terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Depoimento da garota invisível.


   "É como ser invisível e tudo o que eu faço é como se uma empregada doméstica estivesse fazendo. Vivo soterrada e sozinha em casa, não perguntam como estou, como me sinto, só querem saber se estudei e se não estou grávida. De resto eu sou mais um peso, um obstáculo rumo à comidade deles, não me querem por perto, não querem saber o que se passa ao meu redor. Já não tento mais falar com eles porque eles nunca tentaram falar comigo. Ele então parece ser obrigado a me sustentar e tudo o que faz por mim é só para não ficar sujo com a minha mãe. Talvez ela ainda tenha um pouco do instinto materno e lembra de me alimentar e olhar minha cabeça de vez em quando, não sei."
   "Me sentia distante e alheia à sociedade. Minhas notas continuavam altas mas meus relacionamentos com outras pessoas pareciam cada vez mais frágeis e superficiais. Perdia minhas bases e a minha figura materna parecia tão distante quanto a paterna, mas eu morava com ela. Morava com ela e ainda tinha mais interesse vindo por parte de meu pai, que mora do outro lado da cidade. Eu passava metade das minhas tardes dormindo ou olhando para o nada no meu quarto. Computador parecia cada minuto mais insuportável e não respondia mais os meus amigos. Ficava lá, deitada no escuro, apenas deitada na porra meu escuro."
   "A primeira vez que tentei me matar foi bem estúpida. Estava sozinha em casa porque eles dois tinham viajado, tinham viajado da noite pro dia e me avisaram através de um bilhete "Estamos em Boracéia, voltamos no domingo, tem R$50,00 reais pra você passar o final de semana. Beijos", era alguma coisa assim. Peguei o dinheiro e comprei uma garrafa de vodka barata e tomei uma porção de remédios que achei na cômoda de quando minha mãe achou que tinha depressão. Tomei tudo e babi quase metade da vodka enquanto engolia os comprimidos. Depois de uns quarenta minutos comecei a me sentir enjoada e sonolenta, vi que aquilo não daria muito certo e que, na verdade, eu não tinha coragem de fazer isso. Corri ao banheiro antes de desmaiar, enfiei a escova do meu padrasto dentro da garganta e vomitei tudo no espelho, toda aquela gororóba e comprimidos semi digeridos escorrendo pelo meu reflexo esgotado e destruído. Desmaiei logo depois e acordei com o gorfo pingando dentro do meu ouvido. A escova dele eu passei uma água e guardei aonde sempre ficava."
   "Deixei aquela merda toda fedendo para que vissem o que estavam fazendo comigo. Quando chegaram demoraram mais de cinquenta minutos para sentirem o cheiro e irem até o banheiro, e na hora que tive coragem de dizer o que aconteceu, disseram que eu queria chamar atenção e que meu problema era com homem. Desisti dos dois e fui para o meu quarto continuar naquela minha escuridão, olhando para o teto e imaginando algum céu em cima de mim para me levar longe daquela casa, daquela vida."

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