Os primeiros raios
laranjas
do Sol batem nas
pálpebras
fechadas
do garoto moreno
elas se abrem
a esquina estava vazia
e o
Sol iluminado
garrafas vazias,
projetando seus próprios
arco-íris no chão
S al pi c a do de
areia
um fino tapete
que vinha da praia
durante o dia
e durante a noite
também
Puxou o cobertor que
cobria a ele e a sua mãe
-tomou cuidado para não
acorda-la-
pegou a bolsa
estropiada e
desbotada da mãe
procurou um pão
um pedaço
uma
migalha
cacos e mais cacos
nada que servisse para
alimentação
deles de alguma forma;
jogou a bolsa de lado e
ficou um tempo
sentado
na calçada, ao lado da
adormecida maternal
pensando em uma padaria
sem ninguém
só ele e sua mãe
e pães e leite
naquela hora era o que
precisava ser pensado
apenas pensado mesmo.
Levantou-se com
preguiça e jogou o seu pedaço de coberta
em cima do corpo da mãe
encarou seu rosto
relaxado e adormecido
pensou na padaria
novamente
e saiu andando para a
rua logo depois da esquina.
O Sol laranja era lindo
e simples
seus raios faziam o mar
parecer
um show de fogo e água
lutando cada um por sua
beleza natural, dando o
prêmio aos que madrugavam no litoral.
Forma natural da
beleza. O garoto correu para a areia e seu pé sentiu
o frio
o formigamento
daquele terreno;
pensou em nadar
tomar um banho e tirar
o cheiro de rua
"Não",
pensou
-tinha comer, tinha que
arranjar comida para a mãe, dinheiro talvez, não há tempo para
brincar ou banhor de mar-
Tirou sua camiseta suja
e doada pelo lixo
sentiu a brisa da manha
bater em seu corpo de homem juvenil
as pequenas cócegas
que seus quase que inexistentes pelos provocados pelo
vento fraco
fazem seu diminuto e já
sofrido corpo
vibrar com vida;
fechou os olhos por um
momento
para sentir aquela
sensação que não custara nada
não matava, não dava
fome ou atirava.
Estava simplesmente lá
aquela onda
o mar, a areia, o Sol
laranja
seu corpo conectado a
tudo isso
seus olhos fechados,
sentindo-se bem
estava na padaria com a
mãe, os pães, o leite, doces...
O mar batia atrás do
garoto
enquanto voltava para a
rua
a areia ficando mais
fofa e fria
calçou aquela sandália
que agora era um chinelo
subiu a escada
e estava na calçada
salpicada de areia novamente.
Poucos carros e menos
pessoas ainda
imaginou que devia ser
algum feriado
-se fosse, havia
acordado cedo, o dia não começaria aquela hora-
Caminhou olhando para o
Grande Sol caminhar lentamente até o topo do dia
não estava mais
laranjada, estava perdendo essa cor e tornando-se amarelado
aos poucos;
sua barriga roncou
sua barriga roncou
novamente
mudou de calçada
viu um boteco abrindo
o do seu Alfredo, velho
bom
sempre o tratava como
gente
como garoto
não o chutava ou
expulsava
"Bom dia, garoto"
– sorriu o velhote
o garoto sorriu e
abanou com as mãos
viu umas bandejas e
salgados embaçando o vidro do balcão
sua barriga roncou
e roncou tão forte que
até o seu Alfredo ouviu e sentiu um frio subindo pela sua espinha
velha:
"Quer comer um
desses, menino?" - perguntou
o garoto magrelo sentiu
uma pontada na cabeça e sua barriga cantou uma canção apaixonada
"Qual você quer?"
ele olhou para todos
aqueles salgados
uns maiores, outros
mais recheados
mais oleosos. Apontou
para a coxinha,
o senhor abriu a
portinhola de vidro
fumaça cheirosa,
fresca, os salgados respirando o ar matinal
agarrou a coxinha com
um guardanapo
o óleo ao redor molhou
o guardanapo
os olhos do garoto
se abriram
brilharam
aquela bela e recheada
coxinha, cheia de frango
ele ia ganhar aquilo.
Seu Alfredo mais uma vez foi bom;
ele esticou a mão
Alfredo esticou a mão
com o guardanapo manchado de óleo
ao redor do corpo
redondo da coxinha
Abocanhou
Quente
Saliva
Dentes
Engole
Era perfeito. Olhou
para o velho:
"Obrigado"-
envergonhado
Alfredo sorriu. Apenas
sorriu
voltou para seu
trabalho na pia.
