terça-feira, 14 de maio de 2013

Acompanhantes.


  Passaram o dia inteiro juntos no quarto dela, abraçados, assistindo aos programas imbecis da televisão no final de semana, falando bobagens nos ouvidos um do outro, criando receitas para o café da manha, almoço e dando pequenas mordidas em suas orelhas , como cãezinhos brincando depois de mamarem na mãe cachorra.
A garota levanta da cama usando apenas sua calcinha rosa que lhe dava um jeito de adolescente e aquilo deixava o cara doidão por ela. Caminhou pelo quarto atrás do resto de sua roupa, fazia um pouco de frio e ela não gostava muito daquilo, ficava envergonhada quando estava sem roupa do lado de alguém que gostava. Vestiu o sutiã e uma camiseta cumprida. Ela fica cada vez mais linda, pensa o cara deitado na cama, usando os braços como apoio para poder enxerga-la agindo naturalmente pelo quarto. Julie olha para o rapaz e sorri para ele, algo que ele vê como uma das principais qualidades da garota que está saindo há uns meses. Romulo olha para o relógio rosa da Moranguinho que fica em cima do criado mudo da garota, ri do jeito meigo dela ser, 16:47. O dia está cinza e frio.
Os dois se vestem finalmente e vão para a sala, decidem não ligar a televisão mas sim o rádio, já que um pouco do old-fashionable sempre será bem vindo. Tocam algumas músicas idiotas e Julie vai guardar as louças do almoço no armário. Romulo senta na cadeira da cozinha e a observa fazendo aquilo, seus cabelos incrivelmente escuros, o corpo pequeno para aquela camiseta vermelha enorme que ele tem, seus olhos se confundindo com as cores claras da cozinha. Ele tinha se dado muito bem dessa vez.
O telefone toca na cozinha e a garota atende depois de três vezes.
  • Alô? Oi, meu amor – Romulo escuta a conversa inteira com a mesma expressão que a assistiu trabalhando na cozinha, ela parece combinar alguma coisa com um homem, pelo som que ouve do fone, sua voz é mais doce e parece forçar isso para a pessoa do outro lado da linha – Uhuum, sim, e o que mais? Você sabe que precisa acertar o preço antes e tal...ótimo, querido. Eu cobro três mil por esse programa, ok? Que horas quer passar aqui? Já tem o endereço? Então nos vemos mais tarde, amorzinho.
Ela desliga o telefone e continua guardando as louças, ele continua olhando pra ela
  • Quem era dessa vez? Alguma despedida de solteiro? Irlandeses intercambistas?
  • Não...um senhor aí que me liga de vez em quando, ele é uma gracinha.
  • E três mil pilas?! O que ele vai fazer com você? Melhor, o que ele quer que você faça com ele? Enfiar o punho inteiro no....
  • Não, seu idiota – responde a Julie rindo do companheiro- Nem todos os velhos que saem com acompanhantes são enrustidos querendo achar alguém pra enfiar algo na bunda deles. Alguns são só homens de idade querendo companhia.
  • Hahahaha, companhia. Mas é uma boa grana que você vai tirar desse tiozão, hein honey doll?
Julie dá de ombros. Talvez aquilo seja só uma margem baixa de lucro para ela, com aquele rosto e aquele corpo ela poderia arranjar muito mais. Só com o jeito naturalmente lindo dela de ser, ela já conseguiria muito mais nesse mundo repleto de homens perdedores de todas as espécies, em todos os aspectos da vida. Ela vivia em um apartamento legal na Zona Sul e tinha seu carro, suas compras, seus móveis, seus clientes pagando por sua adorável companhia e agora parece que tinha um rapaz que não ligava muito para o fato de outros pagarem para ter a companhia dela da forma que desejarem. Talvez Romulo valesse algum ouro, enfim.
