quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Casal conversando sobre suas cicatrizes.



Casal conversando sobre suas cicatrizes



Interna: Quarto não muito grande no Belém com luzes apagadas e iluminado por luz de fora. Pôr do Sol amarelado e laranja é visto de fora da janela, mistura da poluição de São Paulo com o final da tarde. Jovem casal deitado na cama com os rostos próximos um do outro e feições relaxadas. O rapaz acaricia o rosto da garota e brinca com seu cabelo usando os dedos. O rádio ligado deixa um som ambiente de uma estação de música clássica.




Rapaz (passando a mão no cabelo da companheira)
  • Essa poluição toda tem alguma coisa boa no final de tudo.
Moça (repara a janela)
  • Como assim?


Rapaz
  • Bom, essa cor bonita que a gente vê no céu é poluição humana com beleza natural, sabia?


Moça
  • Humm, na verdade não, sr. Inteligência. E estou com preguiça para uma explicação completa agora. Mas eu sei que mais tarde você explica, não é?


Rapaz(gabando-se):
  • Bom, é só mais uma das minhas qualidades, baby.


A moça ri e beija seu parceiro, um beijo longo e lento, as mãos do jovem enterram-se nos cabelos cumpridos e claros de sua amante e vão descendo por todo o corpo, aos poucos. Passa a mão novamente no couro cabeludo da garota e para subitamente.


Rapaz(intrigado com o que sentiu)
  • O que é isso? Uma cicatriz?


Moça
  • Sim.


Rapaz
  • É um tanto quando monstruosa. Como você conseguiu?




Moça (dá um tapa sem muita força no homem)
  • Primeiramente, vá a merda (risos). E segundo, eu caí de uma escada há uns cinco anos e quase me matei na queda. Minha cabeça bateu na quina do último degrau e acordei no hospital quatro horas depois com treze pontos e essa maravilha na minha cabeça pelo resto da vida.


Rapaz (ainda acariciando a região da cicatriz e zombando da garota)
  • Tadinha de você. Mas que vergonha também, hein...um tombo desses depois de velha? Tava doidona? Haha


Moça
  • (risos) Não. Tropecei no gato da minha amiga mesmo. Eu sei, é pior. Tenho também uma na perna de quando caí da bicicleta em cima de um esgoto a céu aberto...mas dessa vez eu estava chapada, ó.


O rapaz não consegue segurar o riso.


Rapaz (sério e tirando o lençol de cima de sua perna)
  • Também tenho uma cicatriz de quando voei de bicicleta, olha só....Aqui, viu? Parece um sorriso, né?


Moça (passando o dedo no machucado cicatrizado)
  • Uhuum.


Rapaz
  • Perdi o equilíbrio quando fui trocar de marcha, meu tênis escapou do pé de vela e quando bati na guia dei uma cambalhota no ar com a bicicleta e fui parar dentro da avenida, no corredor dos ônibus. Só não fui dessa vez porque era de manha e passavam poucos ônibus. Se fosse no meio da tarde, adeus meu velho.


Moça(impressionada)
  • Caralho! Ficou com o cu na mão, né?


Rapaz
  • Na verdade, não muito. Fiquei era com vergonha porque devia ter uns quatrocentos carros parados no farol olhando um gordo voar um metro e meio com uma bicicleta e aterrissar no meio da avenida deles. E nenhum dos filhos da puta pensou em perguntar "Ei, cara...tá vivo aí?" Só me levantei o mais rápido o possível com a bike e saí pedalando, fui perceber esse corte só quando cheguei em casa.
Moça(coloca o dedo logo abaixo da sobrancelha dele)
  • Eu tenho essa no joelho que é bem grande e rosa. Caí tentando descer uma rua de longboard, péssima ideia, eu sei. Olha como está ralado até hoje. E esse seu furinho aqui?


Rapaz
  • Mordida de um dálmata da chefe do meu pai quando eu tinha cinco anos. Brinquei com ele o dia inteiro e o filho da puta encheu o saco bem na hora que eu ia embora. Virou do nada, encarou meus olhos e simplesmente aquela bocarra estava ao redor da minha cara dois segundos depois.


