quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Trombada.


Os primeiros raios laranjas
do Sol batem nas pálpebras
fechadas
do garoto moreno
elas se abrem
a esquina estava vazia e o
Sol iluminado
garrafas vazias, projetando seus próprios
arco-íris no chão
S    al   pi  c    a do de areia
um fino tapete
que vinha da praia durante o dia
e durante a noite também

Puxou o cobertor que cobria a ele e a sua mãe
-tomou cuidado para não acorda-la-
pegou a bolsa estropiada e
desbotada da mãe
procurou um pão
um pedaço
uma
migalha
cacos e mais cacos
nada que servisse para alimentação
deles de alguma forma;
jogou a bolsa de lado e ficou um tempo
sentado
na calçada, ao lado da adormecida maternal
pensando em uma padaria sem ninguém
só ele e sua mãe
e pães e leite
naquela hora era o que precisava ser pensado
apenas pensado mesmo.

Levantou-se com preguiça e jogou o seu pedaço de coberta
em cima do corpo da mãe
encarou seu rosto relaxado e adormecido
pensou na padaria novamente
e saiu andando para a rua logo depois da esquina.

O Sol laranja era lindo e simples
seus raios faziam o mar parecer
um show de fogo e água
lutando cada um por sua
beleza natural, dando o prêmio aos que madrugavam no litoral.
Forma natural da beleza. O garoto correu para a areia e seu pé sentiu
o frio
o formigamento
daquele terreno;
pensou em nadar
tomar um banho e tirar o cheiro de rua
"Não", pensou
-tinha comer, tinha que arranjar comida para a mãe, dinheiro talvez, não há tempo para brincar ou banhor de mar-
Tirou sua camiseta suja e doada pelo lixo
sentiu a brisa da manha bater em seu corpo de homem juvenil
as pequenas cócegas que seus quase que inexistentes pelos provocados pelo
vento fraco
fazem seu diminuto e já sofrido corpo
vibrar com vida;
fechou os olhos por um momento
para sentir aquela sensação que não custara nada
não matava, não dava fome ou atirava.
Estava simplesmente lá
aquela onda
o mar, a areia, o Sol laranja
seu corpo conectado a tudo isso
seus olhos fechados, sentindo-se bem
estava na padaria com a mãe, os pães, o leite, doces...

O mar batia atrás do garoto
enquanto voltava para a rua
a areia ficando mais fofa e fria
calçou aquela sandália que agora era um chinelo
subiu a escada
e estava na calçada salpicada de areia novamente.

Poucos carros e menos pessoas ainda
imaginou que devia ser algum feriado
-se fosse, havia acordado cedo, o dia não começaria aquela hora-

Caminhou olhando para o Grande Sol caminhar lentamente até o topo do dia
não estava mais laranjada, estava perdendo essa cor e tornando-se amarelado
aos poucos;
sua barriga roncou
sua barriga roncou
novamente
mudou de calçada
viu um boteco abrindo
o do seu Alfredo, velho bom
sempre o tratava como gente
como garoto
não o chutava ou expulsava
"Bom dia, garoto" – sorriu o velhote
o garoto sorriu e abanou com as mãos
viu umas bandejas e salgados embaçando o vidro do balcão
sua barriga roncou
e roncou tão forte que até o seu Alfredo ouviu e sentiu um frio subindo pela sua espinha velha:
"Quer comer um desses, menino?" - perguntou
o garoto magrelo sentiu uma pontada na cabeça e sua barriga cantou uma canção apaixonada
"Qual você quer?"
ele olhou para todos aqueles salgados
uns maiores, outros mais recheados
mais oleosos. Apontou para a coxinha,
o senhor abriu a portinhola de vidro
fumaça cheirosa, fresca, os salgados respirando o ar matinal
agarrou a coxinha com um guardanapo
o óleo ao redor molhou o guardanapo
os olhos do garoto
se abriram
brilharam
aquela bela e recheada coxinha, cheia de frango
ele ia ganhar aquilo. Seu Alfredo mais uma vez foi bom;
ele esticou a mão
Alfredo esticou a mão com o guardanapo manchado de óleo
ao redor do corpo redondo da coxinha

Abocanhou
Quente
Saliva
Dentes
Engole

Era perfeito. Olhou para o velho:
"Obrigado"- envergonhado
Alfredo sorriu. Apenas sorriu
voltou para seu trabalho na pia.

