou duas horas e ele estava lá fingindo pra todos que estava bem e virando mais e mais álcool guela abaixo. Tudo parecia mais aceitável naquele momento, enquanto houvesse algo para faze-lo esquecer, aguentaria mais uma noite naquele mundo. Grazi estava lá e era sempre difícil para ele quando ela estava por perto. Sentia um aperto e um vazio que o pressionavam até os olhos quererem sair das órbitas, mas bebia e aguentava na sua, rindo e fazendo suas piadas e tentando fingir que estava tudo numa boa. Ele era o melhor nisso. A garota tinha olhos claros e cabelos castanho escuro, não dava a mínima pro cara e talvez todos soubessem que ele tinha essa coisa por ela, até ela, mas não dava a mínima e ele simplesmente deixa o mundo continuar rodando ou perde a cabeça junto com tantos outros.
Algumas rodadas se passam e Cassia, já chumbada, vem até Eric e fala:
"Antes de você chegar a gente viu um cara igualzinho a você, mas ele estava com uma mulher bonita e eu falei 'ahh então não pode ser ele se está acompanhado de uma mulher' hahaha" e Eric se sentiu meio constrangido de alguma forma mas riu da amiga bêbada
"É a vida, amore..." respondeu com o copo na boca e sorrindo amarelo
"Tem que falar na cara, né? Não fico fazendo piada pelas costas"
"É, tá certa, hahaha" e virou-se para conversar com o resto do pessoal. "Deus" – pensou Eric – "arranje alguma coisa forte pra apagar tudo isso, por favor"
   Estava se sentindo pior do que antes e a única coisa que o segurava era o álcool. Despediu-se dos amigos e da aniversariante, evitou falar com Grazi e achou que foi a melhor coisa que fez, bebeu mais um ou dois copos de cerveja e se mandou de lá o mais rápido o possível. Tudo ia de mal a pior, sem dinheiro, sem mulher, sem vontade de conversar ou de fazer mais nada. Será que as coisas deviam ser tão insignificantes assim? Uma vida realmente poderia ser enfiada no cu dessa forma? Não sabia responder, mas sabia que era o que acontecia com ele. Entrou numa espécie de limbo inconsciente em que tudo é uma merda e ele é o Imperador de todo aquele bolo fecal monumental que era sua existência. "Um disperdício", dizia para si mesmo, "Um disperdício de matéria cósmica". Ninguém evoluía, ele não evoluía, os poucos que evoluíam se mandavam para longe dos outros e o país continuava o mesmo lixo não importava quem o governasse.
Andou e andou e não quis pegar o ônibus para casa, preferiu continuar a pé para que seu corpo sentisse algo diferente do que ócio e toxinas que empurrava pra dentro dele. Queria se cansar, suar, sentir um pouco aquilo que tentavam chamar de vida. Queria uma loira com ele naquele exato momento. Mas isso não seria possível, como lembrou-lhe sua amiga Cássia. Por isso continuou andando e a noite estava escura e magnificamente bela, aquela escuridão era igual a todas as outras mas hoje ela estava melhor do que das outras vezes, silenciosa e mortal. Nem os criminosos queriam fazer seus crimes por aí ou os policiais encherem o saco dos vagabundos nas praças ou os vândalos de final de semana saírem quebrando bancos e latas de lixo.
   Uma luz no final de uma rua vazia quebrava a calmaria noturna e conforme foi se aproximando, Eric viu que aquilo parecia fogo. Um carro pegando fogo, sim. Saiu correndo imaginando que o acidente havia acabado de acontecer, já que não conseguiu enxergar absolutamente ninguém por perto procurando por ajuda ou gritando. Apenas o fogo laranja e vermelho, desenhando sombras medonhas nas paredes das casas, consumindo todo o carro e começando a esquentar o rosto de Eric conforme ele ia se aproximando do acidente.
"Caramba!" exclamou quando viu que o carro na verdade era uma kombi verde escura e parecia ter mais gente atrás.
   Se desesperou com o fato de ninguém estar gritando e achou que estavam todos mortos lá dentro, carbonizados sozinhos e agonizantes sem ninguém para ajuda-los a sair de lá. Saiu correndo gritando para alguém ir resgata-los, não seria possível fazer aquilo sozinho, como ia apagar o fogo para socorrer aquelas pessoas? Mas nessas horas o cérebro parece trabalhar por trás da nossa capacidade de percepção e Eric tirou a camiseta e enrolou na mão quando estava para chegar perto da Kombi. Sabia o que fazer, mas não como, estava fazendo tudo por instinto, se perdesse um olho ou um braço fazendo aquilo, paciência. O fogo era maior do que pensava e sentia fios do seu cabelo queimando e seu rosto foi atingido por uma lufada de ar quente quando quebrou o vidro da kombi verde escura e enfiou a mão lá dentro, sem saber o que ia encontrar, podia não ter ninguém lá dentro, podia tirar um defunto torrado de lá, mas uma mão forte o agarrou com firmeza do outro lado do vidro e ele puxou com toda a força que tinha aquele corpo que na hora parecia não pesar nada. A pessoa caiu no chão e ele não pensou em ver se estava bem ou quem era, destrancou a porta e tentou ver alguma coisa dentro daquele fumacê todo. Enfiou o braço aonde fica o banco do passageiro e sentiu mais um sentado lá, parecia estar desacordado, puxou mas o cinto o prendia,"porra", pensou e conseguiu desprender o cinto de uma forma tão rápida que nunca entenderia como seu cérebro raciocinou aquilo numa situação daquelas de forma tão extraordinariamente veloz. Puxou aquele outro desconhecido e se virou para os dois caídos no chão e perguntou, sem enxergar nada pela fumaça e os olhos lacrimejando:
"Tem mais alguém lá dentro?" gritou
"Minha neta, pelo amor de..." e Eric pulou pra dentro da kombi pela procura da garota antes que o velho terminasse o que ia falar.
   Olhou na parte de trás da Kombi e chamou pela menina que nem sabia o nome para tentar pega-la pelo banco do motorista, ela não respondia e Eric imaginou se não estava desacordada com toda aquela fumaça.      Cacete, e o calor dentro daquela kombi! Pulou pro outro lado e lá tinha mais fumaça ainda, estava cinza escura, foi tateando as paredes escaldantes da kombi e batendo os pés pelo chão para sentir a garota. Encontrou-a no fundo da kombi e colocou a neta do motorista no seu ombro, cobrindo a boca e o nariz com sua camiseta antes que desmaiasse com toda aquela fumaça também. Jogou a menina do outro lado e sentiu seu corpo batendo contra o câmbio da kombi, "Salvei sua vida pelo menos", disse em voz alta caso ela reclamasse de uma vértebra quebrada mais tarde. Passou a perna pelo banco do passageiro e aquele calor era insuportável demais, não aguentaria mais um minuto lá se não tivesse se jogado com a garota no chão gelado daquela rua deserta:
"Meu Deus! Katleen, minha querida!" choraram os avós de felicidade, a menina estava acordando e parecia estar bem.
   Olharam para a kombi verde escuro pegando fogo e Eric sentiu pena daquela peça clássica sendo levada embora por chamas laranjas e vermelhas naquela noite calma. Era um belo espetáculo mesmo assim.
"Obrigado, senhor. Obrigado" os velhos tentaram agradecer mas ainda pareciam em choque e Eric não queria incomoda-los naquele momento perguntando o que havia acontecido.
Ligaram para os bombeiros e Eric não quis espera-los e ter que responder pergunta alguma, ainda tinha um longo caminho até sua casa e estava meio de saco cheio daquele dia. Despediu-se dos velhotes e da criança e viu se não estavam machucados, eles agradeceram novamente por terem sido salvos e o rapaz sorriu envergonhado.
  A noite continuava calma e morta e Eric riu da situação na qual havia se metido, pensou que se não estivesse por lá aquelas três pessoas teriam morrido e que ele também podia ter morrido se não fosse por alguma sorte súbita que o atingiu naquele exato momento. Olhou para trás e a fumaça e o clarão formado pelo fogo ainda estavam por lá, sujando aquele padrão sombrio da noite calma, o calor já estava distante e sentia o frio noturno novamente. Havia estrelas no céu, há muito tempo que não davam as caras, pensou. Enfiou as mãos no bolso e vestiu sua camiseta que cheirava a fumaça e chamas. Nessa calmaria mortal ele seguiu até sua casa, meio bêbado e meio iluminado.