Romulo a abraça por trás e beija seu pescoço. A tarde começa a querer se entregar à noite. Os dois ficam parados na cozinha abraçados como recém casados na casa nova. Ambos sentem isso e vão cada um pra um canto, lentamente. Tudo a seu tempo, crianças.
  • E que horas o sr. Ricaço vai colar pra cá?
  • Por volta das 23:30.
  • E aonde ele vai te levar?
  • Não sei ainda. Talvez pra jantar primeiro e depois...sei lá, o que ele quiser.
Romulo fica em silêncio um tempo.
  • Não sabe aonde ele vai te levar? E se ele te levar pra um beco no fim da estrada e te enfiar uma picareta no olho? Não tem medo disso acontecer não?
  • Hum...pelo dinheiro, nem tanto.
Essas mulheres são capazes de tudo por dinheiro mesmo, pensa Romulo consigo mesmo, quase deixando escapar, mas acho que iria ofender sua garota. Mas ele sabia que tinha razão e que se falasse provavelmente arranjaria argumentos o suficiente para deixa-la quieta. Não sentia essa necessidade infantil de querer humilhar Julie, até porque era ela quem tinha carro e uma casa própria, mesmo que comprado com o dinheiro de incontáveis bimbadas e jantares caros com velhos decrépitos e arrogantes que procuram um pouco de felicidade por uma noite. Ele pelo menos não tinha que pagar e podia ter quase toda a hora que quisesse aquele rabo branco lindo. Romulo se sente mal por pensar essas coisas da garota que está saindo e muda de assunto em sua cabeça, voltando a focar na Julie ali na cozinha, fora do trabalho.
A tarde chega ao fim e a noite dá suas caras, Julie ainda vai demorar para ir trabalhar e os dois aproveitam o frio para deitar no quarto com a televisão ligada em um volume quase inaudível, apagam as luzes e cochilam por algumas horas, abraçados como dois namoradinhos da primeira série. Romulo sonha com Julie e pensa se isso é bom. Digo, no sonho ele se pergunta se é bom pensar tão profunda e intimamente assim na garota, talvez não, talvez a profissão dela se torne uma barreira mais tarde, ou talvez ele continue não ligando tanto assim. Mas ele liga um pouco, claro que ele liga. Julie não se lembra do que sonhou, ela nunca se lembra de seus sonhos. Mas ela estava feliz por alguém não ter que pagar para tê-la, que não tenha que necessariamente despi-la quando estão numa cama, como nesse momento. Ela acorda, sente os braços do rapaz desmaiado em volta do seu corpo e volta a cochilar, não sem antes sorrir para si mesma.
O relógio da Moranguinho toca uma cançãozinha que tira os dois de seus sonos. Uma música insuportável para Romulo, mas que parece despertar Julie com bastante humor.
  • Vou tomar banho, daqui a pouco tenho que sair
O rapaz olha no relógio rosa, 21:00, ainda poderiam dormir mais uma horinha.
  • É cedo ainda...deita mais.
  • Não posso. Não sou que nem você que fica pronto em cinco minutos, contando o tempo do chuveiro. Tenho que valer três mil contos hoje, docinho.
Romulo não gostou muito do "docinho", soava como quando ela fala com seus clientes no telefone. Cheio de "queridinho", "amorzinho", "queridinhos"...ele não achou legal, mas também não achou um problema a se colocar em pauta no momento.
Julie começa a andar pra lá e pra cá no quarto, separando roupas, pequenas bolsas, sapatos, um spray de pimenta, brincos, colares e outros acessórios. Romulo assiste a tudo deitado preguiçoso na cama e a garota começa a se despir para o banho. Ele a espera entrar e continua em silêncio ouvindo a água cair no corpo escultural de Julie. Então ele tira a roupa e vai para o banheiro aproveitar a água que cai. A suíte dela é grande, o banheiro é quase do tamanho do quarto do rapaz, ele sente sua masculinidade ferida de alguma estranha forma por isso e abre a porta de vidro do banheiro. Ela é linda fazendo as coisas naturais de um ser vivo: quando comia, tomando banho, andando...talvez até arrotando e cagando ela continuasse angelical. Novamente ele se sente feliz e sortudo por estar saindo com ela. Julie sorri com todos os dentes quando ele entra no chuveiro e os dois se beijam aqui e ali por uns instantes. A garota gostava disso porque a lembrava dos mocinhos e mocinhas de filmes se beijando na chuva. O garoto gostava porque ela era simplesmente sensacional.
