domingo, 19 de maio de 2013

Cinco noites em branco.


   Rua das Palmeiras, 113, Santa Cecília. Não é o endereço da minha casa, nem da casa dos meus pais ou de ninguém da minha família. Era o endereço de Paulo e Fernando naquela região do centro, no apartamento apertado, sujo e bagunçado que eles dividiam há alguns meses. Alguns meses em que ninguém acreditava que ainda estavam vivos. Drogados e bêbados quase vinte e quatro horas por dia, sem comer ou dormir. Na última semana em que tive contato com eles, haviam acabado de arranjar meio quilo de cocaína de boa qualidade e estavam de férias de seus empregos entediantes e com os bolsos cheios de grana que não gastavam com outra coisa senão com droga, goró e pacotes e mais pacotes de miojo que serviam para deixa-los de pé.
Fernando trabalhava carregando caminhões com caixas pesadas de ração para animais. Paulo era empregado em um banco importante e conseguia tirar uma boa grana daquele serviço, o que dava para pagar o aluguel e as despesas ilícitas daqueles dois. Os dois não tinham feito faculdade alguma e haviam parado de estudar há um bom tempo, no tempo livre ficavam em casa cheirando e vendo TV ou matando tempo em algum bar.
1

Fernando jogou o saco branco em cima da mesinha de centro na sala apertada e o seu peso quase estraçalhou o fino vidro daquela mesa vagabunda. Quinhentos gramas de cocaína para os dois. Quanto tempo duraria aquele pacote? Menos que eles talvez? Mais do que poderiam aguentar? Duvidavam daquilo. Quinhentas formas puras de sair do que chamamos de real, quinhentos motivos para se afundarem naquele saco branco na mesinha de centro. Paulo sorriu e deu uma risada empolgado:
  • AHHHH! - Gritou excitado e riu mais
  • HAHAHA Quinhentos gramas, cara. Eu falei que ia conseguir, não falei? - disse Fernando
  • Abre aí e põe pra gente
  • Calma, calma, tudo a seu tempo.
Fernando foi até a cozinha, que não estava a nem quinze passos de distância e pegou um prato escuro dentro de um dos armários. Voltou para sala e pegou seu canivete que ficava ao lado do telefone cortado há alguns dias porque esqueceram de pagar. Abriu um buraco no saco fechado a vácuo e o pó branco começou a sair por lá, seus olhos brilharam e jogou uma quantidade boa da droga dentro do prato escuro. Ajeitou dois rabiscos grandes e Paulo já enrolava uma nota de vinte dólares que sempre usava para cheirar. Entregou a nota para Fernando, que abaixou e mandou aquele tiro numa só. Respirou fundo e entregou o canudo para o amigo, que fez o mesmo.
  • CARALHO! - exclamou Paulo, coçando o nariz
  • Não acredito que a gente tem meio quilo disso aqui à nossa vontade, cara!
  • Nossa, foda...
  • Já tô sentindo o suadouro vindo...calor do caralho.
  • Muito, é pura mesmo essa aí cara. Purinha.
  • Pura vida, hermano – disse Fernando
E riram e cheiraram muito até aquele dia acabar. E depois até a noite acabar e aquele prato e o saco ainda estavam cheios de cocaína pura e os dois acharam que tudo era possível enquanto aquele saco existisse dentro daquela casa, cheio é claro.

2

Estavam virados e na televisão dizia que passavam das dez da manha. Estavam os dois de cueca e se sentindo inteiros como se tivessem dormido dias e dias seguidos. Ainda cheiravam ininterruptamente e tentavam achar coisas pra se fazer naquela casa minúscula. Não queriam sair, não havia nada de interessante na rua, pelo menos não mais interessante que aquele meio quilo na mesinha de centro da sala, de frente pra televisão. Combinaram depois que chegou perto do almoço que deveriam parar de cheirar por um momento e tentar comer alguma coisa, ou não conseguiriam ficar de pé ou vomitariam bílis pelo tapete velho e seria uma merda pra limpar tudo. Foram e cozinharam quatro miojos dentro de uma panela, cada um de um sabor pra ver no que dava. Socaram e socaram e mesmo assim não conseguiam sentir apetite por aquela gororoba, enfiavam na boca e bebiam um gole de refrigerante pra engolir rápido. Depois de algumas garfadas de cada um, largaram a panela em cima do fogão e deixaram pra mais tarde, quando o corpo começasse a suplicar por comida mais do que por droga. Cheiraram mais e esperaram a tarde passar rapidamente:
  • Vou comprar cigarro, cara – disse Paulo
  • Ok, compra umas cervejas e mais uns maços também – e Fernando esticou uma nota de cinquenta para o amigo
  • Sim, não cheira tudo sozinho, hein...
  • Vou tentar.
