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Ilustração: Edmilson Silva http://eddie-art.tumblr.com/ |
O verão havia acabado e a árvore ainda estava pesada, carregada de folhas verdes e largas e vivas e belas. Com o outono todas elas deveriam sair e deixar a árvore nua com seus galhos parecendo ramificações de ossos estruturados pelo grande tronco vertebral daquela planta anciã.
"Vamos, folhas,
hora de vocês amarelarem." falou
"Como assim?"
"O outono
chegou! Agora vocês devem cair e me deixar em paz até o inverno
chegar."
As folhas verdes e
largas e vivas e belas ficaram em silêncio na floresta e o
comandante árvore esperou pela resposta.
"Mas aqui é
tão confortável, aqui do alto conseguimos ver toda a floresta"
protestou um galho cheio de folhas no topo da árvore.
"Não quero
saber. É a natureza, vocês devem cair e morrer. É a lei."
"Pois foda-se a
lei, árvore. Não sairemos daqui nesse outono."
Escutem, estou
existindo aqui há muito tempo e todos os anos as folhas caem no
outono e me deixam careca. Vocês não são as primeiras a reclamarem
e não serão as primeiras a desobedecerem a Natureza."
"Nós não
sairemos" insistiram.
"Sejam
razoável, folhas. O que falo para nossa Mãe se forem mal criadas?
Que não me ouviram e que deixei assim? Não me importa de vocês
ficarem ou não, apesar de estar cansada de toda essa cabeleira, mas
nossa Mãe não gosta de ser desobedecida."
"Deixe que nós
lidamos com ela" tentaram tranquilizar a árvore.
A árvore desistiu
de discussão com as teimosas folhas verdes e largas e vivas e belas
e deixou que o outono chegasse e o tempo fizesse seu trabalho,
temendo o que sua Mãe faria quando visse uma árvore verdinha e
cheia de vida no meio do outono. Tremeu de medo e algumas de suas
folhas verdes caíram na terra.
O outono já estava
na metade do seu caminho e as folhas teimosas ainda estavam lá
naquela árvore, todas elas chamando a atenção dos animais que
habitavam aquela região. Estavam todas verdes e largas e vivas e
belas enquanto todo o resto era laranja e amarelo e decadente pela
floresta. A árvore ainda temia a repreensão da Mãe quando ela
decidisse manifestar-se. E aquilo aconteceria exatamente naquele
momento, quando a árvore com as folhas verdes estava distraída
sendo uma árvore com folhas verdes e uma voz falou e amedrontou a
todos e fez a árvore tremer do começo de suas raízes ramificadas
até o último galho de sua copa. Era sua mãe:
"Árvore,
porque suas folhas ainda estão de pé quando todas as outras de
todas as outras árvores da floresta estão no chão?" perguntou
irritada
"Bom..é,
Mãe...eu falei que elas teriam que sair. Ordenei que saíssem mas
são a leva de folhas mais teimosas que já tive. Não quiseram sair
nem com um raio caindo aqui e queimando-as todas."
"Mas elas tem
que cair, árvore. É a lei. Se elas não caem outras não vão
querer cair e isso pode desequilibrar tudo por aqui. Elas DEVEM cair
ou você será a responsável pelo que acontecer depois, ouviu?"
"Mãe, fale com
elas, elas haviam dito que conversariam com você quando você
chegasse."
"Pois bem,
manifestem-se" ordenou a Mãe Natureza.
As folhas
permaneceram em silêncio e a árvore ficou tão envergonhada que
começou a balançar até todas concordarem em abrir a boca,
derrubando dezenas de folhas verdes no chão:
"Mãe, nós não
queremos sair daqui. É um bom lugar, com uma boa vista e nós
queremos ficar mais. Por que raios não podemos?" protestaram
"Eu preciso
explicar tudo de novo?!" disse mais irritada ainda "Não
podem ficar, é a lei do Universo. As coisas funcionam assim desde
sempre, crianças, vocês não querem que o Universo tenha que descer
até aqui e fale com vocês. Ou querem?
"É...não"
"Pois caiam e
deem espaço para novas folhas verdes e largas e vivas e belas."
"Não"
insistiram
"ORDENO QUE
SAIAM!" E a voz carregada de fúria da Mãe Natureza ecoou por
toda a floresta, fazendo a árvore e muitas outras árvores tremerem
e derrubarem suas folhas mortas ou vivas pelo chão de terra.
As folhas pararam
sua respiração por um momento e suaram frio:
"Mãe,
desculpe, mas nós já conversamos bastante sobre isso entre nós e
não vamos sair dessa árvore nesse outono. Aceite isso. Ok?"
Não obtiveram
resposta alguma. Haviam ganhado, pensaram. A árvore percebeu as
outras árvores olhando para ela e sabia que aquilo não havia
acabado ainda. Pensou no que poderia acontecer, tremeu e mais folhas caíram.
Algumas semanas
depois tudo continuava o mesmo, tirando o tempo que estava fechado há
alguns dias. Quase todas as árvores estavam peladas e suas folhas
mortas adubando a terra enquanto a árvore com as folhas verdes e
largas e vivas e belas continuava lá como uma árvore teimosa. A
árvore pensava menos na punição da Mãe, mas ainda tinha certeza
que haveria represálias contra tamanha desobediência daquelas
folhas. As folhas verdes falavam que ela não devia se preocupar, que
era apenas uma árvore e aquilo não mudaria a natureza e não
causaria desequilíbrio algum. A árvore ficava quieta e atentava-se
à tempestade que sabia que estava a caminho.
Alguns dias depois a
árvore com as folhas teimosas notou uma completa falta de vida pela
floresta. Os únicos animais que havia visto durante o dia estavam
refugiando-se em tocas ou estocando providências e ela soube que a
tempestade finalmente havia chegado e avisou às folhas, que sentiram
medo do que estava por vir. Um vento forte começou a balançar os
galhos secos das árvores e folhas vivas e mortas começaram a voar
de lá pra cá. Então a tempestade começou pra valer, e foi uma das
mais fortes que aquela floresta passou desde muito tempo. O vento
derrubava galhos e a chuva forte encharcou toda a floresta,
amedrontando todos os seres daquele lugar. A árvore teimosa
balançava com o vento e suas folhas verdes e largas e vivas e belas
voavam dos galhos, indo parar centenas de metros adiante, varridas
pela tempestade. Um raio acertou o galho no topo que tinha a melhor
vista da floresta e quase botou fogo na pobre coitada, o galho cheio
de folhas verdinhas também saiu voando para longe com o fortíssimo
vento que abalou a tudo por lá, mas principalmente a árvore
teimosa.
A tempestade varreu
toda a árvore e quase a incendiou, se não fosse pela água da
chuva. Ela estava agora igual a todas as outras devem estar no
outono: nua, com ramificações de ossos galhosos e seu tronco
vertebral apenas, sem cabelo, apenas sua estrutura esperando pela
próxima leva de folhas do inverno. Quando chegariam folhas verdes e
largas e vivas e, principalmente, belas. A tempestade chegou ao fim
logo depois que a pobre árvore se viu completamente sem suas belas
folhas e o céu se abriu azul e tranquilo, acentuado por um frio
suave e reconfortante de um outono completo.
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