domingo, 27 de março de 2011

Eric e O Suiço Vermelho no mundo do devaneio.

Que tudo no mundo tende a dar errado já é do conhecimento geral, certo? Mas passava por uma fase de constante azar e aquilo me deprimia assustadoramente, já não aguentava mais passar o Victorinox no braço esquerdo e ver os filetes rubro correndo pelo meu braço em direção ao chão, em alguma direção que não fosse mais para alguma veia importante. Eram essas as cenas que satisfaziam minhas deploráveis madrugadas, noites essas que eu passava em branco por opção, muitas eram feriados ou às vezes férias e eu simplesmente rasgava a minha epiderme até a derme, e vazavam quantidades mínimas, porém vistosas, de sangre. Me inebriava com a minha desgraça todas as madrugadas e parecia querer mais e mais, coisa de adolescentes como vocês já sabem.
Não sei porque quero escrever esse relato dos meus dias aqui, é um modo de manter acesa essa chama que me dá gosto pela escrita e leitura, algo que me faz parecer culto e inteligente, postando em redes sociais diariamente os livros que lia e os que pretendia ler. Não que eu não gostasse ou que não goste de ler, veja bem, amo e sempre amei esse hábito, mas fazia questão de mostrar para todos o que lia e batia no peito com orgulho falando das dezenas de livros que havia lido no começo de tal ano. Apenas um jeito de conseguir atenção de alguma garota que curtisse um leitor assíduo, frequentador da Livraria Cultura e da Paulista.
Outra coisa interessante é que passava horas na Cultura e simplesmente não comprava nada, ficava lá pegando livros e folheando-os, lendo uma ou outra nota de rodapé, do editor, orelhas, passagens e etc, isso quando não avançava nos de Arte ou importados e tentava me mostrar como a um diplomata, que de tudo tinha conhecimento e admirado era por milhares, centenas de milhares de homens e mulheres que queriam ser como ele ou ter alguém como ele, um sincero amante da boa leitura, das línguas europeias e do conhecimento geral e dos mais diversos assuntos, desde o que andava na moda até os mais antigos textos, autores, culturas e costumes do mundo e dos animais.
Vivia fantasiando com a fama, dinheiro e mulheres. Festas nas quais eu chegava com toda a modéstia e humildade e era ovacionado e admirado por todos os presentes, pedindo autógrafos, contando piadas e sacando do incrível puxa-saquismo humano que ilumina nossos relacionamentos desde o início dos tempos. Era "Eric isso" e "Eric aquilo" pra tudo quanto era lado, eu sorria timidamente e me sentava num sofá e lá passava o resto da noite conversando, contando piadas, me drogando, conhecendo fãs, músicos, artistas e poetas. E no final da noite sempre me apareciam duas ou três garotas para fechar aquele momento com chave, cadeado, baú e até pregos de ouro. No dia seguinte eu acordava no meio da tarde só para entrar  no estúdio que tinha dentro de casa, tocar, criar, calejar, transar e recomeçar, renovar toda aquela gigantesca onda de felicidade que havia tomado conta da minha vida nos últimos anos, e que eu tinha certeza que duraria para toda a vida tal fama conseguida à base de muito suor, dedicação, contatos, paciência, ovadas e um tanto de sorte.
Mas no final das contas sempre me via de volta em frente ao computador, os meus instrumentos pairando minha cabeça e estava com o suiço vermelho em mãos, escancarado e olhando para o meu lado esquerdo, manchas fortes brotavam como numa cena de filme trash e me sentia revigorado, completo, feliz, e corria para o banheiro para poder estancar a hemorragia que, com certeza, deixaria a marca de sua visita em mim por um longo tempo.
Passado um tempo que gostava de admira-las, tratava-as como a um ferimento de guerra, assim como um velho veterano, já lunático por causa da idade e das mortes que vira em vida, olhava para aquilo como se tivesse ganho por servir meu país com amor e bravura, um tiro de fuzil dado no estômago e que, por intervenção divina, havia conseguido me safar depois de meses no hospital do exército. E anos depois da guerra, depois de todo o sofrimento que presenciei há poucos metros de distância e ajudei a criar, rasgava os botões da velha camisa listrada no bar, já certamente alcolizado, e mostrava o ferimento para todos os companheiros e madames que lá estavam, todas me olhando como em um filme antigo, com olhos arregalados e as mãos cobrindo a boca com um ar de atiradas e promiscuas.