Paulo foi em sua missão, com um saquinho fechado por um arame cheio do pó e Fernando ficou sozinho com aquele quase meio quilo em cima da mesinha. Já haviam usado bastante pra nem um dia de uso, tiveram que encher o prato duas ou três vezes desde que haviam começado a nóia. Fernando pensou que aquilo era sujo, sujo e maravilhoso. Sentia que sua vida era tão mais fácil quando não tinha aquilo por perto, mas tão mais aceitável quando tinha para usar o quanto quisesse. O mundo é estranho, pensou, um grande equilíbrio em que nada é 100% alguma coisa. O bom tem ruim e o ruim tem bom e os dois parecem lutar pelo domínio da mente humana constantemente. A cocaína tinha seu lado bom, com certeza, o prazer era a procura do ser humano e aquilo era o prazer pleno e instantâneo. Poucas sensações haviam superado a da cocaína para Fernando, apesar de não ser sua droga preferida ele gostava de abusar algumas vezes. Não ligava para consequências, nenhum dos dois ligava. Sabiam que elas existiam e que eram graves, mas quando entravam juntos de cabeça em uma onda autodestrutiva, demorava um tempo até que os dois se acertassem novamente. Juntos eram uma bomba relógio, morando juntos nem eles mesmo sabiam como ainda estavam vivos e sempre faziam e ouviam piadas a respeito. Armou mais um mas pensou em esperar seu amigo voltar antes de fazer novamente, queria ver se aguentaria a ansiedade de ver toda aquela droga na ponta do seu nariz e decidir a não usa-la porque simplesmente não queria. Mas só de ter pensado nisso já começou a sentir vontade, mas esperou bastante tempo olhando para o prato escuro que estava coberto de pó branco e Paulo não voltava de jeito nenhum. Onde ele foi comprar cigarro? Tinha uma padaria lá perto e um mercadinho não muito longe aonde ele certamente encontraria os cigarros e as cervejas, mas onde foi pegar os dois? Merda, merda...ele não aparecia. Pegou o canudo e mandou aquele tiro que estava namorando desde que o amigo saiu. Olhou na televisão e não tinham passado nem dez minutos.
Paulo voltou e trazia três sacos em suas mãos:
  • O que é isso aí?
  • Uma tequila e duas vodkas vagabundas. Não tinha cerveja.
  • Sem cerveja?
  • Sim, depois eu volto lá qualquer coisa, foda-se. Bota um pra mim aí, vai
Fernando esticou e passou a nota para o amigo, que lhe entregou um cigarro. Conversaram sobre parar de usar e sobre vícios. Depois fizeram outro acordo, de que não iam mais falar sobre parar de usar e sobre vícios enquanto restasse um grama de droga dentro daquele saco. Apertaram as mãos e abriram uma garra de vodka vagabunda, encheram dois copos de dose e viraram. Encheram mais dois e viraram. Mais dois e viraram. Assim talvez sentissem o álcool subir no meio de todo aquele torpor ilusivo causado pela cocaína e pelo sono atrasado e barriga vazia. Sim, a barriga vazia com certeza ajudou a vodka a subir mais rápido, mas a droga os mantinha sãos e de pé e continuaram mamando naquela vodka de pouco em pouco até a noite chegar ao fim. A noite, nem Paulo e nem Fernando sentiam cansaço ou algum tipo de fome. Ainda acordados e nem pensavam em dormir ou comer, estavam naquela mesma fissura há mais de um dia e seus narizes já estavam vermelhos de tanto esfregar e assoar. Durante a madrugada jogaram video game e beberam mais. Estavam tortos e falando coisas sem sentido, Paulo ameaçou desmaiar mas Fernando o pôs de pé com um raio de cocaína maior que seu antebraço:
  • Você tá bem, cara? - perguntou o amigo preocupado
  • Sim, mas vou esperar um pouco até o próximo tiro. Comer aquele miojo
  • É, eu também. Que horas são?
  • Não faço ideia, talvez....cacete, tô bebão nessa porra, nem essa farinha toda tá me endireitando mais – Paulo cambaleava pela casa, se apoiando nas paredes
  • Amanha a gente volta a beber. Quer tentar dormir um pouco depois?
  • Não
  • Nem eu.
Tentaram comer e ainda era impossível. Paulo achou uns pães velhos e recheou-os com o macarrão frio, talvez assim fosse mais fácil de engolir e alimentaria mais aquelas barrigas ilusoriamente cheias. Comeram um cada um e usavam o refrigerante para que tudo descesse rápido pela glote fechada. Ainda tinha sobrado miojo naquela panela e deixaram para o café da manha, se é que teriam um.