As mãos dele descem um pouco, mas a garota pela primeira vez se esquiva delas. Ele não entende e ela diz:
  • Não posso ficar cansada, tenho que ficar 100% pra ele.
Romulo não diz nada, apenas sorri com o canto da boca, decepcionado. Julie percebe o que falou e que deve ter deixado-o triste. Às vezes ela lida com homens simplesmente como se eles fossem seus clientes, mecanicamente, agindo seguindo um roteiro mental que ela cria para cada situação, mas que na verdade é a mesma coisa de sempre adaptada para meios diferentes, com caras mais diferentes ainda. Ela coloca as mãos ao redor de seu rosto, algo que raramente faz no trabalho por achar pessoal demais, beija sua boca de uma forma que nunca beija ninguém. Romulo percebe esse beijo diferente.
  • Você sabe que depois eu sou toda sua, não sabe? - ela fala com seu sorriso hipnotizante e seus olhos e seu cabelo escorregando toda aquela água tiram as palavras de Romulo, que a beija novamente.
  • Por todo o final de semana? - ele diz quando suas bocas se separam
  • Hmmm...veremos. - ela tem um olhar de deboche para ele, os dois riem e ficam no chuveiro por bem mais tempo do que o planejado por Julie, apenas abraçados com a água.
Atrasada. Bom, não que o velho vá se importar em esperar um pouco, afinal de contas, Julie vale a espera, com certeza. Mas ela não gosta de atrasar, prefere ser profissional o máximo que conseguir. Atrasos são para encontros pessoais, ela precisa ser pontual no serviço, nesse serviço. Romulo está de cueca e despreocupado com a hora, deitado na cama king size da garota. Assiste Julie correndo novamente pelo quarto, com roupas, maquiagens, acessórios e tudo que foi citado anteriormente. Ele nem sabe como uma mulher consegue passar e esconder tantas coisas só na região do rosto e do cabelo, ainda mais pra Julie que não precisava de maquiagem alguma para ter aquele rosto perfeito, talvez um batom e um lápis para dar uma profundidade naquele olhar, mas talvez até isso fosse desnecessário. Ela era linda maquiada, ela era perfeita natural.
Julie colocava um vestido verde escuro, a cor preferida de Romulo. Parecia que ia pra um casamento ou evento importantíssimo, pelas roupas que ia usar. Até que esse emprego não é nada mal, pensou ele. Estava quase pronta e ele observava todo o processo, eles conversavam banalidades no meio tempo mas a mente dele estava focado na visão da garota de costas pra ele e de frente para o espelho, terminando de se maquiar. Ele olhou no relógio da Moranguinho, 23:08 já. Logo menos eles iriam se despedir um do outro e ele não gostou de pensar nisso, apesar de ter ignorado o pensamento e o fato de não gostar dele logo em seguida. Começou a se trocar também e se perguntava se sairia junto com ela ou sairia antes para que não se metesse na situação constrangedora de trombar com o velho tarado. Foi se deixando pelo pensamento e pelo seu colocar de calças e camiseta lento, até que o tempo foi passando rapidamente e logo menos o velho estaria ali, logo menos mesmo. Ele se apressa e vai se preparando para despedir-se de Julie, quando pensa ter ouvido o interfone tocar. Mas foi sua imaginação, que bom. Vai até a porta do banheiro:
  • Ju, acho que já vou....
TRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIM. Interfone. Droga, pensa Romulo. Ele olha para o relógio da Moranguinho enquanto Julie vai até a cozinha atender. 23:30. Malditos velhos pontuais. Senta na cama enquanto ouve Julie atendendo o interfone, ela aparece logo depois no cômodo e fala:
  • Ele tá aí embaixo, vamos.
Pegam o elevador e Romulo se despede da garota lá dentro com um beijo longo e molhado. Não trocam muitas palavras um com o outro e chegam ao térreo. Um Aston Martin que parecia ser azul escuro parado na frente do prédio, com certeza era aquele velho. Parecia mais que o James Bond ia levar Julie para sair, Romulo se sentiu rebaixado. Mas pelo menos não precisava pagar para ter a companhia da morena. Julie vai até o carro do velho, que abaixa o vidro e troca umas palavras rápidas com ela, depois olha para Romulo e pergunta para a moça:
  • E quem é ele?
  • É um amigo meu – ela responde
O velho acena para Romulo, que acena de volta timidamente, um tanto quanto constrangido.
  • Chama ele pra vir junto então.
Julie olha para Romulo, que fingi não ter ouvido o que ouviu. Ir junto? Pra que raios de lugar ele quer levar os dois? Que porra era aquela de ir junto? Julie olha para o rapaz e acena com a mão para que venha, ele permanece parado como uma estátua no portão do prédio e um impulso inconsciente movimenta suas pernas em direção ao carro. Foda-se, pensou. Abriu a porta, que tinha uma maçaneta engraçada e elegante. O interior do carro era até melhor que o do James Bond, detalhes em madeira e o que parecia ser um veludo muito bom de se passar a mão, Julie foi no banco da frente, evidentemente. Romulo foi no de trás como se fosse o filho do casal, sentado no banco do meio para ouvir os dois conversando, não sabia porque estava fazendo aquilo, não sabia porque estava ali.
  • E qual é o seu nome, filho? - pergunta o senhor rico
  • Hmm...Romulo. E o seu?
  • Meu nome é Svevan. Diferente demais, eu sei.
  • Svevan...é o que? Dinamarquês, sueco, o que? S-V-E-V-A-N?
  • Norueguês. Se escreve com a mesma estranheza que se pronuncia. Mas eu não sou de lá, minha família inteira é, mas sou nascido aqui.
Noruegueses milionários e os nativos comendo lixo nas ruas, pensou Julie. Bom pra mim, pensou novamente.
  • Você conhece esse mocinho simpático há quanto tempo, meu doce? - o velhote tinha um tom de salafrário na sua voz e Romulo pressentiu algo ruim.
Julie comentou uma história qualquer sobre como os dois se conheceram, mas o rapaz sentado no banco de trás pensava o que estava fazendo ali. Não pensou direito o que o simpático e aparentemente milionário senhor Svevan planejava para aquela noite. Sabia que iriam jantar em algum lugar antes, isso tudo bem, estava com fome mesmo. O que o tirava do sério naquele banco de trás era o que aconteceria após a janta, pra que lado aquele velho ia levar os dois e o que ele queria fazer? Queria comer Julie enquanto Romulo assiste a tudo? Queria que Romulo e Julie fizessem suas intimidades com o velho assistindo tudo? Talvez ele quisesse comer os dois, ou que os dois comessem ele. Talvez eles estivessem indo pra uma orgia da terceira idade e os dois jovens novinhos em folha seriam o prato principal da noite. Ele teve um tremelique ao pensar isso em sua cabeça. Se as coisas ficassem sérias demais ele simplesmente abria a porta do carro e pularia fora, Julie que se livrasse desse problema por si só, ela que o havia colocado nele a princípio. Ficou pintando as paredes da sua cabeça com todas as imagens mentais mais bizarras que poderia imaginar com aquele velho, pensou por tanto tempo e tão profundamente que nem percebeu quando a garota se dirigia a ele ao final de sua história.
  • Não é verdade, Rô?
  • Hm? - saindo de seu devaneio
  • O show de bossa nova que nós nos conhecemos.