Mais uma vez me encontrava lendo um livro no metrô, era um livro um tanto quanto chato, coisa que não me interessava muito, mas estava lendo porque já tinha lido todos da minha reserva que havia feito nas férias e era um livro bem cultuado, de um sujeito muito famoso e obrigatório em muitas escolas e até universidades. Terminei no mesmo dia e já me vangloriei de modo modesto e humilde em umas 4 redes sociais que fazia parte. Sempre me fazendo de culto singelo, que não faz questão de admiradores mas que o que mais quer é, de fato, admiradores.
Andava cansado de tanto exibicionismo mascarado e decidi sumir de vez com os meus teatrinhos que ninguém dava bola, só me achavam um pouco mais idiota a cada vez que dava as caras e decidia digitar algo pela Internet. Mas nunca larguei o hábito de fantasiar sobre tudo, fantasiar usando como fundo um último livro que li, último texto que escrevi, último filme que vi, último disco que ouvi. Tudo aquilo parece me afastar da realidade e me deixar como um usuário de drogas pesadas se sente durante as poucas horas de prazer que pode ter, que pode fugir da realidade até pedaços do seu corpo começarem a apodrecer.

segunda-feira, 7 de março de 2011

O neto do boêmio.

E no calor carioca eu me encontrava novamente, em pleno outono e eu me encontrava de cueca sentado na poltrona de vovô, ouvindo um samba paulista de qualidade, por incrível que pareça, e olhava para o mar com olhos revoltados, preso naquela cadeira de rodas maldita, aquela prisão com rodas que havia privado-me de um dos maiores prazeres que eu conseguia desfrutar quando bem entendesse e sem precisar pagar por isso, andar.
Enrolei um cigarro cumprido, havia herdado um bom tabaco do meu avô, coisa de primeira, enrolei em uma seda que havia comprado e acendi aquele mini charuto com o meu Zippo que papai havia dado pra mim antes de eu nascer, coisa de estilo. Não tragava, estava só querendo apreciar o sabor do tabaco dentro da minha boca e o toque suave da seda importada nos meus lábios, perfumando toda a minha face e minha garganta com um cheiro nostálgico, um cheiro antigo. Desci para procurar um bom whisky de meu avô dentro da cristaleira mas não tinha nada, só coisa barata, não valiam nada, queria me propor uma tarde digna de um boêmio, mesmo que fosse em casa. E ao som de João Gilberto, Sergio Mendes, Stan Getz e Vinicius, eu passei minha quente tarde sozinho na minha moradia, uma das melhores tardes que eu tinha em tempos.
Devo ter fumado mais dois daqueles cigarros elitizados e fui na banca perto do metrô pra comprar um charuto, reservei uma quantia satisfatória de dinheiro para conseguir comprar um fumo aceitável, na banca o rapaz tinha todas as qualidades, dando então, uma ótima gama de sabores, países e prazeres. Comprei um baiano, lembro-me de ter visto Antonio Brasileiro fumando um desses em uma entrevista certa vez, com seu panama na cabeça e sua voz rouca e tranquila, exalando a felicidade carioca para o entrevistador e perdendo-se entre a fumaça e as bufadas de seu baiano, como se refletisse sobre uma vida inteira nos intervalos entre cada tragada que dava. Foi no dia dessa entrevista, que encontrava-me no auge dos meus nove anos de idade, que interessei-me pela incrível vida boêmia, vida que acompanhava passivamente, dia após dia, assistindo meu avô e seus amigos saindo para bares e puteiros, sambando no meio da rua ou até mesmo dentro de casa, nas noites mais frias do inverno. Lembro-me perfeitamente de Oswaldo, amigo falecido há tempos de meu avô,  bêbado com uma rapariga que apanhara na rua e entrando em nossa casa, senti o cheiro de tabaco e whisky importado lá do meu quarto e fui ver o que se passava, cheguei justo no momento de ver vovó expulsando o velho a vassouradas e chutando o traseiro flácido da rapariga barata pra fora de nossa propriedade. Até hoje dou risada ao lembrar dessa cena, cena essa que marcou toda minha vida de um modo positivo, pelo menos para mim, que regi minha vida inteira baseando-me nessas histórias e testemunhos da noite carioca que meu avô me proporcionava toda semana depois do trabalho.