Moça(voz de criança)
  • Ahhh, mas que gracinha. Aposto que chorou por horas com a cara toda sangrando, né?


Rapaz
  • Não lembro, mas devo ter chorado sim, lembro de ter ido ao banheiro e minha mãe desesperada, de resto não lembro muito bem, era muito pirralho ainda. Tem essa aqui também embaixo da marca da bicicleta, é menor mas está aí faz um bom tempo...quando inventamos de pular o muro da escola pra fumar um e me rasguei inteiro no caminho, minha calça, minha perna, meu pulso. No final ninguém sabia ainda bolar um baseado naquela época, então não conseguimos fumar. Ainda bem que faz muito tempo ou eu teria vergonha de contar isso pra qualquer ser.


Moça(rindo da cara dele)
  • Nossa, como você é loser, bicho. Não sei nem o que eu estou fazendo com você aqui (risos).


Rapaz
  • Ahh então vai lá fazer coisas com pessoas menos imbecis. Isso aqui é VIVER, gata, VIVER! Todas essas marcas são tatuagens da VIDA!


Os dois riem e dão outro beijo, menos demorado dessa vez mas com mesma ternura. Param e ficam olhando um para o outro em silêncio por alguns minutos


Rapaz(sério novamente, encarando-a nos olhos verdes)
  • Você vai me deixar alguma outra cicatriz?


Moça (sorrindo)
  • Hmm, não sei...você quer outra? Eu posso deixar várias.


Rapaz
  • Bom, se for deixar alguma eu só peço que deixe do lado de fora. Não me marque por dentro que nem essas nos marcam na pele. Essas não são tão superficiais assim, gata.


    A moça permanece em silêncio por um instante, com certo desconforto em seu olhar e beija os lábios do rapaz depois.


Moça
  • Posso já deixar uma se você não desligar esse rádio com essa música insuportável!


Rapaz
  • Eu gosto de ouvir essas velharias às vezes, tem coisa boa.


Moça
  • Eu imagino pilhas e pilhas de naftalina quando essas músicas começam em algum lugar. Apenas toneladas de velhotes com bolas de naftalina em seus bolsos e fumando cachimbos fedorentos.


Rapaz (rindo da imaginação da garota e se aproximando de seus lábios)
  • Então você é minha velhota cheirando a naftalina e com agulhas de tricô pra todos os lados.




Se beijam novamente e as mãos sobem e descem enquanto a câmera desvia dos dois e enquadra no cair do dia poluído e colorido do final da tarde.


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Depoimento da garota invisível.


