sexta-feira, 4 de março de 2011

Le prisonnier.

Levantou a cabeça rapidamente, logo após inalar uma diminuta carreira de cocaína vagabunda que arranjara nalgum canto daquele chiqueiro apelidado de cadeia. Seu ânus ainda latejava de dor; ele, um garoto francês, branco, barbeado e com um rosto suave, ele, que antes fora um bom namorado, fiel à sua amada, quase sempre pelo menos, agora jazia no fundo de sua cela fétida, gemendo baixinho e encontrando algum consolo no pouco de pó que encontrara nos utensílios do último condenado que fora esfaqueado lá. Seu rosto, inchado e roxo, também revelava pequenos filetes de sangue se originando dentro do nariz e por baixo de seus cabelos louros e encaracolados, não fazia a mais vaga idéia de o que havia acontecido com seu amigo, que também estava em algum lugar daquele inferno, ou não.
Sentou-se no canto mais escuro possível, baixou sua cabeça, encostando-a nos joelhos, e lá ficou por horas, sentindo a dor em sue traseiro ir e voltar lentamente, como uma bola de praia quicando pela areia molhada e dura, uma bela morena com seios fartos se aproximava dela, jogava para o mesmo e lá ficavam, rindo e correndo um atrás do outro que nem duas criança no auge de suas infâncias. Acordou. Olhou para o lado, realmente achando que era em casa, bom, de fato era sua casa, sua casa pelos próximos xxx anos, e era bom se acostumar rapidamente, ou iria sofrer as consequências bem mais do que já estava sofrendo desde que entrara lá, há menos de um dia.
Uma briga entre 5 condenados emergiu, quinze minutos após sair daquele sonho que outrora foi tão próximo e real, não conseguia achar outra saída a não ser se adaptar. Fez movimentos rápidos pra tentar ficar o mais longe o possível da briga, mesmo sendo uma tarefa quase impossível, todos os habitantes do cubículo já se mostravam bem entusiasmados, esperando o movimento do próximo só para poderem fazer parte daquela fanfarra, levavam na diversão, a vida era uma merda e a única maneira de anima-la era brigando, cheirando, fumando e transando entre eles mesmo, usando novatos caucasianos como ele, fantasiando serem louras, de pele branca e olhos claros, mulatas de olhos verde, morenas devassas e o que mais a imaginação pudesse trazer. Os carcereiros chegaram e amenizaram toda a algazarra utilizando de seus sprays e cacetetes como ferramentas, saira ileso de uma briga presidiária, era um homem, um homem forte, um homem branco e forte.
Acordou no dia seguinte antes de todos, resolveu que seria dessa forma todos os dias, faria um esforço interior incrível para acordar antes dos outros e poder ter o controle de todos pelo menos nesse horário, poder imaginar que, se quisesse, bastava pegar um dos travesseiros vagabundos e afundar no rosto do dono da cela, obstruindo suas vias respiratórios e conseguindo, então, respeito mútuo de toda a comunidade carcerária. É claro que ele tinha noção que Hollywood estava há bilhões de quilometros daquele lugar, que ele não sabia nem de perto onde era. Não queria saber também.
Todas as noites era violentado por 2 ou 3 gigantes, pretos que encontravam-se no direito de fazer tal coisa, logo com ele, um branco, um francês, um ariano. Ah, se tivessem idéia do que ele poderia fazer com esses crioulos há poucos meses atrás, a época de ouro, onde tudo era possível pra ele e sua família, sua namorada continuava intacta, com seu corpo perfeito e sotaque italiano bem leve quando pronunciava seu francês fluente, seu francês suave, que pronunciava lentamente e sem confiança alguma, sempre insegura quanto a isso e tantas outras coisas, se deleitava observando os suaves movimentos de sua boca e língua enquanto falava francês delicadamente e escorregava lentamente no italiano, corando-se inteira logo depois que ele tirava sarro de sua falha. Constantemente ele se recordava de certa manha, quando acordaram juntos, como sempre, ela nua em cima de seu corpo também despido, ela ainda dormia e ele só olhava para seu rosto perfeito, seu cabelo moreno e naturalmente liso e macio, sua face ainda perfeita, sem os hematomas, cortes, sangue e partes esmagadas em que agora se encontrava.
Chorou por dentro quando mais um negro, o maior deles, se aproximou de suas nádegas e apertou-as como se fosse uma vadia, uma prostituta qualquer que pagara pouco para possuir por uma hora, estuprou-o lenta e doloridamente, como sempre, e depois retirou-se para o seu canto na cela, deixando-o deitado nu em posição fetal, sentindo o morno do sêmen percorrendo e cortando toda a nádega esquerda.
No dia seguinte recebeu uma carta, uma carta muito bem escrita, muito bela e com um perfume suave em volta do papel bem característico, sentiu-se no paraíso quando a viu, mas no inferno quando a leu. Sua namorada continuava em coma, em estado gravíssimo de saúde, seus pais e os de sua namorada estavam há dois passos da depressão.