Ainda me sentia triste pela falta do bom whisky escocês que havia acabado há algumas semanas e tentei contentar-me com os americanos que meu avô, Olávio, havia deixado para mim. Eram de ótima qualidade também, mas não era nada comparado aos scotchs que ganhava de seus amigos, amigos esses que tinham ótimos contatos lá fora e gozavam de um estilo de vida magnífico em Copacabana, filhos de famílias tradicionais do Rio e íntimos dos militares desde antes do golpe de Estado. Nunca invejei nenhum chegado de Olávio, os mesmo privilégios que eles tinham , concediam a meu avô e a mim algumas vezes, como na vez que fomos nas corridas de cavalo e apostei toda a minha mesada no maior cavalo que vi, claro que perdi tudo, mas vovô e seu amigo pagaram minha aposta e dobraram, dando metade do que apostei a mais cada um, e assim conseguia dinheiro para a compra de meus novos discos de samba e, futuramente, gastar com as moças.
E dessa forma eu segui toda a minha infância e adolescencia, às custas de vovô e, regularmente, da boa vontade de seus amigos mais bem afortunados que nós. A cada dia que se passava eu ficava mais fascinado pelo estilo de vida do meu pai adotivo, mesmo acompanhando com meus ouvidos apurados o choro fino e desesperado de minha avó Benta, preocupada com o paradeiro do velho ou pensando nas vagabundas que rodeavam-no constantemente e que, com certeza, o velhaco sabia muito bem como trata-las.
Quando estava mais moço, lá com os meus dezessete ou dezoito anos, Olávio começou a me chamar às escondidas de vovó, nas madrugadas de sexta feira, para acompanha-lo no samba que rolava na quadra que encontrava-se há alguns quarteirões de nosso prédio e, aos sábados, na feijoada que se estendia até a madrugada de domingo, recheada de sambistas e mulatas devassas embriagadas e doidas atrás de um bom partido branco do alto escalão carioca, eu era perfeito para esse molde. Ótimos finais de semana aqueles, ótimas semanas também, ótima vida a que eu tinha aliás, tive a sorte de ser criado pelo melhor partido do Rio de Janeiro, não tinha problemas na escola, nos estudos, adorava ler, tinha dinheiro, comida boa, sombra e água fresca, tudo porporcionado pelos melhores avós da região.
Relembrando de todas essas memórias de meu querido Olávio e da minha Bentinha, movi minha prisão móvel até o elevador e decidi dar um passeio pelo calçadão, cumprimentando todos no caminho, era conhecido na área desde os tempos do samba na rua, do carnaval que pulava alegrando a criançada e das bebedeiras constantes com os mais variados tipos da cidade, de músicas a poetas, de mendigos a burgueses magnatas donos de grandes fatias do Rio em outrora. Parei no café preferido de Olávinho e pedi o de sempre, o café extra forte com um croissant de manteiga seguido de um folhado para começar e horas de leitura do livro que estivesse desfrutando na semana.
Dessa vez não levei nenhum livro, jornal ou revista científica, apenas degustei lentamente cada mordida quente daquele croissant parisiense e do mais saboroso café brasileiro que havia tomado em toda minha vida. Acendi outro daqueles charutos, havia achado uma caixa de havanos escondida no armário e quase infartei de euforia, e pensei que aquela seria, com certeza, uma ótima noite pra um quase idoso cidadão carioca. Os últimos meses haviam sido desastrasos, com a morte de vovô e da Bentinha, tinha tudo e não tinha nada ao mesmo tempo, com todo o dinheiro, nome, privilégio e posses que haviam me deixado, e ao mesmo tempo sem o meu principal companheiro de samba, de mulheres e de boêmia, e sem minha Bentinha, que sempre cuidou de mim como a um filho, melhor até talvez. Muitos pensaram que eu havia provocado o acidente para poder ficar com tudo deles de uma vez por todas, já que não conseguia esperar pela inevitável e breve morte que chegava para ambos. Aquilo era inaceitável, com o nome que tinha e que herdei dos meus velhos, tratei de dar um jeito nos monstros que falaram tal infâmia de mim e dos meus pais, mas isso nunca fez parar os comentários isolados que voavam pelo ar vez ou outra, quando eu dava o ar de minha graça nas calçadas e quiosques de frente para o mar. Passei a não ligar mais para nada daquilo. Apenas apreciava meus cigarros, charutos, cafés, cervejas e croissants amanteigados nos mais variados pontos de comércio da região, sempre envolto em uma pequena roda de pessoas, interessadas nas histórias de um apaixonado pelo samba, um senhor da meia idade que já havia se divertido o suficiente para muitas vidas, e também querendo gozar um pouco de minha mão aberta e boa vontade em pagar bebidas para todos, mas não fazia a mínima diferença pra mim, ainda conseguia algumas mulatas e louras nos finais de semana, mesmo estando confinado naquela gaiola com rodas.
