sábado, 4 de junho de 2011

Eric e William passeiam pela avenida

Estávamos William e eu sentados em um café do centro, próximo do metrô e dos antigos e luxuosos prédios habitados por sub-celebridades e artistas em decadência. Comiamos um misto quente elitizado que queimou a minha língua, pra variar,  e copos de uma bebida cara feita com mate. Conversávamos entre nós e, vez ou outra, com os atendentes do local.
- Essa porra aqui é boa demais, mas o tomate queimou a minha boca – reclamei com um sorriso idiota
- É mó merda isso, mas é bom ou não é o gosto? – os olhos quase esverdeados de Will me analisavam por trás de seu óculos.
- Pra caralho, puta merda, pão de batata deixa tudo melhor! Esse suco aqui também, muito melhor do que imaginava.
E assim continuamos por alguns minutos, jogando conversa entre amigos fora e, quando Will voltava sua atenção para algum atendente, olhava para trás e passeava os olhos por toda a rua. Era um lugar de dar inveja. Me sentia na década de 40 sempre que passava naquele lugar. Olhando a bela arquitetura de época e os velhos que ainda se vestiam elegantemente com o estilo que reinava naqueles tempos longínquos.
-Lugar foda, trabalharia aqui fácil – Falei para William enquanto me perdia em devaneios olhando para a simpática banca de jornal que ficava próxima à lanchonete onde estávamos.
- Adoro vir aqui, passo o dia inteiro quando venho – Senti inveja de sua sorte
Apesar de toda aquela região do centro ter mesmo um olhar de anos 40 decadente, aquele canto em especial parecia ter preservado toda a sua essência, quero dizer, fedia como todo lugar do centro e sempre havia mijo e mendigos por lá. Mas ainda sim o lugar mantinha a tranquilidade visual e sonora que só imaginamos que havia décadas atrás. O sol batia de canto no final daquela esquina, a sombra da tarde misturada com um leve frio tomavam conta do ar, enquanto artistas tomavam conta das ruas e pessoas tomavam conta de suas vidas. Terminamos de comer e fomos andando por lá, em direção ao metrô mais próximo. Aquele típico clima das tardes do centro reinava naquele lugar. Conversávamos sobre livros, como sempre, alguns filmes e garotas. Sempre pegávamos nossos assuntos a partir desses três tópicos e daí criávamos ramificações e derivações disso, misturando com sarcasmo e bobagens escatológicas que recheavam nossas vidas de merda.  Chegamos  ao metrô
- oi, moço. pode me comprar três passagens pra poder pegar minha mulher e meu filho e irmos pra casa, eles acabaram de sair do hospital aqui ao lado e.... – um homem suspeito que me deixou com dó.
-Não tenho...é...ah, cara, ando sem trocado...é que... – sempre fico sem jeito em situações assim.
- você tem, moço? – virou-se para William
- É...não tenho, cara. Dinheiro contado aqui pra comprar a minha. – Will e eu compartilhamos do mesmo talento para se comunicar com outros seres.
O homem foi mendigar suas três passagens para outra pessoa e nós dois tivemos uma breve conversa sobre quão merda era a vida dessas pessoas, que tinhamos muita dó e que, se fossemos ricos, jogariamos dinheiro por aí, assim ninguém mais teria que tomar no cu diariamente e se rebaixar perante os outros só para conseguir voltar para uma casa imunda e às suas miseráveis vidas.
Não me lembro exatamente qual foi o assunto que discutimos no vagão, mas lembro-me que envolvia música, mulheres e bandas frustradas da juventude.
-Que nem o que a Jane fez comigo, filha da puta. Mas na época não me importei muito, não me importo ainda, mas se ela morrer não fará diferença nenhuma na minha vida – Will comentava sobre ela
- É, foda. Não sei como o Julio aguentou ela por quase um ano. E depois vocês ainda discutiam por causa dela. Mulher não vale nada, é tipo a Campagnelli. Só me fodeu e ainda me fode.
- E você ainda fica lambendo ela, é um idiota. Na boa, cara, não queria que ela viesse hoje com a gente. Aliás, queria que só nós dois viéssemos hoje exatamente para discutir sobre essa porra toda que aconteceu semana passada.
-Ah, é foda...sei lá, nem gosto muito de pensar nisso, pqp – Sempre tento fugir