O menino sentou na
guia, de frente para o mar
agora perdendo as
chamas
aquela coxinha perfeita
o garoto a devorava em
grandes dentadas
e pensou em guardar um
pedaço para a mãe
ia comer metade
guardar o resto
ela ainda deixaria umas
mordidas
para o rebento;
Observou a rua e
imaginou como seria escrever
e ler
e saber o que tinha no
jornal
e na internet
o que aparecia nas TV's
dos bares e padarias
decidiu que ia aprender
a ler
e ensinar sua mãe
depois
aí poderiam ler os
jornais que achavam
que dormiam, que
tentava decifrar aquelas desenhos e o que os personagens falavam nas
tirinhas.
Pensou nisso tão
profundamente que esqueceu de guardar o pedaço para a mãe.
Enfiou o último naco
na boca
e lembrou
não podia fazer mais
nada. Mastigou o último pedaço quente da coxinha
engoliu, ótimo café
da manha.
Não poderia saber
quando teria outra dessas novamente.
Sua barriga pediu mais
ele a ignorou
ela devia dar-se por
satisfeita.
Ouviu chiados vindo há
poucas quadras
chiados que pausavam
continuavam
um parava e outro
começava
formando uma sintonia
de chiados
ele já havia ouvido
esses chiados
se aproximou dos
chiados que chiavam
e viu no chão a origem
de tanta chiagem
constante, o que
imaginava
garotos de boné,
pixando um muro branquinho
skates no chão, jets
chiando no muro
umas espécies de
letras e números
-imaginou o garoto-
que vidrou naqueles
cinco garotos de boné
no raiar da manha
desenhando a parede com
belos rabiscos e tintas coloridas;
eles perceberam o
garoto
comentaram algo entre
eles
um deles com pele cor
de papelão
e um boné cinza
-que o menino gostou-
entregou-lhe um spray
vermelho
o menino sabia o que
fazer
mas não como fazer
e ficou apontando com o
spray vermelho na parede sem saber como aciona-lo
e se o conseguir, o que
escrever?
Não sabia escrever.
Sabia uns desenhos
o garoto do boné cinza
e
pele cor de papelão
riu e explicou-lhe como
fazer
pegou em sua
esquelética e esfomeada mão
a mão cor de papelão
cobriu toda a mãozinha do garoto, ele apertou seu dedo com aparência
de palito
e um jato vermelho
pintou a parede
e escorreu um pouco
"sangue",
pensou o pequeno
desvencilhou-se da mão
de boné cinza
e fez um risco na
parede
em seguida lembrou de
um dos únicos desenhos que sabia
um balão
pixou o balão, que
chiou
e ficou bonito
e os cinco garotos de
boné
e skate
riram e conversaram com
o menino
e parabenizaram-no pelo
balão vermelho
o garoto sorriu e se
despediu
e seguiu seu rumo
em busca de
sobrevivência
apenas.
Aquela manha parecia
passar rápido
o Sol subiu apressado
e as pessoas começavam
a aparecer
pelas ruas
amareladas pela estrela
acima de todos.
O garoto sentiu que
precisava
dar de comer
para a mãe dormindo
não tinha dinheiro,
nem mesmo moedas
nem mesmo a bondade das
pessoas da cidade
que era inexistente;
o ronco de sua barriga
acompanhou o sol das ondas quebrando
aquele coxinha não
fora suficiente
embora o tivesse dado
uma energia naquela manha
pensou na mãe,
arranjaria um presente para ela
algo para comer ou usar
ou vender
não tinha como
arranjar grana naquele momento
honestamente
não queria ter que
correr da polícia
e se arriscar
porém avistou uma
moçoila
dando mole
um colar grosso de ouro
brincos e pulseiras,
celular na orelha
agiu por instinto
quando a loira passou ao seu lado. Pulou em sua cintura e escalou até
o pescoço feito um macaco
puxou o pingente
dourado
na descida do corpo da
moça
puxou duas pulseiras
-uma prata, uma
dourada- foi ver mais tarde
a mulher gritou, é
claro
o menino correu
a moça gritou
o menino correu mais
a garota ainda gritava
alguém o perseguia
ele corre mais
SLAM – AHHH
Algo o atingiu com
força na costela
ele não para, não
para
alguém ainda o
persegue
o Sol estava lindo
viu um muro que dava
para uma vila, de lá entranhava-se nas ruas e estava livre
correu
a polícia o perseguiu
com o cacete em punho
pulou
agarrou o muro num
esforço só
já estava do outro
lado
a polícia gritou do
outro lado
ele diminuiu o ritmo
mas ainda corria para o outro muro da vila
um ou outro olhavam
as mãos do trombada
reluziam com a luz do Sol
ele riu
pulou, esforço único,
rua. Voltou a andar
achou seus atalhos e
escondeu os presentes de sua mãe na calça
estava atento para
qualquer coisa
estava de manha
as árvores faziam
sombras suaves e ainda era possível ouvir as ondas quebrando e
morrendo na praia.
Como sempre devia ser.
Pensou naquela padoca
e ela não parecia tão
distante assim agora
sorriu de leve e foi
correndo para a mãe.
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