Vez ou outra alguém me pedia para contar da noite que Lávo e Bentinha se foram e quase fui junto com eles, provavelmente eram os que desconfiavam de minha inocência naquilo tudo, não gostava de falar sobre aquilo mas quando menos percebia já havia me entregado totalmente aos fatos e contando daquela noite, quando voltávamos do centenário de um amigo dos meus pais/avós, mais um daqueles que, se você quiser saber como chegou tão bem aos 100, basta eu dizer-lhe que era mais um dos amigos de Olávio que gozavam da boa vida e íntimo dos generais e conservadoristas dos tempos de golpe. Estávamos voltando completamente embriagados da comemoração, todos menos Benta, não bebia mais do que uma taça de vinho ou um copo bem servido de cerveja européia, mas vovô e eu éramos dois funis ambulantes desde sempre e estávamos completamente embriagados de champagne, whisky, cerveja e os mais caros e finos tipos de vinhos que podia se encontrar na cidade. Olávinho e eu berrávamos alguma velha canção de Milton Nascimento, enquanto eu dirigia e vovó tampava seu rosto com as mãos, rezando para não acontecer nada, há muitos anos havia desistido de tentar insistir para vovô e eu não bebermos e dirigirmos, mas claro que sempre esquecíamos disso depois de estar com tudo girando na cabeça. Depois só me lembro de uma buzina bem hollywoodiana e de acordar um dia depois no hospital, com o médico trazendo imediatamente a notícia do falecimento imediato de meus avós após um jeep há 80km/h arrebentar com seu para choque poderoso a lateral direita do carro, destroçando o pescoço de vovô e quase deixando Bentinha dividida em duas partes.
O mais engraçado de contar essa história era a cara dos espectadores quando eu terminava de contar tudo isso dando leves risinhos de canto, como se estivesse me divertindo em contar sobre a violenta, recente e trágica morte das pessoas que me cuidaram muito melhor do que cuidariam de um filho e que me deixaram tudo o que conseguiram construir em suas longas e bem aproveitadas vidas. Nessas horas apenas resumo a explicação dos risos às memórias de vovô e eu quando presenciávamos e riamos por longos minutos dos frequentes acidentes que aconteciam a beira-mar, embriagados e perfumados com o tabaco dos charutos cubanos dos amigos íntimos de militares. Depois dos momentos de nostalgia compartilhada com os ouvintes, alcanço o panama, encaixo-o no cabeça, termino o charuto, pago a conta da noite e rodo até o prédio em que fui criado, há poucos metros da praia e da vida boa.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Le prisonnier.

Levantou a cabeça rapidamente, logo após inalar uma diminuta carreira de cocaína vagabunda que arranjara nalgum canto daquele chiqueiro apelidado de cadeia. Seu ânus ainda latejava de dor; ele, um garoto francês, branco, barbeado e com um rosto suave, ele, que antes fora um bom namorado, fiel à sua amada, quase sempre pelo menos, agora jazia no fundo de sua cela fétida, gemendo baixinho e encontrando algum consolo no pouco de pó que encontrara nos utensílios do último condenado que fora esfaqueado lá. Seu rosto, inchado e roxo, também revelava pequenos filetes de sangue se originando dentro do nariz e por baixo de seus cabelos louros e encaracolados, não fazia a mais vaga idéia de o que havia acontecido com seu amigo, que também estava em algum lugar daquele inferno, ou não.