   "É como ser invisível e tudo o que eu faço é como se uma empregada doméstica estivesse fazendo. Vivo soterrada e sozinha em casa, não perguntam como estou, como me sinto, só querem saber se estudei e se não estou grávida. De resto eu sou mais um peso, um obstáculo rumo à comidade deles, não me querem por perto, não querem saber o que se passa ao meu redor. Já não tento mais falar com eles porque eles nunca tentaram falar comigo. Ele então parece ser obrigado a me sustentar e tudo o que faz por mim é só para não ficar sujo com a minha mãe. Talvez ela ainda tenha um pouco do instinto materno e lembra de me alimentar e olhar minha cabeça de vez em quando, não sei."
   "Me sentia distante e alheia à sociedade. Minhas notas continuavam altas mas meus relacionamentos com outras pessoas pareciam cada vez mais frágeis e superficiais. Perdia minhas bases e a minha figura materna parecia tão distante quanto a paterna, mas eu morava com ela. Morava com ela e ainda tinha mais interesse vindo por parte de meu pai, que mora do outro lado da cidade. Eu passava metade das minhas tardes dormindo ou olhando para o nada no meu quarto. Computador parecia cada minuto mais insuportável e não respondia mais os meus amigos. Ficava lá, deitada no escuro, apenas deitada na porra meu escuro."
   "A primeira vez que tentei me matar foi bem estúpida. Estava sozinha em casa porque eles dois tinham viajado, tinham viajado da noite pro dia e me avisaram através de um bilhete "Estamos em Boracéia, voltamos no domingo, tem R$50,00 reais pra você passar o final de semana. Beijos", era alguma coisa assim. Peguei o dinheiro e comprei uma garrafa de vodka barata e tomei uma porção de remédios que achei na cômoda de quando minha mãe achou que tinha depressão. Tomei tudo e babi quase metade da vodka enquanto engolia os comprimidos. Depois de uns quarenta minutos comecei a me sentir enjoada e sonolenta, vi que aquilo não daria muito certo e que, na verdade, eu não tinha coragem de fazer isso. Corri ao banheiro antes de desmaiar, enfiei a escova do meu padrasto dentro da garganta e vomitei tudo no espelho, toda aquela gororóba e comprimidos semi digeridos escorrendo pelo meu reflexo esgotado e destruído. Desmaiei logo depois e acordei com o gorfo pingando dentro do meu ouvido. A escova dele eu passei uma água e guardei aonde sempre ficava."
   "Deixei aquela merda toda fedendo para que vissem o que estavam fazendo comigo. Quando chegaram demoraram mais de cinquenta minutos para sentirem o cheiro e irem até o banheiro, e na hora que tive coragem de dizer o que aconteceu, disseram que eu queria chamar atenção e que meu problema era com homem. Desisti dos dois e fui para o meu quarto continuar naquela minha escuridão, olhando para o teto e imaginando algum céu em cima de mim para me levar longe daquela casa, daquela vida."

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Cores frias ao escarlate rosado.


Laranja, vermelho
amo o seu cabelo
branco com laranja
e rosas
aonde importa.

Laranja com rosas
cabelos e rubros
tinta escarlate
e rosas aonde se é lindo.
Branca, branca
tintas coloridas no branco
azul, verde, preto na branca
desenhos
e laranja com um toque vermelho
com o rosa aonde nos afundamos.

Mastigaria, mastigaria
mastigaria, branca no branco com o branco
vermelho, vermelinha e muito rosa
mastigaria, mastigaria...
Eu mastigaria!
E se as matas ao sul das montanhas brancas tiverem a sua cor do pôr
do Sol laranja
mastigaria-a inteiramente
até chupar todas as suas cores frias
para exaltar o branco e o ruivo apenas,
ruivinha.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O amanha difere de hoje nem que seja só no calendário.


Felicidade é saber os motivos
que levam à loucura.

Felicidade é um tiro no olho
que te cega mais que uma agulha.

Felicidade é um jardim de rosas
antes dos garotos da rua pisotearem tudo.

Felicidade é sentir o espinho da rosa
entrando no seu dedo.

Felicidade é o sangue vermelho
como a rosa.

Felicidade é se contentar com o que aparece
sem comentar consigo mesmo como poderia ser melhor.

Felicidade é um banjo
bem tocado.

Felicidade reverbera
como as cordas do baixo.

É a inocência do culpado
a cadência do depravado
o feio com a bela.

A bela e a Fera.


Felicidade é sorvete de creme
com Coca-Cola.

Felicidade é se foder tanto e ficar tão pra baixo
que quando as coisas pioram você só se sente mais forte.
Calejado enfim.

Felicidade é a nossa realidade própria
e foda-se a dos outros.

Felicidade é esperar até o amanha
sempre.

Felicidade é não saber o que vai acontecer
se vai ficar ou se vai morrer.

É a dúvida.

É a maior utopia e a maior ilusão
A felicidade
A festa dos sonhadores e dos positivistas
É a grandeza que queremos
mas não exatamente buscamos.

Queremos de mão beijada.

Felicidade não será fácil
e todos os dias parecerão iguais
até um que amanhece e parece ser diferente
e até a madrugada cheira diferente
e você acorda diferente.
Com flores cheirosas e filhotes em mente.

Mas a felicidade é indiferente
com a gente.