3

15h. Sem dormir e comendo o mínimo necessário para se manter de pé. Ainda tinham muita droga em cima da mesa e pareciam exaustos, apesar de não terem sono. Paulo fazia caretas involuntárias e às vezes falava coisas sem sentido. Fernando estava no mesmo caminho, mas ao invés das caretas ele tinha tiques nervosos que iam dos pés até os fios do cabelo, tinha taquicardia constantemente e seu nariz estava pior, mesmo não sentindo nada. Começaram a fazer desenhos com o canivete e com um canetão que acharam em uma das gavetas. Desenharam nas paredes e nas mesas, fizeram frases usando a cocaína do prato e depois cheiravam tudo, discutiram política e um futuro bar que poderiam abrir algum dia. Onde todos poderiam beber, fumar, cheirar e fazer o que bem entendessem lá dentro. O lugar perfeito para os amigos. Abriram a tequila e pegaram sal e limão para fazer aquilo direito. Não tinha limão então pegaram umas laranjas azedas que estavam por lá, beberam algumas doses e fumaram cigarros. Três dias naquela casa e nada de novo havia sido produzido. A televisão estava ligada desde então e já tinha rodado por todos os canais diversas vezes. Fernando olhou-se no espelho do banheiro e disse:
  • Puta merda, acho que vou tomar um banho, cara. Tô podre, preciso dar uma assoada nesse nariz e me limpar um pouco. Escovar os dentes, quem sabe.
  • Bichinha, vai lá tomar bainho vai – caçoou o amigo
  • Vai à merda, vai.
Fernando cheirou mais um pouco e subiu para tomar banho. Paulo pegou um papel e fez uns rabiscos loucos que em sua cabeça pareciam naturais, símbolos e alfabetos que havia criado em sua mente misteriosa e atormentada pela loucura da vida que ia levando há um tempo. Tentou parar com as caretas mas era algo involuntário. Olhou para o prato e riu da submissão daqueles dois jovens por algo tão insignificante e pequeno. Eram fracos e miseráveis, seus seres já estavam apodrecendo nas celas de sua cabeça. O mundo não significava mais nada ultimamente, apenas os campeões ganham os louros, a várzea come o que sobra nos pratos de porcelana chinesa. Mas naquele prato na mesinha de centro não ia sobrar nada, os pegadores e os fodões não encostariam naquele prato, não encostariam naqueles dois garotos destrutivos, estavam protegidos lá dentro e o mundo inteiro estava jogado às traças lá fora, ainda havia uma chance. Enquanto aquele prato mantivesse seu conteúdo e o saco branco servisse de refil, haveria uma chance para aqueles dois. Bebeu uma dose de tequila. Aquilo o fazia forte, aquilo o afastava do resto. As pessoas podiam se matar lá fora por um pedaço de pão, elas não eram mais importantes para Paulo do que aquela dose de tequila amarga. Sentia cada vez mais nojo por elas e sair na rua estava se tornando mais raro e deprimente. Cheirou. Fungou. Seu coração palpitava como o de um beija flor e seus olhos piscavam sem parar, sentia o corpo pedindo por descanso e comida, mas não tinha a vontade de nenhum dos dois. Sabia que precisava comer mas não queria naquela hora. O saco ainda estava cheio, o prato estava pela metade e alguns tiros já estavam esticados, prontos para a volta de Fernando do seu banho. Paulo escreveu em seu diário com o seu misterioso alfabeto de símbolos enquanto esperava o amigo sair do banheiro e foi até a cozinha beber água para repôr o que perdeu em todo aquele suadouro. Fernando desceu do banho com o corpo ainda úmido e cheiraram.
O resto da tarde só serviu para fomentar mais a insanidade crescente em suas cabeças. Começaram a ver séries de psicopatas e programas de investigação policial. Serial killers e assuntos do gênero sempre foram do interessante comum de ambos. Nas conversas que tinham durante as madrugadas jogando jogos de tabuleiro ou tentando escrever algo sempre arranjavam um jeito de colocar o assunto no meio. Fernando se interessava em como alguém se tornava um assassino, um manipulador de pessoas, um líder mundial; Paulo em seus pensamentos sombrios e secretos escondia uma estranha admiração e identificação naquelas pessoas sem sentimento, que podiam se passar por qualquer outra ou simular qualquer situação para poder chegar em quem quer. Os programas passavam um atrás do outro e os dois agitados ficavam ou sentados ou de pé ou andando ou indo de um cômodo para o outro, mas ouvindo tudo o que falavam sobre os loucos e os esquizofrênicos, toda aquela informação sendo bombardeada em suas cabeças já fodidas e exaustas pela droga. Senis e fisssurados, sem ter como pensar devido ao bloqueio que estavam colocando em suas frentes. Um bloqueio de cocaína da boa.
Naquela noite eles empurraram mais um pouco de comida pra dentro da barriga e tentaram parar de cheirar um pouco para poder dormir. Paulo conseguiu e dormiu por duas horas pausadas e mal dormidas, Fernando continuou mandando até o dia nascer novamente.