Sentou-se no canto mais escuro possível, baixou sua cabeça, encostando-a nos joelhos, e lá ficou por horas, sentindo a dor em sue traseiro ir e voltar lentamente, como uma bola de praia quicando pela areia molhada e dura, uma bela morena com seios fartos se aproximava dela, jogava para o mesmo e lá ficavam, rindo e correndo um atrás do outro que nem duas criança no auge de suas infâncias. Acordou. Olhou para o lado, realmente achando que era em casa, bom, de fato era sua casa, sua casa pelos próximos xxx anos, e era bom se acostumar rapidamente, ou iria sofrer as consequências bem mais do que já estava sofrendo desde que entrara lá, há menos de um dia.
Uma briga entre 5 condenados emergiu, quinze minutos após sair daquele sonho que outrora foi tão próximo e real, não conseguia achar outra saída a não ser se adaptar. Fez movimentos rápidos pra tentar ficar o mais longe o possível da briga, mesmo sendo uma tarefa quase impossível, todos os habitantes do cubículo já se mostravam bem entusiasmados, esperando o movimento do próximo só para poderem fazer parte daquela fanfarra, levavam na diversão, a vida era uma merda e a única maneira de anima-la era brigando, cheirando, fumando e transando entre eles mesmo, usando novatos caucasianos como ele, fantasiando serem louras, de pele branca e olhos claros, mulatas de olhos verde, morenas devassas e o que mais a imaginação pudesse trazer. Os carcereiros chegaram e amenizaram toda a algazarra utilizando de seus sprays e cacetetes como ferramentas, saira ileso de uma briga presidiária, era um homem, um homem forte, um homem branco e forte.
Acordou no dia seguinte antes de todos, resolveu que seria dessa forma todos os dias, faria um esforço interior incrível para acordar antes dos outros e poder ter o controle de todos pelo menos nesse horário, poder imaginar que, se quisesse, bastava pegar um dos travesseiros vagabundos e afundar no rosto do dono da cela, obstruindo suas vias respiratórios e conseguindo, então, respeito mútuo de toda a comunidade carcerária. É claro que ele tinha noção que Hollywood estava há bilhões de quilometros daquele lugar, que ele não sabia nem de perto onde era. Não queria saber também.
Todas as noites era violentado por 2 ou 3 gigantes, pretos que encontravam-se no direito de fazer tal coisa, logo com ele, um branco, um francês, um ariano. Ah, se tivessem idéia do que ele poderia fazer com esses crioulos há poucos meses atrás, a época de ouro, onde tudo era possível pra ele e sua família, sua namorada continuava intacta, com seu corpo perfeito e sotaque italiano bem leve quando pronunciava seu francês fluente, seu francês suave, que pronunciava lentamente e sem confiança alguma, sempre insegura quanto a isso e tantas outras coisas, se deleitava observando os suaves movimentos de sua boca e língua enquanto falava francês delicadamente e escorregava lentamente no italiano, corando-se inteira logo depois que ele tirava sarro de sua falha. Constantemente ele se recordava de certa manha, quando acordaram juntos, como sempre, ela nua em cima de seu corpo também despido, ela ainda dormia e ele só olhava para seu rosto perfeito, seu cabelo moreno e naturalmente liso e macio, sua face ainda perfeita, sem os hematomas, cortes, sangue e partes esmagadas em que agora se encontrava.
Chorou por dentro quando mais um negro, o maior deles, se aproximou de suas nádegas e apertou-as como se fosse uma vadia, uma prostituta qualquer que pagara pouco para possuir por uma hora, estuprou-o lenta e doloridamente, como sempre, e depois retirou-se para o seu canto na cela, deixando-o deitado nu em posição fetal, sentindo o morno do sêmen percorrendo e cortando toda a nádega esquerda.
No dia seguinte recebeu uma carta, uma carta muito bem escrita, muito bela e com um perfume suave em volta do papel bem característico, sentiu-se no paraíso quando a viu, mas no inferno quando a leu. Sua namorada continuava em coma, em estado gravíssimo de saúde, seus pais e os de sua namorada estavam há dois passos da depressão.
Passaram-se dias, alguns, e já sentia-se um pouco menos novato naquele lugar e já havia trocado palavras com alguns dos amáveis senhores que o faziam companhia no recinto. Também já não era mais o novato na cela, outro havia pegado seu concorrido lugar de violentado diariamente, um garoto Assumpção, um tal que ninguém devia mexer, ou seu avô, amigo dos militares, botaria no rabo de todos, segundo suas próprias palavras. Era violentado por dois de uma só vez quando terminava algum de seus entusiasmados discursos sobre sua família tradicional e rica. Era um nojento.