sábado, 1 de dezembro de 2012

O que é preciso para fazer um homem chorar?

O que é preciso para fazer um homem chorar?
A morte do pai? Da mãe? A morte?
Seria necessário apanhar da vida e dos fodões?
Sentir a força do mundo empurrando-o contra a parede
O que é preciso para fazer um homem chorar?

A mulher que ele deseja em camas alheias?
Seus olhos claros deitando sobre o peito forte do amante
Enquanto ele se embriaga novamente, sozinho
Talvez isso seja o suficiente para faze-lo chorar
Mas ele não chora, ele continua.
Cabisbaixo, ébrio, semimorto, orando pela e para a Vida
simplesmente acontecer.

Mas ela não acontece assim, não;

O que é preciso para fazer um homem chorar?
Suas contas atrasadas? Sua falta de perspectiva?
A solidão ainda é possível de ser encarada
Atenha-se a ela
Se é apenas isso o que ganhou
Ofereça-a o seu melhor, as rosas mais vermelhas do seu jardim, os mais perfeitos e suculentos frutos de sua existência
Junte-se a sua solidão e adapte-se a ela.

Os outros NÃO são importantes.
Não mais que o choro que teima em sair.
Não mais que os gritos sufocados pela sua alma
puída.

O que é preciso para fazer um homem chorar?
Aprisionamento sem culpa ou realidade gritante
de uma Vida jogada aos abutres?

Não chorar não o faz mais homem.
Chorar não o faz menos homem.
Mas não chorar é a proteção dos deuses.
Regue suas rosas com minhas lágrimas
e queime-as quando estiverem no ápice de sua coloração perfeita.

Mas antes diga-me
o que é preciso
para fazer um homem chorar.