4

Refrigerante foi o café da manha, muito refrigerante para adocer aquele amargo seco. Fernando saiu para comprar mais e voltou com alguns cigarros e a cerveja. Paulo não estava em condições de sair de casa ou o mandariam para um manicômio devido aos seus espasmos musculares involuntários e sua aparência lamentável de quem não tomava um banho ou qualquer outro tipo de higiene básica há dias. Havia parado de rabiscar as paredes e agora desenhava em seu braço, coisa que mais tarde Fernando percebeu que era o início de tudo aquilo, mas estava chapado há tempo demais naqueles dias para perceber qualquer coisa de errado com ele ou com o amigo. Símbolos que pareciam de culturas desaparecidas há milênios cobriam o antebraço esquerdo de Paulo e agora partia para trabalhar o direito. Os dois achavam aquilo estiloso e então Fernando decidiu aprender um pouco daquele alfabeto misterioso e desenhou em seu braço alguns de seus poemas. Tiraram fotos de tudo aquilo. O saco perdia volume e o prato estava sempre carregado e com os tiros armados. Mais perto do que para as pessoas normais e sóbrias seria o almoço, Paulo perguntou:
  • Será que a cerveja gelou?
  • Não sei. Deve ter. Mas tava querendo mesmo era aquela Coca.
  • Tem aí à vontade – riu Paulo
  • A outra, a neguinha.
  • Vai lá ver, vai
  • Tsc... e Fernando foi até a cozinha
Voltou com duas cervejas e pareciam já estar geladas. Abriram e cheiraram antes do primeiro gole. Gelada.
  • Cacete, a gente tá cheirando há quantos dias? Fernando babou o líquido em seu peito
  • Acho que uns três e meio ou quatro. CACETE! Quatro dias virado nessa porra!
  • Puta merda, cara....queria ter um baseado agora pra acalmar.
  • Queria uma NEGRA pra eu SODOMIZAR o rabo e depois deixar o corpo numa vala por aí – pulou Paulo do sofá e sua expressão era de total insanidade
  • Seu pau não ia subir nem se ela fizesse o melhor dos boquetes em você, cara. Vai por mim...
  • Pior que eu sei, mas eu dou um jeito. Essa droguinha aí não me domina não.
Os dois riram e terminaram suas cervejas. Na televisão os programas policiais ainda rodavam sem parar, comendo suas mentes.
Foi durante aquela tarde que recebi uma ligação deles me chamando para visita-los e cheirar com eles aquela cocaína branquinha. Tinha algumas coisas para resolver e disse que passaria por lá mais pro final da tarde. Disseram que estariam me esperando e que trouxesse maconha e uma chave inglesa comigo. Não entendi o motivo daquela porra de pedido mas como eles estavam noiados e eu estava em casa e tinha uma dessas por lá, peguei e deixei no carro. A maconha já tinha em mãos. Busquei minha mãe em sua casa e a levei até o hospital para que cuidassem de sua perna operada, ela não quis que eu ficasse e também não insisti muito, de forma que só passei no shopping ao lado para comer e comprar um tênis e depois seguir para a rua das Palmeiras, 113, Santa Cecília, apartamento dos dois. Imaginava se havia mesmo tudo aquilo de droga que eles disseram que havia na casa pelo telefone e não duvidei da loucura nem de um, nem do outro. Já havia visto aqueles corpos enfiados em tanta merda que qualquer coisa era de se esperar deles depois de um tempo. Eram únicos.
Estava chegando perto da rua deles e podia ouvir um som alto vindo de algum lugar. Não pode ser, pensei, não tem como a música estar tão clara assim vindo do apartamento deles, nem saí do carro ainda, o MEU rádio ainda estava ligado. Procurei por algum carro tocando Marilyn Mason na rua e não havia ninguém. Só conhecia Paulo que ouvia Marilyn Manson e ainda mais naquele volume. Os vizinhos iam mandar expulsa-los do apartamento se não abaixassem aquele som maldito e tratei de parar logo o carro e ir avisa-los para abaixar aquela maldição.
Subi e o som estava mais alto. O elevador parou, saí e bati na porta. Bati de novo e me senti idiota com aquele chave inglesa na mão parecendo um encanador casual. Fernando abriu a porta.
  • E aí, bicho! Como vai? Entra aí. - sorriu e abriu toda a porta.
Entrei. O lugar estava caótico, muito pior do que qualquer história ou testemunha poderiam descrever. Papéis, canetas, objetos da casa, tudo jogado no chão ou em algum canto. Latas e garrafas vazias por todos os lados, papéis usados para assoar o nariz até no teto. Algumas paredes tinham desenhos e podia jurar que muitos foram feitos com sangue de algum ser. A aparência dos dois era apenas o reflexo do que o ambiente havia se tornado. Olheiras maiores que suas bochechas, hematomas por todo o corpo e aquele odor de suor azedo e velho empesteando a casa inteira. Fernando estava suando às bicas e Paulo estava dando mais um tiro quando o cumprimentei.