No almoço sentava com os mais brancos, eram mais tolerantes, preferia os neo nazistas, tinham respeito até dos negrinhos, apesar de não passarem de grandes filhos da puta metido a valentões, mas ainda deixavam-o andar com eles, já que era francês, branco e burguês.
Certa noite conseguiu descolar um baseado com um de seus novos amigos de cela, um dos únicos que não havia estuprado o rapaz quando esse adentrou ao sistema carcerário por considerar uma "coisa de negros e chicanos", ainda bem, pensou o francês. Acendeu o fino cigarro de marijuana, tomando cuidado para o cheiro não alcançar as narinas perfuradas de cocaína dos outros condenados e acaba com a festa, em poucas tragadas ele desapareceu com o cigarro e sentou-se relaxado no chão, preparando-se para ter o melhor momento de sua vida em muitas semanas. Sentiu o formigamento nos pés e fechou seus olhos, imaginando a praia branca de seus sonhos, com a devassa que há pouco ocupava o lugar de sua namorada, futura mulher e mãe de seus filhos, aquela que agora jazia em alguma cama de hospital, completamente inconsciente das coisas que aconteciam no mundo, com seu rosto parcialmente desfigurado e um trauma sexual que levaria para o resto de sua vida. Imaginou os dois se amando na cama do hotel de frente para o mar da viagem do ano passado, ela intercalando sorrisos e gemidos baixos, enquanto ele agarrava seus cabelos escuros com orgulho, como se estivesse mostrando para todos o que ele possuia, o que ele podia amar todos os dias, pelo resto de sua vida. Começou a lembrar de seu rosto desfigurado, pensando se deveria mesmo ter visto aquela cena, se devia mesmo ter discutido com ela por um motivo bobo, uma maldita bebedeira idiota, nada demais, tudo estava acabado, haviam detonado ela, ela nunca mais voltaria a ser o que era e ele estava realmente bem com aquilo, a amaria da mesma forma, mas ela, ahh ela, com toda a teimosia feminina, nunca o perdoaria, nunca. Nunca.
Não haviam passando nem 15 minutos, mas achou que eram 3 horas de viagem. Rezava para estar acabando logo, estava péssimo, chorando, soluçando alto e achando que acordava a todos com seus gritos, gritando pelo nome dela, pelo nome dos filhos que ele planejara ter com ela e agora estava tudo por água abaixo, nunca mais a amaria como amara nas noites de inverno, nas de verão, outono e primavera, seu corpo nu deitado sobre o dele, sorrindo suavemente graças a seus doces sonhos, que imaginava ser com ele. Gritava para dentro, o tempo todo, estava no maior silêncio do mundo, mas o pânico batera e ele não sabia mais o que fazer, queria gritar pelos seus pais, queria ir embora de lá, logo agora que estava se acostumando com aquilo, logo agora que iria conquistar respeito? Chorava, soluçava por seu estado, imbecil, inútil, deplorável, chorando por mulher, por dinheiro? Logo ele que queria tanto ser útil na sociedade? Vomitou no canto onde dormia, secou com um cobertor velho e dormiu aonde conseguiu, com fome, sede e prevendo um torcicolo na manha seguinte.
Agora fazia leves trabalhos na cadeia, na verdade era só um local de repouso para os traficantes, que continuavam fazendo o que faziam nas ruas lá dentro, só que com segurança e saúde garantida. Levava pequenas quantidades de narcóticos para outras celas, negociava e cobrava cigarros, travestis, bebidas, privilégios e o que mais tivesse algum valor naquele mundo paralelo. Seu respeito aumentara, assim como sua ansiedade e depressão, de dia fazia o papel de protegido pelos chefões da cela, aquele que não era mais estuprado e que já podia estuprar, e de noite era um maricas, era um covarde, com medo do escuro, com medo da rua, com medo de sua deformada namorada, temia que ela aparecesse durante seu sono e o vingasse, jogando óleo quente no seu rosto, chutando sua face até deforma-la por completo, esmagando-a com um extintor.