Felicidade é ser ignorante
até o último suspiro.
Ou sonhar sozinho num quarto escuro
como num quadro agonizante.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Meu espelho é o chão das ruas mais esburacadas dessa cidade.



Sinto falta da que não tive.
Sinto falta do que não tenho.
Sinto falta do que nunca vou ter.
Sinto falta de você.

Meu rosto oleoso mira o chão
sempre que ando
E durante dia ou noite
no crepúsculo laranja
ou no mais amarelo amanhecer,
quero seguir para a escuridão
e para minhas trevas.
Olhando para os buracos nesse chão
o meu espelho
o meu constante eu.

As ruas sem fim e a falta de quem nunca tive,
nunca me teve,
nunca terei;

Há festas no interior
Há festas no litoral
Há festas na metrópole
E na minha sombra com água fresca
Há sal.

Meu espelho é esmagado por seus pés, suas botas, suas rodas de seus carros
e por seus olhos.
E resta o meu reflexo fodido
destroçado; estilhaços de um rosto desde sempre carcomido.

Os vermes passam por cima de mim.
Posso senti-los dentro dos meus orgãos,
brincando com o que vejo
rindo do que sinto.

Como as pessoas
Umas com as outras

Espero piedade assim como vocês a esperam.
Mas sabemos que não existe.
Espero alguém.
Mas na rua escura há somente sirenes
Atrás de ninguém.

Nem os monstros vão atrás de mim de madrugada
                              Não mais.
Correm ao verem o reflexo medonho e abstrato.

Até os monstros horrendos correm ao verem meus olhos sem brilho e cor fitando meus passos gordos e arrastados.

Minhas mãos sempre encontrarão conforto dentro dos meus bolsos.
Aonde me fecho da monstruosidade enquanto encaro meu reflexo quebrado
Nos espelhos no chão
que poucos enxergam,
você não?

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O pândego.



Quando o palhaço sair da cidade
As crianças irão chorar e as mães sentirão falta
Dos homens fortes e dos formidáveis acrobatas russos.

O palhaço tem na máscara um sorriso vermelho.
Roupas estropiadas, olhando o bater da sola dos seus pés 58.
Rapazes da cidade deram suas risadas para o arlequim de araque,
e já nem lembravam mais quais eram as risadas,
e nem o palhaço as piadas.

Ele segue,
o palhaço, segue o caminho quente com todo o Circo atrás dele.
O Sol parece querer derreter sua pele por dentro da pesada roupa.
Mas não pode se desfazer da roupa,
o personagem tem que existir enquanto houver o Público!

E ele se sente mal por isso.
E por muitas outras coisas.
Mas isso o deixa triste.
Então quem vai fazer o palhaço rir?
Como o que alimenta o vulcão, no meio de tanto calor
se você se jogar dentro dele
Sentirá um frio único e paralisante.

Quem vai fazer, então, o palhaço rir quando o circo se for?
Quando a cidade se for, quando as caravanas coloridas,
as fantasias e os risos histéricos no meio de pipocas e doces...
Ele não consegue.
Não consegue se ver livre de si mesmo.

E sua voz agora é apenas piadas e lamentos sufocados por elas.
Seu sorriso congelou em seu rosto e agora é sua máscara.
Mas seu caminho triste é até a próxima cidade.
Aonde as pessoas se apaixonarão pelos homens fortes,
Cuspirão na mulher barbada e a formidável família de acrobatas russos farão a todos chorar
Seu caminho sem riso acaba quando ele pisa no picadeiro e
Acena com seu chapéu coco vinho;
Quando o sorriso vermelho ganha vida
e consegue mascarar até o próprio palhaço por algum tempo.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

O grande perdedor ou As verdadeiras antenas transmissoras da cidade grande não quebram nunca.



Foi tirar as baratas do quintal
e todas elas subiram por suas pernas e entraram dentro de sua bermuda
não usava cueca no momento.