  • Ah...sim...verdade, hahaha - Não sabia muito bem do que ela falava.
O velho olha para o garoto através do retrovisor e dá um sorriso:
  • haha, não é comum achar jovens com um gosto musical apurado assim. Acho muito bonito isso.
Romulo sorri de volta um riso amarelo. Esse velho tem a maior pinta de bichona, pensa. Mas vai continuar em silêncio no seu canto daquele Aston Martin magnífico, nem tudo é o que parece ser no final das contas. Os semáforos parecem obedecerem a um comando próprio do carro e estão todos verdes no caminho inteiro até seja lá aonde estivessem indo. Romulo não reconhece o caminho e parece que estão seguindo para alguma estrada, os carros que passam por ele passam quase voando e parecem ser todos muito mais caros do que os que Romulo e Julie viam no dia a dia de seus bairros de classe média. Svevan os levava para algum lugar caro, com certeza, sem surpresas. O rapaz se acalmou ao perceber isso e até conseguiu conversar um pouco com o senhor, que já chamava sua atenção por causa de seu silêncio pelo percurso quase inteiro.
  • Bom, já estamos quase chegando. Vocês vão achar o lugar muito apropriado, já estiveram no Hipódromo?
  • Uma vez, sim – responde Julie
  • Hipódromo...Jockey Club?- pergunta Romulo, surpreso enfim.
  • Sim, já esteve lá?
É claro que ele nunca esteve lá, não tinha dinheiro nem pra saber como chegar naquele lugar. Sempre teve uma grande curiosidade nos cavalos e nas apostas e corridas, claro. Achava algo para sujeitos com muita classe e posses, achava legal. Respondeu a pergunta do senhor Svevan com um "não" tímido que teimou em sair da sua boca. Julie olha pra ele com um sorrisinho igual ao de uma mãe querendo alegrar seu filho com um passeio inédito em sua vida. Ele responde de volta com outro sorriso e as imagens do pós jantar escatológico voltam com tudo em sua mente, mas são ofuscadas pelas luzes do Jockey Club se aproximando deles aos poucos. Romulo repara as pessoas e os carros e tenta calcular quanto dinheiro não deve rodar por aí todos os dias, com esse bando de velho sozinho e tarado querendo gastar sua pensão exorbitante com corpinhos apertados de morenas branquinhas. Imaginou se Svevan é casado, olha em suas mãos e não vê nem sombra de um anel. Não parecia ser viúvo também, parecia apenas solitário de uma estranha forma.
Tudo ao redor parecia muito bonito e iluminado. Bela clientela você tem, gata, pensa Romulo e guardou o comentário para depois que a noite acabasse, caso não fosse estuprado até desmaiar antes disso. Svevan estacionou o carro e abriu a porta para os dois jovens, como um cavalheiro europeu. Cumprimentou Romulo mais formalmente com um aperto de mão e os dois foram andando até o restaurante que Svevan escolheu. Quer dizer, ele disse que eles iriam escolher, mas como Julie e Romulo não faziam nem ideia dos nomes dos restaurantes e muito menos dos pratos do cardápio, ou menu, fingiram serem cordiais quanto a isso, deixando Svevan escolher um bom lugar de frente para a pista e para aquele monte de cavalos.