A correspondência chegou, trouxe uma coisa que ele não via há tempos, uma carta. Uma bela carta, perfumada e tudo o mais, com um belo papel macio e muito bem escrita, esperava boas novas, mas a realidade voltou e bateu em sua cabeça bem de leve, mandando-o acordar de seu momento breve e descuidado de ecstasy. Sua namorada finalmente falecera,  carta contava com detalhes seus últimos entediantes segundos de vida, não sentiu nada, nem viu, nem ouviu, nem cheirou nada antes de morrer, estava em seu coma profundo ainda, seu rosto limpo com cicatrizes profundas deformando-o e ainda era possível ver seu belo rosto por baixo de toda aquela crosta produto da podridão de um sem alma, um que teve o que mereceu, que a essas horas simplesmente não existe mais. Le prisonnier avait disparu et à sa place il n'y a rien.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Mr. Hank quer se divertir um pouco.

Dirigi com a Zed até o puteiro mais sujo daquela região, nem sabia em que área da cidade aquilo se encontrava, mas era bem porco, com uma aparência vintage, parecia ser bem barato, ia transar com facilidade, sem grandes problemas.
Um ano fiquei. Um ano sem comer ninguém, nem pensava em mais nenhuma outra coisa, queria alguém a qualquer custo, namoradas não prestavam, amigas não prestavam, só queria algo livre. Tratei de encher o rabo de álcool logo assim que atravessei a porta, não conseguia nem olhar para a puta se estivesse sóbrio, sem nada pra barrar minha vergonha e insegurança.
O lugar era grande, cheio de mulheres da vida fácil e velhos fétidos e pervertidos, esperando desesperadamente uma virgem, uma garota pura...ou um desconto. Sentei o traseiro num assento que parecia mais higienizado e pedi um hi-fi e comecei a analisar o lugar e as mulheres belas e semi nuas dançando, estava mais para semi belas e nuas dançando ao som de Dusty Springfield. Caralho, que coisa maravilhosa! Ainda me sentia sóbrio e pedi um whisky, virei a diminuta dose em um gole e ordenei outro, não estava ficando bêbado de jeito maneira. Pensei em dar um teco, mas decidi faze-lo só depois da diversão,  brochar com uma prostituta deve ser entristecedor em níveis soberbos, hehe. Encontrei o Cid e ficamos trocando uma idéia sobre a semana, aquilo me emputecia extremamente, falar de trabalho no único lugar em que trabalho devia fiar de fora. É que nem..sei lá, falar de incesto em uma igreja evangélica. Era de cortar os pulsos. Falei que ia ao banheiro e desapareci por um bom tempo, com uma esperança de me livrar daquela conversa deplorável, esperei, sentado num lugar escuro e deserto no fundo do estabelecimento, por cerca de meia hora, ele deve ter achado que fui soltar uma bosta singular.
Nesse meio tempo, fiquei bebendo tudo o que consegui e não me sentia bêbado o suficiente ainda. Desisti de esperar e voltei pra mesa com a desculpa da cagalhança única.
Quis um lap dance primeiro, queria fazer as coisas com calma e aproveitar aquela noite até o última centavo do meu medíocre salário, tinha batido duas punhetas antes de ir pra lá, pra não ter que jogar 500 contos de réis fora em 5 minutos. A garota dançando era maravilhosa, quis possui-la ali mesmo, mas iam enfiar uma trolha bem preta no meu rabo branco se o fizesse, ela era loira, boca e seios rosados, coisa magnífica de se ver, uma bunda e coxa que nunca tinha visto ou fodido antes. Era estupenda, mas não consegui mais prestar atenção depois de uns minutos, tinha muitas coisas na minha cabeça, muitas decepções e foras, e não sabia como deixa-las de lado, pedi outra dose cavalar de bourbon e tentei prestar atenção naquele fantástico conjunto de pele branca, sem roupa alguma, se esfregando no meu corpo, como alguns animais antes de se acasalarem.
Quanto ela terminou o espetáculo, tentei beija-la e levei um tapa ardido e sonoro no rosto, ela foi embora e fiquei parado lá, admirando de longe aquela peça que nunca faria uma dança dessas pra um cara como eu, se não fosse pagando um preço exorbitante. Nenhum faria, alias.  Pedi e engoli duas cervejas e comecei a sentir fome, acendi um charuto barato que tinha comprado no jornaleiro momentos antes e saciei a fome com tabaco ordinário e soluções etílicas das mais baratas.