O menino sentou na guia, de frente para o mar
agora perdendo as chamas
aquela coxinha perfeita
o garoto a devorava em grandes dentadas
e pensou em guardar um pedaço para a mãe
ia comer metade
guardar o resto
ela ainda deixaria umas mordidas
para o rebento;

Observou a rua e imaginou como seria escrever
e ler
e saber o que tinha no jornal
e na internet
o que aparecia nas TV's dos bares e padarias
decidiu que ia aprender a ler
e ensinar sua mãe depois
aí poderiam ler os jornais que achavam
que dormiam, que tentava decifrar aquelas desenhos e o que os personagens falavam nas tirinhas.

Pensou nisso tão profundamente que esqueceu de guardar o pedaço para a mãe.
Enfiou o último naco na boca
e lembrou
não podia fazer mais nada. Mastigou o último pedaço quente da coxinha
engoliu, ótimo café da manha.

Não poderia saber quando teria outra dessas novamente.
Sua barriga pediu mais
ele a ignorou
ela devia dar-se por satisfeita.

Ouviu chiados vindo há poucas quadras
chiados que pausavam
continuavam
um parava e outro começava
formando uma sintonia de chiados
ele já havia ouvido esses chiados
se aproximou dos chiados que chiavam
e viu no chão a origem de tanta chiagem
constante, o que imaginava
garotos de boné, pixando um muro branquinho
skates no chão, jets chiando no muro
umas espécies de letras e números
-imaginou o garoto-
que vidrou naqueles cinco garotos de boné
no raiar da manha
desenhando a parede com belos rabiscos e tintas coloridas;
eles perceberam o garoto
comentaram algo entre eles
um deles com pele cor de papelão
e um boné cinza
-que o menino gostou-
entregou-lhe um spray vermelho
o menino sabia o que fazer
mas não como fazer
e ficou apontando com o spray vermelho na parede sem saber como aciona-lo
e se o conseguir, o que escrever?
Não sabia escrever. Sabia uns desenhos
o garoto do boné cinza e
pele cor de papelão
riu e explicou-lhe como fazer
pegou em sua esquelética e esfomeada mão
a mão cor de papelão cobriu toda a mãozinha do garoto, ele apertou seu dedo com aparência de palito
e um jato vermelho pintou a parede
e escorreu um pouco
"sangue", pensou o pequeno
desvencilhou-se da mão de boné cinza
e fez um risco na parede
em seguida lembrou de um dos únicos desenhos que sabia
um balão
pixou o balão, que chiou
e ficou bonito
e os cinco garotos de boné
e skate
riram e conversaram com o menino
e parabenizaram-no pelo balão vermelho
o garoto sorriu e se despediu
e seguiu seu rumo
em busca de sobrevivência
apenas.

Aquela manha parecia passar rápido
o Sol subiu apressado
e as pessoas começavam a aparecer
pelas ruas
amareladas pela estrela acima de todos.

O garoto sentiu que precisava
dar de comer
para a mãe dormindo
não tinha dinheiro, nem mesmo moedas
nem mesmo a bondade das pessoas da cidade
que era inexistente;
o ronco de sua barriga acompanhou o sol das ondas quebrando
aquele coxinha não fora suficiente
embora o tivesse dado uma energia naquela manha
pensou na mãe, arranjaria um presente para ela
algo para comer ou usar
ou vender
não tinha como arranjar grana naquele momento
honestamente
não queria ter que correr da polícia
e se arriscar
porém avistou uma moçoila
dando mole
um colar grosso de ouro
brincos e pulseiras, celular na orelha
agiu por instinto quando a loira passou ao seu lado. Pulou em sua cintura e escalou até o pescoço feito um macaco
puxou o pingente dourado
na descida do corpo da moça
puxou duas pulseiras
-uma prata, uma dourada- foi ver mais tarde
a mulher gritou, é claro
o menino correu
a moça gritou
o menino correu mais
a garota ainda gritava
alguém o perseguia
ele corre mais
SLAM – AHHH
Algo o atingiu com força na costela
ele não para, não para
alguém ainda o persegue
o Sol estava lindo
viu um muro que dava para uma vila, de lá entranhava-se nas ruas e estava livre
correu
a polícia o perseguiu com o cacete em punho
pulou
agarrou o muro num esforço só
já estava do outro lado
a polícia gritou do outro lado
ele diminuiu o ritmo mas ainda corria para o outro muro da vila
um ou outro olhavam
as mãos do trombada reluziam com a luz do Sol
ele riu
pulou, esforço único, rua. Voltou a andar
achou seus atalhos e escondeu os presentes de sua mãe na calça
estava atento para qualquer coisa
estava de manha
as árvores faziam sombras suaves e ainda era possível ouvir as ondas quebrando e morrendo na praia.
Como sempre devia ser.
Pensou naquela padoca
e ela não parecia tão distante assim agora
sorriu de leve e foi correndo para a mãe.

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