sábado, 13 de abril de 2013

Dois caras de terno e um almoço Lynchiano.


Dois indivíduos de terno em horário de almoço. Um de gravata verde escuro e o outro com gravata azul escuro. Azul fala primeiro:

  • E aí? Saiu com ela?
  • Sim
  • E aí?
  • Hm...não.
  • Ah...que merda, cara.
  • É...foda-se também, né?

Olham a avenida lotada de carros enquanto fumam seus cigarros em silêncio por alguns segundos. O de verde começa a história

  • Sabe, fui num restaurante...
  • (interrompendo) Que restaurante?
  • Vou falar, caramba.
  • Aonde?
  • Porra...então, lá eles tinham aquelas pernas de rã pra comer.
  • Da hora rã, adoro rã, tempão que não como uma rã.
  • Eu sei...eles tinham uma caralhada de pernas de rã penduradas num varal, sabe? Um monte...tipo uns trinta pares delas. E deixavam elas de frente pra janela que separa a cozinha do...
  • Ahhh...tipo aquela divisória que dá pra gente ver se os chefs não estão soltando um cagalho marrom claro na sua sopa (risos)...aposto que eles fazem merda na nossa comida mesmo assim, se quiserem. (olha a cara de insatisfação do amigo interrompido) – Ah...não interrompo mais.
  • Valeu.

Tragam seus cigarros e soltam a fumaça ao mesmo tempo. O de terno e gravata verde escura continua a história.

  • Tipo...lá estavam aquelas sessenta pernas magras e sebosinhas de anfíbio...a imagem já era meio macabra de se olhar enquanto tá almoçando, tá ligado?

O outro permanece em silêncio olhando fixamente para o amigo, como se estivesse se esforçando para não interrompe-lo. O contador da história vira os olhos para cima e continua.

  • Então eu fui dar um mijão quente porque tava um calor senegalês e quando volto, melhor, quando tava pra sair do banheiro, eu ouço um grito vindo lá do restaurante. Um bem seco e agonizante, daqueles de filme do Zé do Caixão...quase que volto pro vaso pra me cagar inteiro. Achei que fosse um assalto ou coisa do tipo.
  • O que era?
  • Eu abri a porta com todo o cuidado do mundo, esperando ver todo mundo no chão, mas as pessoas tavam sentadas ainda, olhando para a janela da cozinha. Meu Deus, man...eu olho pra aquele vidro e as pernas de rã estavam todas chacoalhando no varal. Todas lá, tremendo e pulando como se estivessem procurando a outra metade do corpo...cacete, que coisa bizarra. Uma mulher desabou no chão e um casal de senhores passaram mal lá dentro.

O ouvinte ficou em silêncio um tempo.
  • Só por causa das pernas de rã?
  • Huuum...você não tava lá, cara...aquilo é, com certeza, algo que não deveria ser mostrado na hora de uma refeição. Talvez no domingo à noite depois do Faustão...não...foi bizarro, bicho.
  • Como as pernas se mexiam? O cara batia no varal?
  • Eu sei lá, meu...terminei de comer virado de costas pra aquela janela. Fui dormir pensando o que mais eles não deixavam lá tremendo pela metade enquanto as pessoas comiam seu almoço.
  • Como assim? Elas se mexiam sozinhas? Não existe isso.
  • Sei lá, cara...é reflexo, às vezes você corta a cabeça da galinha e ela continua enchendo o seu saco, pulando pra lá e pra cá, sem cabeça nem nada...é a natureza.
  • A natureza às vezes parece uma cena de um filme do Lynch.
  • Muito! Pensei a mesma coisa quando saí de lá...devia ter filmado.
  • Devia mesmo.
  • Vamos lá depois pra almoçar...a comida é boa e o lugar também é bacaninha.
  • Imagino que seja...tem dança coreografada anfíbia enquanto você espera o coquetel de camarão com as margaritas.

Riem. O de gravata azul escuro tira um relógio de bolso de seu terno.

  • Hmm...tem dez minutos de almoço ainda. Quer pegar um açaí?
  • Sim. Uma cervejinha também?
  • Pode ser...pra tirar a doçura da boca.
  • E a amargura do ser.

Jogam suas bitucas longe e atravessam a avenida.

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