Começou a tocar um blues bem lento e cheio de feeling, chutei que fosse Dixon, estava ouvindo ao som e puxando o charuto, quando adentraram dois sujeitos altos, um deles com um tatuagem que começa no pescoço e se estendia até o braço esquerdo, ambos com ternos e o outro estava com silver tape envolvido em uma mão empapada de sangue, imaginei. Reconheci os dois sujeitos de algum lugar, mas não sabia de onde.
Passaram-se dois minutos depois da chega do tipos, e foi quando ouvi um estalo grosso e alto, aterrorizante e familiar, foi no mesmo momento  que olhei e vi uma morena que havia me servido caindo inanimada no chão e uma grande poça rubro se revelou debaixo dela. O de mão fodida havia atirado nela sem motivo aparente, e foi aí que pensei que tudo ia acabar ali mesmo, sem transar, vai se foder Deus. Estava com as calças dois quilos mais pesada.
Os dois irmãos( eu acho) começaram a atirar em todo mundo que viam, com suas calibre 12 com cano cortado em uma mão e uma .45 na outra, já jaziam uns 7 corpos sangrando no chão e eu só pensava em um lugar pra me esconder. Pensei no clichê "atrás do balcão", mas desisti, era fácil por fogo lá com toda aquela bebida, saí correndo pra um lugar mais escuro, não só eu, dezenas faziam o mesmo, buscando um lugar pra se esconder, se trombando e caindo, escorregando nos riachos de sangue que já se conectavam em um só, bem grande. Senti a perna queimar e fraquejar automaticamente, gritei algo com o susto.
O da mão ferrada gritou para o irmão me apagar, SLOM, e o desgraçado acertou há 2 cm do meu nariz, quase arrancando-o. Berrei e xinguei-os, falando que só fui lá pra tentar transar. Pareciam estar se divertindo com o meu desespero, nem olhavam mais pras pessoas à minha volta, infelizmente. Apontaram as quatro armas pra minha cabeça ao mesmo tempo, nessa hora fiquei sem o que falar, pensar, cagar e mijar, não havia mais nada no meu corpo, sempre falei que no meu leito de morte, mesmo sendo um ateu a vida inteira, eu ia rezar mais que um católico misturado com evangélico pra tentar a salvação, não teria nada a perder mesmo. Mas na hora nem pensei em rezar, só fiquei encarando aqueles quatro canos fumegantes apontados pra minha fuça e prontos pra cuspir chumbada no meu asqueroso rosto, não ia ficar tão pior, pelo menos.Também não pensei na famosa expressão hollywoodiana de que "sua vida inteira passa pelos seus olhos", única coisa que passava por eles era gente despedaçada e membros sem donos jorrando sangue naquela carpete vagabundo. Fechei os olhos e, ao abri-los, meio que me surpreendi ao ver dois canos a menos apontados pro meu rosto, o da mão fodida olhou pra mim com cara de surpresa, tentando se lembrar de mim, parecia. Parece que lembrou e olhou pro irmão. Se perguntaram se era mesmo eu, o famoso escritor, aquele que sua mãe lia pra eles há pouco tempo atrás, eu estava sem palavras, só ficava ouvindo a conversa e me arrastando lentamente pra trás.
-Hey, Wank, pode ir. Vai embora daqui.
Não falei nada, levantei o rabo de lá e me dirigi até a porta em passos largos, pensei em corrigir aquele "W" dele, mas não vi motivo para isso, não havia motivo pra reclamar de mais nada.
Na porta, quase saindo, vi o corpo desfigurado do pobre Cid, o cara era gente boa, apesar de ser um mala sem alça, chequei seu pulso, mesmo sabendo que já tinha ido pro espaço há um tempo. Remexi seus bolsos, peguei sua carteira, um couro bem bonito, com umas notas mais bonitas ainda dentro, guardei no bolso e tratei de sair daquele buraco.
Entrei no conversível herdado do meu tio e, ao dar partida na caranga, a loira estupenda do lad dance pulou junto comigo, fingiu-se de morta e fugiu quando não olhavam, que nem nos filmes. Me beijos e fomos embora. Tinha dinheiro no bolso e ia transar. A noite foi boa.