De dentro do meu
carro eu a vi com cabelos presos e enrolados, vestida de um jeito bem
largado, como as pessoas que moram na praia e simplesmente não ligam
para as bobagens que as pessoas da cidade ligam em termos de vaidade.
Estava perdido e parei o carro na guia para pedir informação para a
mulher, quando me dei conta ela já estava dentro do carro e
colocando o cinto. Puta, pensei. Vestia uma camiseta branca amassada
e que parecia um pouco encardida, uma calça jeans igualmente velha e
tinha um rosto bonito, mas não aquela beleza da televisão, parecia
alguém que já tinha sido muito linda em outra época e agora já
não era mais a mesma:
"Você sabe
chegar em Bertioga?" perguntei
"Sei, sim. Eu
sou de lá." tinha uma voz rouca e parecia drogada
"Então você
consegue ir me mostrando o caminho? Com esse escuro me perdi no meio
dessas ruas"
"Ok"
Não perguntei seu
nome naquele momento e acelerei o carro. A noite era fria e meus
vidros estavam fechados porque eu nem havia reparado neles. Me sentia
um nanico no banco do motorista, ele era muito baixo ou o volante
estava muito alto, de forma que eu só conseguia ver a rua do espaço
aberto no volante. Nada muito seguro, não? Ficamos em silêncio e na
rádio tocava alguma coisa, olhava para a mulher desconhecida e
aquilo parecia um filme. Eu dirigindo no breu da noite em direção
ao litoral com uma bela caiçara morena no banco do passageiro. Não
sei o que aquela moça queria, eu sabia o que queria.
"Faço o que
aqui?"
"Vira na
direita. É uma reta só depois disso, praticamente...você vai ver
só."
Confiei na
desconhecida e fui seguindo com o carro. Talvez ela me fizesse parar
em algum lugar onde depenariam meu carro e me matariam depois de
sodomizar meu rabo até o amanhecer. Agora é tarde, disse pra mim
mesmo, e segui as instruções da donzela misteriosa. As ruas estavam
vazias e me senti livre para fazer minhas barbeiragens por lá, alguns
caminhões passavam à toda velocidade e eu desviava deles sem medo,
com o pé no acelerador e sem pisar na embreagem para trocar as
marchas. Havia algo de estranho naquela noite. Eu não tinha
experiência nenhuma com carros e nunca me dariam uma caranga pra ir
até o litoral passar alguns dias e voltar depois, ainda mais durante
a noite! Ela parecia calma e despreocupada em seu banco do
passageiro, com o pé apoiado no Air bag e a mão segurando sua
cabeça. Trocamos algumas palavras e ela ia me guiando e eu desviando
dos caminhões e alguns carros que passavam por nós. Estava uma
merda pra enxergar a rua e eu tinha que me esticar muito no banco
para poder ver o que se passava na minha frente, mas mesmo assim eu
não parecia muito preocupado, não menos que ela. Sentia o cheiro de
mar e pensei em parar o carro e agarra-la ali mesmo, não fiz porque
talvez ela fizesse isso depois. Parei em frente a um cruzamento e ela
disse:
"Desce essa
ladeira e no outro cruzamento você vira pra esquerda"
Fiz o que ela mandou
e senti que a praia estava próxima, que talvez ela estivesse falando
a verdade e que não teria o carro depenado e nem o traseiro
estuprado. Possível que até arranjasse companhia para a noite, pra
variar um pouco. Virei aqui e ali e cheguei em uma ruazinha escura e
que parecia sem saída, com um portão no final que parecia dar pra
algum lugar que não uma casa. Cacete, vão me matar mesmo, lamentei
em minha cabeça e desliguei o carro quando parei numa guia. Olhei
para a morena e ela saiu do carro antes de mim, saí logo depois e
peguei minha mala no banco de trás. Ela foi até o portão e segui
seus passos sorrateiramente, olhando para todos os lados daquela
viela escura. A desconhecida abriu a porta e uma luz amarela
iluminava um lugarzinho medonho, não um estabelecimento ou casa ou
nada, uma espécie de divisória daquela região para o que eu
esperava muito que fosse a praia. Fechou a porta e deixei minha mala
em cima de uma mesa velha que tinha por lá. Então ela pegou uma
bicicleta que pensando agora não faço a mínima ideia de como foi
parar naquele lugar e a colocou em cima da mesa, tirou uma roda, fui
ajudar a tirar a traseira e não consegui, ela tirou a outra. Ri e
disse:
"Você é muito
bonita"
Ela riu e olhei pra
ela novamente. Não estava mais com os cabelos presos e a roupa
velha, seus cabelos agora estavam soltos e negros balançando pela
noite e ela usava um vestido azul marinho que lhe caía perfeitamente
bem. Estava mais do que linda.
"Huum, se você
me levasse no ****** eu até te daria um beijo" ela disse
abrindo um sorriso infantil
"Tudo bem"
respondi
Me aproximei da
desconhecida e a peguei pela cintura antes de dar-lhe um beijo
rápido. Sorrimos.
Comecei a procurar
alguma coisa dentro da minha mochila e falei:
"Droga, queria
ter trazido uma erva"
"Eu tenho aqui"
ela disse
Procurei na minha
mala e misteriosamente senti o toque de dois embrulhos de saco de
lixo recheados. Estranhei aquilo. E comecei a estranhar toda aquela
noite novamente. Não havia ido comprar nada e não sabia dirigir e
não tinha carro. Quem era aquela mulher? Esse vestido? Ela olhou
para mim:
"Por que você
não me leva até a praia que eu me viro de lá" sugeriu
"Não posso"
"Por que?"
"Sabe, é
porque na verdade eu ainda nem estou em Bertioga. Estou em São Paulo
nesse momento e só venho pra cá na segunda. Estou dormindo na minha
cama ainda, entende? Então prefiro aproveitar esse tempo que tenho
de sonho com você" e tudo fez sentido para mim.
Ela sorriu novamente
e tinha um olhar safado em seus olhos, agarrei-a pela cintura pela
segunda vez.
"Tudo bem
então. Vamos para o chuveiro" ela disse com seus lábios
sorridentes quase encostando nos meus
E então ouvi uma
voz ao telefone. No meio da rua, como se estivesse por todos os
lados. A mulher foi sumindo como num túnel e fui percebendo o que
estava realmente acontecendo. A noite, a luz amarela, o carro com
volante alto ou banco baixo, a desconhecida, o beijo, a porta de
ferro...tudo estava desaparecendo na minha frente e não podia fazer
nada a respeito. O corpo dela se separou do meu. A voz no telefone
conversava com alguém. Estava de volta no meu quarto. E o telefone
continuava desse lado.
"Merda"
xinguei minha cama azul
Levantei.
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