Dançava e sapateava pelo quintal infestado
tentando se livrar dos animais nojentos que andavam por seu corpo
com suas anteninhas sensoriais maiores que seus corpos.
Bateu o braço no pescoço de sua velha avó, que caiu ao chão gemendo de dor
"Vó!" ele grita enquanto os insetos nojentos continuam subindo nele e agora em sua avó que pena para levantar-se do chão frio.

Pula        Pula

      Pula
                        Pula
Baratas caem e ele pisa e as esmaga
descalço.
O caldo branco leitoso de seus corpos sai pelos vãos de seus dedos agora asquerosos.

"PORRA!"

Levanta sua avó do chão rapidamente e sai correndo para dentro da casa.
Desodorante, isqueiro, corre até o quintal aonde as baratas correm

pra lá          aqui
                                                pra cá
    acolá

Acende o isqueiro e mira o desodorante aonde há uma pequena conferência das blattodeas rindo da cara dos dois
FUUUUUUUUUUUUUUUU uma cusparada de fogo nervoso e barulhento
Saem correndo com seus corpos horríveis em chamas, desesperadas sentindo o fogo devora-lhes tudo
Vai em um outro grupo na parede, três delas
FUUUUUUUUUU, caem no chão
continua correndo pelo quintal. FUUUU,  FUUU
FUUU
"Tem uma dúzia delas ali!"
FUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU....
UUUUUU....
Acertou o lixo que estava pendurado na parede
sacolas plásticas e garrafas vazias, junto a papéis e caixas de pizza com nada além de azeitonas e formigas atrás de queijo dentro
Tudo começa a ser engolido rapidamente pelo fogo
e a fumaça e as chamas saem das mais diversas cores
E seria bonito se não fosse trágico
Porque o lixo está pegando fogo
ao lado da cortina da cozinha,
e as baratas continuavam saindo do buraco no chão do quintal
saiam como batalhões e iam atrás dele e da avó que agora dava pulos em cima de uma cadeira, desesperada.
"FOGO! FOGO, MEU NETO! PELO AMOR DE DEUS!"

Ele corre até o tanque de lavar roupa e começa a encher um balde com água
dentro dele, num canto, haviam três baratas
numa orgia blattaria.
E faziam um som curioso e pareciam não ligar para a água que iria afoga-las a qualquer momento
estavam no ápice do seu êxtase.

Ele olha aquilo
Elas olham pra ele
E ele jura ter ouvido
"Que porra você tá olhando, cuzão?"

Vomita tudo dentro do balde
e o vômito derruba as baratas transonas dentro do redemoinho de água e gorfo diluído
E o fogo consumia o lixo e agora chegava na cortina
e sua avó na cadeira, em choque a ponto de não soltar mais um ruído.

Ele volta zonzo com o balde na mão e as três baratas alegres afogadas dentro
Joga a água no lixo flamejante e as baratas e o vômito diluído batem na parede e caem dentro das chamas da lixeira.
"MAIS!' ele grita para ele mesmo
Vai e enche o balde
Encher aquilo parecia levar uma eternidade.....................................................................................cheio
Correu...jogou a água no fogo, ainda nada
CORREU, ENCHEU, SUANDO FRIO, BARATAS SAINDO DO CHÃO E CORRENDO E DANÇANDO E TRANSANDO E  ELE E A AVÓ NO MEIO DAQUELA SURUBA COSMOPOLITA
.........................................................................cheio

Correu, correu....MERDA, tropeçou e o balde e ele voaram e seu corpo derrubou a cadeira da avó
que caiu
novamente
no chão.
Em cima
das baratas
livres
pelo quintal.

"Desculpa, vó! Pelo amor de deus, vó! A senhora tá bem, vó?!"
A velha começa a chorar
O fogo começa a estalar na cozinha
a lixeira já se foi, sua energia foi para a cortina outrora branca do cômodo
Ele levanta a velhota, baratas sobem por sua perna, tronco, cabeça, pescoço
ele já nem as sente
A velha surta quando sente as perninhas peludas dos bichos ao redor do corpo dela
sai correndo
entra na cozinha agora alaranjada e esfumaçada pelo fogo que consumia tudo rapidamente

Imaginou que seria o fim, as baratas comeriam a ele e à sua avózinha
ou isso ou o fogo incontrolável
E foi sua burrice a culpada de tudo.
E parado no meio do quintal, com os bichos escrotos ao redor dele e nele
vira o pescoço para o lado.
Encontra a mangueira furada que achou que não serviria para mais nada depois que a acertou com uma espingarda de pressão
repetidas vezes, bêbado.