  • Cacete, caras...há quanto tempo vocês estão nessa?
  • Calculamos que agora deve ter completado o quarto dia...mas não temos certeza – respondeu Paulo
  • Puta que pariu! - exclamei. Eles tremiam como se fosse algo normal.
  • Foda, cara. Mas olha aí a nossa filha. Da um shot e diz o que acha! - e Paulo apontou o dedo para o prato.
  • Puta que pariu!
Nunca havia visto tanta cocaína antes na minha vida. Não pra se usar até a hora que cair duro no chão. Meio quilo, bom, agora já devia ser bem menos do que a quantia inicial mas se juntassem o que tinha naquele prato mais o que restava dentro do saco...talvez tivesse 350g de cocaína na casa. Isso se não contasse o que já estava em seus organismos há dias. Encarei aquela quantidade toda por alguns segundos e era mais do que eu imaginava que seria. Paulo esticou umas carreiras e vi os desenhos medonhos em seu braço, vi os de Fernando e tudo o que aquela droga havia feito com a cabeça dos dois. Estavam acabados, física e psicologicamente, só de entrar na casa e ficar cinco minutos já era possível perceber aquilo. Não falei nada, apenas enrolei uma nota e nós três abaixamos e mandamos ao mesmo tempo. Paulo tinha esticado uma gorda pra mim e aquilo foi que nem uma bala pro meu nariz:
  • Caralho, é boa mesmo, cara...
  • É, bicho. Espera uns dois minutinhos pra você ver. Vai subir as paredes, hahaha – riu Fernando
  • Eu não pretendo cheirar muito não, caras.
Paulo e Fernando olharam um para o outro e começaram a rir. Achavam que eu não aguentaria não cheirar aquela cocaína quase pura. E não aguentei mesmo. Ficamos lá conversando e mandando e fui percebendo o quão fodido eles estavam. Paulo tinha espasmos que faziam seu corpo inteiro tremer e Fernando parecia estar desligado do mundo, numa espécie de limbo esquizofrênica. Ainda sem comentar nada, perguntei:
  • E esses desenhos? Na parede, em vocês... o que é?
  • Brisa, cara...- e não falaram mais nada
A noite caía e bebemos tequila com cocaína. O amargo ao quadrado. Começamos a misturar cocaína com as bebidas que havia na casa só pelo fato de que tínhamos muito ao nosso dispor e eles não davam a mínima enquanto tivessem aquele saco até a metade. Refrigerante, cerveja, vodka água, suco...água era o pior, de alguma forma misturar a pureza da água com toda aquela merda tóxica e venenosa não caía bem no organismo e nem na brisa. Paramos e continuamos com o resto. Fiquei bêbado mas o pó falava mais alto e nem me senti alterado pelo goró, apenas o pó fazia efeito. Eu estava ainda no processo de ficar pego e aqueles já estavam calejados nesse estágio há dias antes de mim, mas de qualquer forma eu estava muito louco e as maluquisses que aqueles dois diziam como se fossem as coisas mais normais do mundo até começaram a fazer sentido pra mim. Algumas horas se passaram e aquela situação, apesar de extremamente prazerosa, começava a me dar algum frio na espinha. Não sabia o que era, não era falta da droga, porque aquilo era o único problema que não estava por perto naquela hora. Não era uma bad. Era uma sensação de que não devia estar lá fazendo aquilo com aqueles caras. Isso se intensificou quando passei da sala para a cozinha e vi Paulo encarando o espelho do banheiro sem demonstrar nenhuma expressão. Estava apenas olhando para o seu reflexo no espelho há muito tempo e seu olhar era vazio e parecia que havia algo de malígno crescendo dentro dele. Tentei chama-lo e toquei em seu ombro algumas vezes, nada, estava em transe na mais profunda fissura que o pó poderia lhe dar. Sua mente estava esgotada e pensei no cansaço que todos sentiríamos depois que aquilo passasse. Mas se continuassem daquele jeito que estavam eles ficariam naquele estado até a hora que deixariam de sentir a vida e morressem de exaustão ou overdose. Fui até Fernando e expliquei o que estava acontecendo, ele foi até Paulo e tentou chama-lo algumas vezes. Nada ainda:
  • Caramba, cara...o que aconteceu com ele? - Perguntou preocupado
  • Não sei, bicho. Ele surtou! O que a gente faz?
  • Eu já o vi assim antes. Acho que mais tarde melhora, mas é que ele tá com um olhar muito cabuloso!
  • Eu sei, man! Achei que ele fosse pular em cima de mim quando o cutuquei, mas ficou lá parado que nem estátua vendo o reflexo no espelho.
