domingo, 16 de dezembro de 2012

O perdido e a caroneira.



   De dentro do meu carro eu a vi com cabelos presos e enrolados, vestida de um jeito bem largado, como as pessoas que moram na praia e simplesmente não ligam para as bobagens que as pessoas da cidade ligam em termos de vaidade. Estava perdido e parei o carro na guia para pedir informação para a mulher, quando me dei conta ela já estava dentro do carro e colocando o cinto. Puta, pensei. Vestia uma camiseta branca amassada e que parecia um pouco encardida, uma calça jeans igualmente velha e tinha um rosto bonito, mas não aquela beleza da televisão, parecia alguém que já tinha sido muito linda em outra época e agora já não era mais a mesma:
"Você sabe chegar em Bertioga?" perguntei
"Sei, sim. Eu sou de lá." tinha uma voz rouca e parecia drogada
"Então você consegue ir me mostrando o caminho? Com esse escuro me perdi no meio dessas ruas"
"Ok"

   Não perguntei seu nome naquele momento e acelerei o carro. A noite era fria e meus vidros estavam fechados porque eu nem havia reparado neles. Me sentia um nanico no banco do motorista, ele era muito baixo ou o volante estava muito alto, de forma que eu só conseguia ver a rua do espaço aberto no volante. Nada muito seguro, não? Ficamos em silêncio e na rádio tocava alguma coisa, olhava para a mulher desconhecida e aquilo parecia um filme. Eu dirigindo no breu da noite em direção ao litoral com uma bela caiçara morena no banco do passageiro. Não sei o que aquela moça queria, eu sabia o que queria.
"Faço o que aqui?"
"Vira na direita. É uma reta só depois disso, praticamente...você vai ver só."

   Confiei na desconhecida e fui seguindo com o carro. Talvez ela me fizesse parar em algum lugar onde depenariam meu carro e me matariam depois de sodomizar meu rabo até o amanhecer. Agora é tarde, disse pra mim mesmo, e segui as instruções da donzela misteriosa. As ruas estavam vazias e me senti livre para fazer minhas barbeiragens por lá, alguns caminhões passavam à toda velocidade e eu desviava deles sem medo, com o pé no acelerador e sem pisar na embreagem para trocar as marchas. Havia algo de estranho naquela noite. Eu não tinha experiência nenhuma com carros e nunca me dariam uma caranga pra ir até o litoral passar alguns dias e voltar depois, ainda mais durante a noite! Ela parecia calma e despreocupada em seu banco do passageiro, com o pé apoiado no Air bag e a mão segurando sua cabeça. Trocamos algumas palavras e ela ia me guiando e eu desviando dos caminhões e alguns carros que passavam por nós. Estava uma merda pra enxergar a rua e eu tinha que me esticar muito no banco para poder ver o que se passava na minha frente, mas mesmo assim eu não parecia muito preocupado, não menos que ela. Sentia o cheiro de mar e pensei em parar o carro e agarra-la ali mesmo, não fiz porque talvez ela fizesse isso depois. Parei em frente a um cruzamento e ela disse:
"Desce essa ladeira e no outro cruzamento você vira pra esquerda"

   Fiz o que ela mandou e senti que a praia estava próxima, que talvez ela estivesse falando a verdade e que não teria o carro depenado e nem o traseiro estuprado. Possível que até arranjasse companhia para a noite, pra variar um pouco. Virei aqui e ali e cheguei em uma ruazinha escura e que parecia sem saída, com um portão no final que parecia dar pra algum lugar que não uma casa. Cacete, vão me matar mesmo, lamentei em minha cabeça e desliguei o carro quando parei numa guia. Olhei para a morena e ela saiu do carro antes de mim, saí logo depois e peguei minha mala no banco de trás. Ela foi até o portão e segui seus passos sorrateiramente, olhando para todos os lados daquela viela escura. A desconhecida abriu a porta e uma luz amarela iluminava um lugarzinho medonho, não um estabelecimento ou casa ou nada, uma espécie de divisória daquela região para o que eu esperava muito que fosse a praia. Fechou a porta e deixei minha mala em cima de uma mesa velha que tinha por lá. Então ela pegou uma bicicleta que pensando agora não faço a mínima ideia de como foi parar naquele lugar e a colocou em cima da mesa, tirou uma roda, fui ajudar a tirar a traseira e não consegui, ela tirou a outra. Ri e disse:
"Você é muito bonita"

   Ela riu e olhei pra ela novamente. Não estava mais com os cabelos presos e a roupa velha, seus cabelos agora estavam soltos e negros balançando pela noite e ela usava um vestido azul marinho que lhe caía perfeitamente bem. Estava mais do que linda.
"Huum, se você me levasse no ****** eu até te daria um beijo" ela disse abrindo um sorriso infantil
"Tudo bem" respondi

   Me aproximei da desconhecida e a peguei pela cintura antes de dar-lhe um beijo rápido. Sorrimos.
Comecei a procurar alguma coisa dentro da minha mochila e falei:
"Droga, queria ter trazido uma erva"
"Eu tenho aqui" ela disse

   Procurei na minha mala e misteriosamente senti o toque de dois embrulhos de saco de lixo recheados. Estranhei aquilo. E comecei a estranhar toda aquela noite novamente. Não havia ido comprar nada e não sabia dirigir e não tinha carro. Quem era aquela mulher? Esse vestido? Ela olhou para mim:
"Por que você não me leva até a praia que eu me viro de lá" sugeriu
"Não posso"
"Por que?"
"Sabe, é porque na verdade eu ainda nem estou em Bertioga. Estou em São Paulo nesse momento e só venho pra cá na segunda. Estou dormindo na minha cama ainda, entende? Então prefiro aproveitar esse tempo que tenho de sonho com você" e tudo fez sentido para mim.

   Ela sorriu novamente e tinha um olhar safado em seus olhos, agarrei-a pela cintura pela segunda vez.
"Tudo bem então. Vamos para o chuveiro" ela disse com seus lábios sorridentes quase encostando nos meus

   E então ouvi uma voz ao telefone. No meio da rua, como se estivesse por todos os lados. A mulher foi sumindo como num túnel e fui percebendo o que estava realmente acontecendo. A noite, a luz amarela, o carro com volante alto ou banco baixo, a desconhecida, o beijo, a porta de ferro...tudo estava desaparecendo na minha frente e não podia fazer nada a respeito. O corpo dela se separou do meu. A voz no telefone conversava com alguém. Estava de volta no meu quarto. E o telefone continuava desse lado.
"Merda" xinguei minha cama azul

Levantei.

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