Passaram-se dias, alguns, e já sentia-se um pouco menos novato naquele lugar e já havia trocado palavras com alguns dos amáveis senhores que o faziam companhia no recinto. Também já não era mais o novato na cela, outro havia pegado seu concorrido lugar de violentado diariamente, um garoto Assumpção, um tal que ninguém devia mexer, ou seu avô, amigo dos militares, botaria no rabo de todos, segundo suas próprias palavras. Era violentado por dois de uma só vez quando terminava algum de seus entusiasmados discursos sobre sua família tradicional e rica. Era um nojento.
No almoço sentava com os mais brancos, eram mais tolerantes, preferia os neo nazistas, tinham respeito até dos negrinhos, apesar de não passarem de grandes filhos da puta metido a valentões, mas ainda deixavam-o andar com eles, já que era francês, branco e burguês.
Certa noite conseguiu descolar um baseado com um de seus novos amigos de cela, um dos únicos que não havia estuprado o rapaz quando esse adentrou ao sistema carcerário por considerar uma "coisa de negros e chicanos", ainda bem, pensou o francês. Acendeu o fino cigarro de marijuana, tomando cuidado para o cheiro não alcançar as narinas perfuradas de cocaína dos outros condenados e acaba com a festa, em poucas tragadas ele desapareceu com o cigarro e sentou-se relaxado no chão, preparando-se para ter o melhor momento de sua vida em muitas semanas. Sentiu o formigamento nos pés e fechou seus olhos, imaginando a praia branca de seus sonhos, com a devassa que há pouco ocupava o lugar de sua namorada, futura mulher e mãe de seus filhos, aquela que agora jazia em alguma cama de hospital, completamente inconsciente das coisas que aconteciam no mundo, com seu rosto parcialmente desfigurado e um trauma sexual que levaria para o resto de sua vida. Imaginou os dois se amando na cama do hotel de frente para o mar da viagem do ano passado, ela intercalando sorrisos e gemidos baixos, enquanto ele agarrava seus cabelos escuros com orgulho, como se estivesse mostrando para todos o que ele possuia, o que ele podia amar todos os dias, pelo resto de sua vida. Começou a lembrar de seu rosto desfigurado, pensando se deveria mesmo ter visto aquela cena, se devia mesmo ter discutido com ela por um motivo bobo, uma maldita bebedeira idiota, nada demais, tudo estava acabado, haviam detonado ela, ela nunca mais voltaria a ser o que era e ele estava realmente bem com aquilo, a amaria da mesma forma, mas ela, ahh ela, com toda a teimosia feminina, nunca o perdoaria, nunca. Nunca.
Não haviam passando nem 15 minutos, mas achou que eram 3 horas de viagem. Rezava para estar acabando logo, estava péssimo, chorando, soluçando alto e achando que acordava a todos com seus gritos, gritando pelo nome dela, pelo nome dos filhos que ele planejara ter com ela e agora estava tudo por água abaixo, nunca mais a amaria como amara nas noites de inverno, nas de verão, outono e primavera, seu corpo nu deitado sobre o dele, sorrindo suavemente graças a seus doces sonhos, que imaginava ser com ele. Gritava para dentro, o tempo todo, estava no maior silêncio do mundo, mas o pânico batera e ele não sabia mais o que fazer, queria gritar pelos seus pais, queria ir embora de lá, logo agora que estava se acostumando com aquilo, logo agora que iria conquistar respeito? Chorava, soluçava por seu estado, imbecil, inútil, deplorável, chorando por mulher, por dinheiro? Logo ele que queria tanto ser útil na sociedade? Vomitou no canto onde dormia, secou com um cobertor velho e dormiu aonde conseguiu, com fome, sede e prevendo um torcicolo na manha seguinte.
Agora fazia leves trabalhos na cadeia, na verdade era só um local de repouso para os traficantes, que continuavam fazendo o que faziam nas ruas lá dentro, só que com segurança e saúde garantida. Levava pequenas quantidades de narcóticos para outras celas, negociava e cobrava cigarros, travestis, bebidas, privilégios e o que mais tivesse algum valor naquele mundo paralelo. Seu respeito aumentara, assim como sua ansiedade e depressão, de dia fazia o papel de protegido pelos chefões da cela, aquele que não era mais estuprado e que já podia estuprar, e de noite era um maricas, era um covarde, com medo do escuro, com medo da rua, com medo de sua deformada namorada, temia que ela aparecesse durante seu sono e o vingasse, jogando óleo quente no seu rosto, chutando sua face até deforma-la por completo, esmagando-a com um extintor.
A correspondência chegou, trouxe uma coisa que ele não via há tempos, uma carta. Uma bela carta, perfumada e tudo o mais, com um belo papel macio e muito bem escrita, esperava boas novas, mas a realidade voltou e bateu em sua cabeça bem de leve, mandando-o acordar de seu momento breve e descuidado de ecstasy. Sua namorada finalmente falecera,  carta contava com detalhes seus últimos entediantes segundos de vida, não sentiu nada, nem viu, nem ouviu, nem cheirou nada antes de morrer, estava em seu coma profundo ainda, seu rosto limpo com cicatrizes profundas deformando-o e ainda era possível ver seu belo rosto por baixo de toda aquela crosta produto da podridão de um sem alma, um que teve o que mereceu, que a essas horas simplesmente não existe mais. Le prisonnier avait disparu et à sa place il n'y a rien.

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