Corre, pisa no maior número de nojentas possível.
O chão molhado e a gosminha das voadoras quase o derruba novamente, mas segura firme
Pega a mangueira rapidamente e a liga na torneira
abre um fluxo grande de água, ouve o barulho por dentro da mangueira laranja.
Vuuuuuuuuuuush.....

Corre até a porta da cozinha com a água saindo pelos diversos furos da mangueira
Mira e joga toda a água que consegue em todos os focos de incêndio dentro da cozinha
já que o lixo já tinha ido pro saco.
Sua avó grita no quarto ao lado, as baratas ainda deviam estar no seu cabelo ou pescoço
Ele volta com sua razão aos poucos
enquanto o fogo é controlado
gradativamente
até que
o fogo
some.

E ele vira seus olhos para o quintal, sem tempo para alívio
E começa a inundar o chão e as paredes com a água fria que saia da mangueira de borracha laranja.
E elas começam a ser levadas pela água, até o final do corredor, todas elas
as mortas, as esmagadas, as queimadas, as voadoras, as vivas, as sexualmente ativas, todas elas
até o final do corredor
e ele mira no buraco no chão de onde elas brotaram
larga o jato de água
e volta-se ao isqueiro e desodorante de novo
as baratas ainda saindo do buraco
ele queima todas por cerca de cinquenta segundos
a chama saia e sentia seu rosto quente, ao lado do fogo
ouvia barulho de sofrimento blattodea
elas estavam sofrendo, ele estava feliz
e as outras continuavam sendo levadas até o final do corredor, pela água da mangueira furada.

Quando termina com o buraco e sente que não saíra mais nada dali. Vê que tudo acabou.
Até agora.
Vai até o final do quintal  e começo do corredor, aonde, no final, estão as baratas supostamente afogadas
mas
Ele vê que elas não estão afogadas ou mortas, além das que já estavam afogadas ou mortas antes de terem sido levadas pela água
as que desceram com vida estavam se aglomerando no final do corredor
todas elas
e pareciam ser bem mais agora
Faziam um som
e ele sabia que elas estavam rindo
que a mangueira foi apenas diversão para elas
e viu algumas que fritou com o desodorante
de pé
e algumas que esmagou com o pé
esmagadas mas vivas ainda
todas rindo dele.
E do buraco elas voltaram a sair, e iam pelo caminho da água
escorrendo como que num tobogã até o final do corredor
e se aglomerando novamente com as outras.
Pelas paredes, pelo chão, pelo ralo, por tudo
e então dezenas de pares de antenas avançam
e ele não consegue acreditar no que seus olhos estão revelando
e sai correndo até a cozinha chamuscada
Fecha a porta que divide a cozinha do antro cosmopolita.

SILÊNCIO
Antenas lá fora
Sua avó chorando aqui dentro.
Silêncio desconfortável
e ele sabe o que pode melhorar aquilo

Abre a geladeira e pega uma cerveja no fundo.
Ouve o papagaio da sua avó gritar lá fora, com as baratas subindo em sua gaiola.
Segue pelo corredor que liga a cozinha na sala, passando pelo quarto da avó que agora já exagerava na dose
"Já apaguei o fogo, vó. Fica tranquila, as baratas estão todas mortas"
E segue, pensa, volta até a porta da avó
"Mas não abra a porta  do quintal de jeito nenhum!"
Vai para a sala.

Senta-se e liga a televisão
abre a cerveja e o som do lacre é sempre um prazer suave.
Uma baratinha pequena e marrom claro passeia por seu pescoço suado
Ele dá um gole em sua cerveja,
"Huuuuummm..."
Gelada.