  • Tá em alguma viagem doida da cabeça dele. Você conhece o Paulo, né?
Um momento depois ele saiu do banheiro como se nada tivesse acontecido e parecia não se lembrar muito bem de ter ficado no banheiro por mais de quinze minutos encarando o próprio reflexo. Sugeri que fumássemos um baseado para nos acalmar um pouco e aquela havia sido a decisão mais bem pensado até aquele momento. O único problema nisso era que nenhum dos três conseguia bolar aquela erva porque tremíamos mais que idosos com Parkinson. Passei para Paulo que passou para Fernando que tentou por um bom tempo bolar aquele baseado. Estragou duas sedas e na terceira ele simplesmente surtou. Levantou do chão e começou a chutar o sofá, jogou as almofadas pro alto e quebrou um vaso velho que estava lá por algum motivo desconhecido, ninguém sabia de quem era. Ele sentou-se novamente e seu coração parecia que ia sair pela boca, suava feito um jogador de futebol aposentado e seu olhar também era maligno igual ao de Paulo. Vou ficar assim daqui a pouco?, pensei, não comentei e Paulo resolveu aquela situação do baseado amassando uma das latas de cerveja e improvisando um cachimbo nela. Fernando se acalmou depois de alguns tragos na lata e parecia estar muito abalado ainda pelo acesso de raiva que havia acabado de ter. Colocamos no canal de música e aproveitamos um pouco aquele efeito relaxante da cannabis, deixando os pensamentos da cocaína bem longe da gente. Apesar daquela pequena cordilheira de farinha na mesinha embaixo dos nossos narizes não ajudar muito nessa tarefa, rimos e foi uma risada espontânea e não mais uma ilusão prazerosa que a coca trazia pra nossa cabeça, com explosões de serotonina e dopamina por todo o nosso cérebro impedindo-nos de dar risada de alguma besteira que um de nós soltava de hora em hora. Os espasmos de Paulo diminuíram com o efeito da erva, mas ainda estavam lá, estávamos mais relaxados mas ainda exaustos, principalmente eles. Bebemos mais umas cervejas e entramos em uma conversa totalmente sem sentido:
  • Me imagino enfiando uma FACA em alguém, sabem? - soltou Fernando
  • Não sei, dependendo da situação eu também faria – falei
  • Se o cara merecesse eu não pensaria duas vezes. Ou então se um dia eu perdesse a cabeça de vez ia sair matando quem eu quisesse por aí, queria que tudo fosse pra merda.
  • Se eu fosse fazer uma coisa dessas seria muito bem pensado. Ia fazer bem feito pra poder fazer outras vezes. Não ia ficar marcando bobeira pra ser preso ou alguém me matar – Paulo parecia ter pensado bastante no assunto
  • Mataria um cara que tentasse te assaltar? Perguntei
  • Se eu corresse risco de me foder, com certeza ia, viixi – Paulo fechou os olhos e simulou uma pessoa sendo degolada. Rimos
Fernando deu um longo gole em sua cerveja e a jogou para outro canto da casa, no meio de tantas outras:
  • Não sei, às vezes quando tô chapadão fico pensando se eu não seria capaz de estuprar alguém.
  • Sério, bicho?
  • É, cara...às vezes passo por aí e a brisa do pó vai indo embora ou estou bêbado e vejo uma mulher andando na rua de noite. Imagino que é muito fácil subjugar uma pessoa daquelas, levar pra algum lugar escuro o suficiente e fazer o que quiser com ela. Nunca teve uma coisa dessas passando pela sua cabeça, Paulo?
  • Já pensei nisso, mas não dessa forma. Não sei, talvez você seja louco mesmo cara.
  • Disse o sujeito que não lembra de ter encarado o próprio reflexo por quinze minutos no espelho com a gente te cutucando pra sair daquela brisa. Coisa feia do demônio.
  • Vixi...essa aí foi intensa, meu. Não lembro MESMO de ter ficado todo esse tempo olhando pro espelho.
  • Foi uma cena bem medonha, cara – falei
  • Vamos rir disso um dia.
  • Já estamos.
Já era pra lá da madrugada quando percebi que devia ir embora. Estava cheirado, bêbado, fumado e começando a ficar exausto. Toda a loucura daquele ambiente já havia me consumido e agora eu era parte da decoração da casa, assim como aqueles dois perdidos, mas tinha que ir embora antes que algo de ruim acontecesse e eu estivesse por perto. Ou algo de ruim acontecesse e fosse comigo. Me despedi dos dois, cheiramos as últimas carreiras juntos e Fernando me entregou um saquinho cheio até a boca e gordo de cocaína, talvez o dobro do que eu havia cheirado hoje com eles. Agradeci o presente e olhei para a chave inglesa que havia trazido e deixado em cima da mesa. Fernando abriu a porta e estava pra sair quando perguntei:
  • O que vocês queriam fazer com essa porra dessa chave inglesa?