A iluminação no metrô era péssima, aquele branco de hospital, só que esmerdeado. Odiava aquela atmosfera e toda aquela gente incompetente que me rodeava por lá. Mesmo assim era apaixonado pelo metrô e a tranquilidade que ele me trazia quando andava nele durante as tardes de dias de semana. Me sentia em uma música dos primeiros discos do Bob Dylan, principalmente quando o clima típico que citei acima pairava pelo ar. Largaria qualquer livro só para poder ver aquela visão e imaginar Campagnelli abraçada comigo, beijando meu pescoço no vagão vazio, com seu sorriso infantil e seu olho quase imperceptível e calmo olhando para a mesma paisagem urbana que eu.
- Você vai querer o bandolim mesmo lá dos EUA? – perguntou tirando-me daquele devaneio que desejava que fosse eterno
-Ah, sim. Vê me traz uns dois Ray Ban daqueles fodidos de fabricação que são baratos e tal – respondi de uma vez só
- Vou ver velho, se eu nem for trazer mais nada – disse com incerteza
-  Relaxa, depois a gente vê isso.
E voltamos a intercalar conversas rápidas e devaneios utópicos de minha parte. Pensando em Campagnelli, óculos, Jane, Julio e bandolins e ukeleles. Mas sobretudo em Campagnelli
- Umas 15:20...15:30, não lembro – respondi
Descemos na estação que dentro de meia hora ou mais encontraríamos Campagnelli e descemos uma das travessas da avenida principal, procurávamos por qualquer coisa que valesse a pena ver, e conversávamos sobre depressão. Will sempre falava coisas que me eu pensava em falar no momento ou no ato. Combinávamos que nem um casal de velho que já sabe das manias de cada um, que sabe qual será o próximo ato, a próxima palavra, a próxima decepção. O fato de nós dois sermos bem frustrados com o andamento que a vida e o mundo levam, criou um laço forte entre nós dois. Não uma relação na qual só há reclamações, sentimentalismo e romancismo, mas com certeza o elo que nos ligou está escondido em alguma dessas características de nós dois.
Entramos numa velha livraria e paramos a conversa sobre depressão, iriam pensar que planejávamos um suicídio em massa, só tem nóia por lá. Logo de cara fomos para o lado mais distante da loja, abaixávamos e levantávamos em busca de livros que nem nós sabiamos quais. Só estávamos matando o tempo e acabamos encontrando coisas interessantes. Enquanto Will se entretinha na sua procura por livros de Henry Miller e animava-se com os baixos preços da loja, fui perguntar ao vendedor e, pelo que me parecia, dono da livraria, sobre alguns livros do Bukowski.
-Ahh, Bucóviski tem todos, mas acabou tudo. Sempre aparecem todos por aqui, mas a procura é grande, então some tudo bem depressa.
- Ahh sim
Troquei mais umas palavras aleatórias com o vendedor sobre “Bucóviski” e subi com William na escada que dava para outro andar da pequena livraria, lá encontramos um gosto em comum. Psicologia.
- Barato pra caralho tudo por aqui
-Né
Conversei com o dono da loja depois sobre a possibilidade de trocar gibis antigos do meu pai por alguns livros de psicanálise que me interessei. Com a falta de resposta esclarecedora por parte do homem, peguei uns cartões da loja e, junto de Will, nos despedimos do homem  e da gostosíssima vendedora que tinha acabado de chegar para seu expediente.
Estávamos atrasados para nos encontrarmos com Campagnelli, então subimos a rua de volta à avenida em passos um pouco mais largos, conversando novamente sobre mulheres e livros. Olhei para frente e me diverti um pouco com a vista que tinha dos carros atravessando a avenida, das pessoas correndo para seus trabalhos, atravessando as largas ruas do lugar para chegar em algum canto. Comecei a me arrepender  de querer sair com Campa novamente, Will sempre me advertia sobre o perigo que essa garota trazia para mim e, como sempre, estava certo. Nunca dei ouvidos a o que meus amigos mais íntimos tinham a me dizer.
Cumprimentei-a com timidez, como sempre. O mesmo fez William. Fomos conversando e andando em direção a mais alguma livraria pela região. Não fazia idéia do que eu falava ou o que fazia, só pensava e chorava internamente pelos dias em que Campagnelli e eu ficávamos deitados juntos olhando um para o rosto do outro, sem fazer ou falar nada, com a minha insegurança bem longe e não pensando em mais nada ou ninguém além daquela garota loira e branca que nem papel. Com os olhos fechados  e sem dar a mínima atenção à mim, só respondendo com um sorriso automático e vazio quando eu fazia alguma brincadeira apaixonada com ela, devia ter imaginado desde o começo o que aconteceria caso me apaixonasse, mas, como dizem...somos uns imbecis.

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