sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A teimosia das folhas verdes com a chegada do outono.


Ilustração: Edmilson Silva  
http://eddie-art.tumblr.com/

 O verão havia acabado e a árvore ainda estava pesada, carregada de folhas verdes e largas e vivas e belas. Com o outono todas elas deveriam sair e deixar a árvore nua com seus galhos parecendo ramificações de ossos estruturados pelo grande tronco vertebral daquela planta anciã.
"Vamos, folhas, hora de vocês amarelarem." falou
"Como assim?"
"O outono chegou! Agora vocês devem cair e me deixar em paz até o inverno chegar."
As folhas verdes e largas e vivas e belas ficaram em silêncio na floresta e o comandante árvore esperou pela resposta.
"Mas aqui é tão confortável, aqui do alto conseguimos ver toda a floresta" protestou um galho cheio de folhas no topo da árvore.
"Não quero saber. É a natureza, vocês devem cair e morrer. É a lei."
"Pois foda-se a lei, árvore. Não sairemos daqui nesse outono."
Escutem, estou existindo aqui há muito tempo e todos os anos as folhas caem no outono e me deixam careca. Vocês não são as primeiras a reclamarem e não serão as primeiras a desobedecerem a Natureza."
"Nós não sairemos" insistiram.
"Sejam razoável, folhas. O que falo para nossa Mãe se forem mal criadas? Que não me ouviram e que deixei assim? Não me importa de vocês ficarem ou não, apesar de estar cansada de toda essa cabeleira, mas nossa Mãe não gosta de ser desobedecida."
"Deixe que nós lidamos com ela" tentaram tranquilizar a árvore.
A árvore desistiu de discussão com as teimosas folhas verdes e largas e vivas e belas e deixou que o outono chegasse e o tempo fizesse seu trabalho, temendo o que sua Mãe faria quando visse uma árvore verdinha e cheia de vida no meio do outono. Tremeu de medo e algumas de suas folhas verdes caíram na terra.
O outono já estava na metade do seu caminho e as folhas teimosas ainda estavam lá naquela árvore, todas elas chamando a atenção dos animais que habitavam aquela região. Estavam todas verdes e largas e vivas e belas enquanto todo o resto era laranja e amarelo e decadente pela floresta. A árvore ainda temia a repreensão da Mãe quando ela decidisse manifestar-se. E aquilo aconteceria exatamente naquele momento, quando a árvore com as folhas verdes estava distraída sendo uma árvore com folhas verdes e uma voz falou e amedrontou a todos e fez a árvore tremer do começo de suas raízes ramificadas até o último galho de sua copa. Era sua mãe:
"Árvore, porque suas folhas ainda estão de pé quando todas as outras de todas as outras árvores da floresta estão no chão?" perguntou irritada
"Bom..é, Mãe...eu falei que elas teriam que sair. Ordenei que saíssem mas são a leva de folhas mais teimosas que já tive. Não quiseram sair nem com um raio caindo aqui e queimando-as todas."
"Mas elas tem que cair, árvore. É a lei. Se elas não caem outras não vão querer cair e isso pode desequilibrar tudo por aqui. Elas DEVEM cair ou você será a responsável pelo que acontecer depois, ouviu?"
"Mãe, fale com elas, elas haviam dito que conversariam com você quando você chegasse."
"Pois bem, manifestem-se" ordenou a Mãe Natureza.
As folhas permaneceram em silêncio e a árvore ficou tão envergonhada que começou a balançar até todas concordarem em abrir a boca, derrubando dezenas de folhas verdes no chão:
"Mãe, nós não queremos sair daqui. É um bom lugar, com uma boa vista e nós queremos ficar mais. Por que raios não podemos?" protestaram
"Eu preciso explicar tudo de novo?!" disse mais irritada ainda "Não podem ficar, é a lei do Universo. As coisas funcionam assim desde sempre, crianças, vocês não querem que o Universo tenha que descer até aqui e fale com vocês. Ou querem?
"É...não"
"Pois caiam e deem espaço para novas folhas verdes e largas e vivas e belas."
"Não" insistiram
"ORDENO QUE SAIAM!" E a voz carregada de fúria da Mãe Natureza ecoou por toda a floresta, fazendo a árvore e muitas outras árvores tremerem e derrubarem suas folhas mortas ou vivas pelo chão de terra.
As folhas pararam sua respiração por um momento e suaram frio:
"Mãe, desculpe, mas nós já conversamos bastante sobre isso entre nós e não vamos sair dessa árvore nesse outono. Aceite isso. Ok?"
Não obtiveram resposta alguma. Haviam ganhado, pensaram. A árvore percebeu as outras árvores olhando para ela e sabia que aquilo não havia acabado ainda. Pensou no que poderia acontecer, tremeu e mais folhas caíram.
Algumas semanas depois tudo continuava o mesmo, tirando o tempo que estava fechado há alguns dias. Quase todas as árvores estavam peladas e suas folhas mortas adubando a terra enquanto a árvore com as folhas verdes e largas e vivas e belas continuava lá como uma árvore teimosa. A árvore pensava menos na punição da Mãe, mas ainda tinha certeza que haveria represálias contra tamanha desobediência daquelas folhas. As folhas verdes falavam que ela não devia se preocupar, que era apenas uma árvore e aquilo não mudaria a natureza e não causaria desequilíbrio algum. A árvore ficava quieta e atentava-se à tempestade que sabia que estava a caminho.
Alguns dias depois a árvore com as folhas teimosas notou uma completa falta de vida pela floresta. Os únicos animais que havia visto durante o dia estavam refugiando-se em tocas ou estocando providências e ela soube que a tempestade finalmente havia chegado e avisou às folhas, que sentiram medo do que estava por vir. Um vento forte começou a balançar os galhos secos das árvores e folhas vivas e mortas começaram a voar de lá pra cá. Então a tempestade começou pra valer, e foi uma das mais fortes que aquela floresta passou desde muito tempo. O vento derrubava galhos e a chuva forte encharcou toda a floresta, amedrontando todos os seres daquele lugar. A árvore teimosa balançava com o vento e suas folhas verdes e largas e vivas e belas voavam dos galhos, indo parar centenas de metros adiante, varridas pela tempestade. Um raio acertou o galho no topo que tinha a melhor vista da floresta e quase botou fogo na pobre coitada, o galho cheio de folhas verdinhas também saiu voando para longe com o fortíssimo vento que abalou a tudo por lá, mas principalmente a árvore teimosa.
A tempestade varreu toda a árvore e quase a incendiou, se não fosse pela água da chuva. Ela estava agora igual a todas as outras devem estar no outono: nua, com ramificações de ossos galhosos e seu tronco vertebral apenas, sem cabelo, apenas sua estrutura esperando pela próxima leva de folhas do inverno. Quando chegariam folhas verdes e largas e vivas e, principalmente, belas. A tempestade chegou ao fim logo depois que a pobre árvore se viu completamente sem suas belas folhas e o céu se abriu azul e tranquilo, acentuado por um frio suave e reconfortante de um outono completo.

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