terça-feira, 21 de agosto de 2012

A heroína


  • Quando você vai parar de enfiar essa MERDA no seu corpo? - perguntou Laura com desespero em sua voz
Burno não respondeu, não queria e não podia responder no momento. Se encontrava sentado em um canto fedido de seu quarto, com grandes olheiras e barba por fazer, usando apenas um pequeno e apertado shorts que deixava sua coxa branca à mostra. Um elástico grande ainda prendia a circulação de seu braço e um pequeno filete de sangue escorria sem pressa de um minúsculo furo feito com a seringa, por onde uma generosa dose de heroína entrara e agora corria pelo seu organismo, entorpecendo seus sentidos e fazendo-o se sentir bem como não se sentia há dias:
  • Você quer mesmo continuar com isso? Você estava indo bem todos esses dias!
  • Foda-se – murmurou com esforço, sua cabeça pendendo de um lado para o outro, como se estivesse solta no pescoço
  • Isso nunca vai te fazer se sentir bem, você sabe disso.
  • Aí que você se engana, gatinha. Hehehe – cuspiu e soltou uma risada cadavérica enquanto a saliva densa balançava como uma teia de aranha pelo seu queixo
  • Olha o seu estado! Nojento, jogado nesse canto aí sozinho. O que você quer esconder de todos? - Laura agora tinha lágrimas querendo rolar pelos seus olhos verdes
Bruno novamente não respondeu nada, encostou sua cabeça na parede descascada do cômodo bagunçado e ficou como que em transe por alguns segundos, olhando para o teto e ouvindo sua amiga dar pequenos soluços. Se levantou lentamente de seu refugio, deixando gotas de sangue, seringas e outras coisas que completavam o cenário junkie no chão de madeira negra. A luz do dia batia nos olhos verdes ou azuis e no cabelo moreno de Laura, sua boca rosada tremulava com o horror da cena de alguém viver em tais condições e não fazer absolutamente nada para sair disso.
O rapaz desceu as escadas estreitas e seguiu para o banheiro, Laura o seguia como uma mãe desesperada, talvez imaginando que ele estivesse doidão demais para percebe-la. Bruno abriu a torneira e deixou a água correr livre uns instantes, um pequeno prêmio por ter deixado-a envelhecendo naquele encanamento por tantos dias em que simplesmente não lembrou de jogar uma água pelo corpo. Fez uma concha com as mãos e encheu com água fria da torneira, abaixou a cabeça na altura da pia e lavou o rosto com aquela água gelada, deixando escorrer elo seu peito até os pés. Repetiu o processo todo mais algumas vezes até parar de sentir o óleo acumulado no seu rosto dos dias que não chegou nem perto do chuveiro. Laura assistia a tudo ainda como uma sombra, suas lágrimas já haviam cessado e agora olhava para o amigo ainda com tristeza, mas a sensação de estar ao seu lado ainda lhe causava um estranho conforto, mesmo em ocasiões como a que se encontravam agora. Olhar para aquele rapaz a fazia lembrar das risadas que deram juntos anos atrás, quando ainda eram inocência e tesão, sem amores destruindo suas almas e químicas comendo o que sobrou.
O jovem terminava de jogar água e sabão pelo seu antebraço manchado com sangue seco que havia escorrido há pouco, pegou um pano e secou bem o rosto, depois passou no braço, por cima da região ainda havia se picado e que agora tinha uma bola roxa de hematomas consequentes de seus atos:
  • Você está com outra cara agora! - sorriu a garota quando Bruno saiu do banheiro
  • Eu estava só o caco mesmo
  • Há quanto tempo você não usava?
  • Três dias. Quase morri de tanto cagar e não dormi nada bem – riu o jovem
Laura permaneceu quieta e foi com o amigo até a sala, se sentaram no sofá laranja e ficara sem falar nada por alguns minutos. A luz do Sol da tarde entrava como uma brisa pela porta aberta, alguns pássaros perdidos na cidade assobiavam em busca das poucas árvores que ainda restavam nesse planeta. A amiga pensava no livro que lia ou no filme que assistiria com um garoto naquela noite, imaginava se ainda tinha algum dinheiro para ir ou se o seu encontro bancaria tudo, como de costume. Ela olhou para o lado quando se desvencilhou de seus devaneios e Bruno a encarava com uma cara sem expressão, seus olhos sem brilho pareciam admira-la e aquilo assustou a garota:
  • Bom, acho que eu já vou indo, tenho que passar em casa, tomar banho e sair. Vou no cinema com o Rafa...
  • Você é a garota mais bonita que eu conheço – interrompeu o amigo, abrindo um sorriso que mostrava seus dentes amarelados
  • Ah, valeu. Você nunca tinha dito isso antes – falou bem surpresa
  • Acho que nunca mesmo. Fica mais aí, gatinha, depois te levo até em casa. Só tomo um banho qualquer só pra variar..
  • Eu tenho que ir, meu. Demoro uma eternidade pra me arrumar, você sabe.
  • Fica e vê se tem algum bagulho pra gente comer enquanto eu procuro algum bagulho pra gente fumar por aqui.
  • Não dá, cara. Tenho que esperar minha mãe ainda pra pegar uma grana e sair, né – respondeu finalizando a conversa
Bruno respondeu com um resmungo e a garota riu. Levantaram quase que ao mesmo tempo e foram se despedir. O Sol da tarde ainda reluzia em seus olhos verdes ou azuis e seu sorriso branco lembrou a Bruno um estranho tipo de paraíso idealizado. Se beijaram no rosto e Laura seguiu para o êxtase de sua vida e Bruno ainda desfrutava da sua completa anestesia do ser.

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