  • Hahaha, cara...umas coisas estranhas.
SLUM. Bateu a porta.
Andei até o carro e certifiquei-me de que não tinha ninguém me esperando do lado de fora para levar as chaves ou o presente que havia ganho dos rapazes. Entrei e fiquei lá por uns minutos, apenas parado e vendo o movimento morto daquela rua do centro na madrugada. Estiquei um rabisco, cheirei e dei partida no carro. Estiquei outro e mandei. Ainda tinha um longo caminho até em casa, mas tinha com o que fazer o tempo passar.

5

Não sei muito bem o que fizeram depois que saí daquele apartamento. Devem ter continuado o processo de degradação química que haviam iniciado alguns dias antes, é claro. Continuaram se matando tiro por tiro e terminando aquelas garrafas de bebida, gorfado no vaso e no chão do banheiro, terminado de rabiscar as paredes encardidas e destruir todo o apartamento. Quero dizer...poderiam ter feito isso e continuado aproveitando a subvida que levavam do jeito que achassem mais podre. Mas aquela porra de mente fodida que os dois compartilhavam como se fossem siameses ainda iria colocar a dupla de imbecis no meio de uma cagada.
Um pouco antes do amanhecer os dois já estavam pior do que zumbis tirados do cu de um elefante decrépito, desistiram de banho ou de qualquer coisa, a pulsão dentro deles pulsava somente para a droga, pedindo mais conforme fosse necessário para o corpo. Já nem estavam frenéticos na cheirada, iam aos poucos, mantendo a forma monstruosa que queriam permanecer. O saco ainda estava consideravalmente cheio para uma pessoa normal.
Eu estava sem conseguir dormir desde que cheguei em casa e tinha aquele saquinho inteiro para mim. Nem tentei dormir, na verdade. Fernando e Paulo já haviam esquecido esse conceito e decidiram sair um pouco e aproveitar finalmente o que a madrugada paulistana poderia proporcionar a dois retardados. Colocaram uma mochila nas costas de Paulo e foram até um bar que ficava em uma das inúmeras esquinas com bar do centro, aonde permaneceram sentados, bebendo refrigerante e conversando, jogando sinuca e bebendo refrigerante, tendo uma conversa agradável com os clientes, notórios bêbados e viciados da nossa gloriosíssima cidade. Mataram o tempo e comeram os amendoins, alertas ao primeiro sinal de discussão. Esperaram e esperaram, alguma coisa iria acontecer naquela biboca, sempre acontece, é claro. E aconteceu. Alguém empurrou ou pisou no pé de outro alguém, importa? Esse alguém ficou puto pra caralho e começou a falar algo pro outro alguém, os dois começaram a trocar uns sopapos e o dono os mandou ir pra fora do bar para resolver seus negócios. Os brigões foram e os cheirados foram atrás, como quem aposta em uma briga. O que pisou no pé do outro terminou no chão. O que ganhou voltou ao bar e virou uma dose de velho barreiro com limão. Os dois amigos, Paulo e Fernando, ajudaram o do chão a se levantar calmamente. Então Paulo puxa de sua mochila semi aberta a chave inglesa que eu trouxera mais cedo para os dois, veio correndo na direção do vencedor da luta, sentado ao balcão, e desferiu apenas um golpe em seu crânio, que se partiu em dois pedaços na mesma hora. O velhote caiu no chão sangrando pela cabeça igual a um porco e os dois amigos saíram correndo na hora. Não sem Fernando olhar para o que o amigo havia feito e visto a merda que eles estavam dentro. Paulo saiu nervoso e rindo, não havia processado o ocorrido ainda em seu cérebro provavelmente atrofiado e seriamente lesionado.
Depois disso os dois obviamente correram de volta para o apartamento, que parecia estar incrivelmente distante. Paulo me disse que foi se dando conta daquela insanidade enquanto entrava pelo portão do prédio e sentia que o olhar do porteiro era de espanto e medo. Imaginou estar cheio de sangue no rosto e achava que ainda estava com a chave inglesa nas mãos. Se deu conta que a havia jogado dentro do bueiro somente quando eles entraram em casa e ele olhou dentro de sua mochila. Fernando surtou e começou a socar o amigo, não acreditava que ele havia feito aquela merda, mas o que eles queriam fazer com a chave inglesa? Eles não sabiam dizer depois, apenas pediram que eu trouxesse e não sabiam o que fazer, não lembravam qual era o motivo inicial daquela maldita chave inglesa. Brigaram e se esmurraram, queriam esquecer aquela cagada, mas tinham que pensar em como se limpar dela. Não tinha como, simplesmente não tinha como. Seriam presos os dois, um por assassinato e outro por ser cúmplice do assassinato daquele velho cachaceiro que provavelmente ninguém sentiria falta e que trazia mais problemas pra família vivo do que morto. Acalmaram-se os dois por um tempo, ficaram deitados no chão, com manchas de sangue um do outro em suas roupas, desesperados por dentro, sentindo aquela farinha toda não fazer mais sentido algum.
  • Me dá um tiro agora, pelo amor de deus – disse Fernando
Paulo não falava, levou suas mãos ao rosto e estava com a cabeça baixa, horrorizado com ele mesmo, imaginando seu futuro daqui pra frente, as próximas horas seriam as mais agonizantes, esperando aquele carro chegar, esperando o fim de sua vida inútil e envenenada. Mas sua. Agora estaria à mercê do governo, à mercê das leis e da opinião pública, que não tem um histórico muito simpático com a causa pró drogas que os dois seguem a tempo considerável.
Não tinha o que fazer, a merda estava feita. Mas o que fazer? Agora iriam esperar a polícia chegar e se depararem com toda aquela droga e um assassinato a sangue frio? Começaram a cheirar tudo de novo, os narizes recusavam, fodidos até o talo por todo o excesso corrosivo da química louca que eles consumiram por dias a fio. Paulo foi se livrar do sangue em sua roupa e em sua mão, seu rosto estava limpo pelo menos, mesmo com todo o sangue que espirrou e esguichou por todo o bar na horar da pancada. Ele nem ao menos viu aonde foi a pancada, viu o sangue e viu a cabeça sangrando, viu o olhar de terror de quem estava lá na hora. Depois só viu as coisas correndo por seus olhos e ele se empenhando contra sua sombra na maior corrida que já fez em sua vida até o prédio em que morava com o amigo.
Eles mandaram e pensaram e tentaram trazer as vibrações positivas para dentro da casa, mas não tinha como ter um final feliz, é claro. E eu não estaria contando essa história porque eles conseguiram se safar e agora estão curtindo uma vida mais séria e sóbria em alguma cidade do interior, trabalhando em multinacionais ou grandes fazendas milionárias, apenas dando risada e tentando arranjar alguma garota que quisesse alguma coisa com dois caras com tanta história lunática para compartilhar. Não. Eles se foderam. Se foderam bonito depois disso tudo. Fiquei sabendo da prisão deles algumas horas mais tarde naquele dia, perto do almoço, quando recebi uma ligação me chamando para a delegacia. Lá me foi explicado o ocorrido, não a história toda, apenas a parte do bar e da apreensão da droga na casa dos dois. A história toda eu ouvi dos dois nas visitas que eu fazia àquelas pobres cabeças, poucos do nosso ciclo de amigos veio visita-los. Não por falta de consideração, apenas porque não queriam e sempre enviavam seus recados e cartas através de mim. Os dois pareciam entender e não ligar.

A droga em si não trouxe grandes problemas, já haviam usado tanto daquela quantidade e jogado uma parte pela privada que, pela hora que a polícia chegou, já não tinha um B.O tão relevante assim, apenas algo para deixa-los em maus lençóis por um tempo e salpicar o molho de fezes que a morte quase instântanea do sr. Carlos no bar do Tim havia causado em cima deles. Fernando assumiu ser o dono da quantidade e Paulo assumiu a pancada letal na cabeça do velho. Foram presos e ainda estão pra ser julgados por algum tribunal que os colocará num mundo de merda. Fernando talvez tenha sorte e pegue dois ou três anos, Paulo eu simplesmente não sei, talvez fique lá por um bom tempo. Talvez...o sr. Carlos não era lá uma figura tão adorada no bairro também, se tivesse sido o outro senhor, o que perdeu a luta, provavelmente a própria rua do bar já teria linchado os meus dos amigos lá mesmo. Esse senhor da briga, o tal de Leopoldo, irá testemunhar à favor dos dois, aparentemente. Ainda não sei entendo o motivo também, mas imagino que ele deve ter apreciado os miolos do seu Carlos esparramos no chão daquele bar imundo.
Eles me contaram a história aos poucos, detalhadamente, pode ser que eu tenha adicionado uma outra parte, ou um ou outro diálogo da forma que interpretei. Mas não muda o que foi, não muda o que eles foram e são, eles não são nada diferentes do relatado. Dois malucos, dois malucos que não sabiam de nada e achavam saber, dois caras legais que se foderam porque escolheram se foder, ou simplesmente não pensaram em se foder ou não, apenas foram na onda....foram na onda por cinco dias em branco Eles já haviam perdido a mente, os dois. Suas cabeças nunca foram normais, precisaram apenas de todo o esgotamento do narcótico para atingirem seu Id, seus animais primitivos originais. Para se tornarem dois exemplos que os filhos de seus amigos conheceriam e ouviriam falar muito bem durante a infância. Mais dois caras que se perderam no centro da cidade.

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