O serviço do lugar era espetacular e Svevan mostrou-se uma das pessoass mais carismáticas e adoráveis que Romulo havia conhecido até então. Trabalhou nos negócios da família a vida inteira, algo dentro de importações e essas coisas. Viajou uma grande fatia do mundo, parte pelo trabalho e parte pelo lazer. Adorava corridas de cavalos e tinha alguns em um sítio no interior do estado. O jovem casal nunca tinha conhecido ninguém tão rico quanto Svevan e, se existisse, estava jantando e apostando naquele mesmo hipódromo. Comeram três lagostas e Romulo quase pediu uma segunda quando Svevan ofereceu, mas achou que não seria muito educado e só aceitou a sobremesa com algum nome francês que os dois nunca tinham ouvido falar. O senhor elogiava a beleza de ambos os jovens, elogiava a educação e a cultura dos dois, que não era nada fraca. Romulo ficou sem graça com os elogios, Julie estava corada. O rapaz havia até esquecido dos pensamentos pós jantar que teve no caminho todo até o hipódromo, estava tão dentro da conversa com o velho e tão dentro das apostas impossíveis de entender que faziam naqueles cavalos puro sangue. Parecia que estavam saindo com um rico tio-avô distante que veio visitar os netinhos, não era um pervertido, era um gentleman com tudo que se tem direito. Usava até um relógio de bolso!, observou Romulo quando já terminavam suas xícaras de café de cinco reais. Svevan tirou aquela peça dourada amarrada a um cordão do bolso de seu colete:
  • Hum, acho que já está na hora de partirmos. Perdemos totalmente a noção do tempo conversando aqui. O que acham de ir?
Romulo olha no seu modesto relógio de pulso e percebeu que ficaram sentados naquele lugar por pelo menos quatro horas, ele nem tinha visto o tempo passar praticamente.
  • Nossa! Perdi completamente a noção da hora – comenta – Vamos indo mesmo.
  • Esse lugar te prende de verdade, parece aqueles cassinos em Vegas – diz o senhor
Eles concordam, mesmo nenhum dos dois tendo ido visitar Las Vegas nos últimos anos. Svevan pede a conta e Romulo treme ao imaginar a quantidade de zeros nela.
  • É o ambiente, sabe? Muito bonito, pessoas decentes, jovens casais...tudo isso colabora pra gente perder a hora. Mas enfim, o que vocês acharam?
  • Maravilhoso, docinho. Nunca achei que teria uma noite tão interessante quando você me ligou. O Romulo deve ter pensado o mesmo, não é?
  • Ah...com certeza, sim – disse sem graça
A conta chega. Romulo lembra que não tinha nem um centavo em mãos, mesmo sendo óbvio que Svevan pagaria, já que só o preço da cadeira devia ser mais do que o rapaz fazia em um ano. O velho olhou para o papel e sua expressão continuou a mesma, como se já tivesse calculado o preço gasto no jantar horas antes de pedir a conta. Pegou o cartão de crédito e colocou na maquininha. Julie esticou o pescoço gentilmente e olhou de relance para a conta, seus olhos saltaram de forma discreta das globos oculares, Romulo percebeu sua reação e fez o mesmo, só que devido à proximidade que estava do velho, viu o número inteiro. Quatro mil pilas. Quatro mil pilas. Ele gastou quatro mil notas de um real num jantar com dois jovens. Mais três mil pela companhia de Julie. Mais a gorjeta. Aquilo era irreal para Romulo, para Julie até que era mais comum, mesmo sendo um caso raro. Não conseguia nem imaginar o que saiu tão caro. Uma lagosta por mil pratas? Não, eles também beberam duas garrafas de vinho tinto espetacular, que Romulo aproveitou para mamar nas duas como se fossem os peitos da mãe, pediram outras coisas que nem lembrava mais o que eram, mas eram boas e em pequena quantidade, logo caras. Sentiu-se envergonhado pela conta que deixaram para Svevan pagar, mas a verdade é que foi ele e apenas ele quem escolheu o lugar e o roteiro da noite. E ainda teria mais o que fazer nesse roteiro, se quisesse. Romulo deu um tremilique em sua cadeira com esse pensamento. Levantaram-se e se despediram do maitre, Svevan ainda deixou uma nota de cinquenta na lapela do homem e Romulo fingiu que aquilo era normal.
No caminho até o carro, Svevan pegou na mão de Julie, que pareceu não se importar, é claro, e foram os três conversando até o carro. Romulo voltou a ter as ideias sobre como seria o final daquele noite e não conseguia se livrar das mesmas novamente. Sentou no banco de trás e Svevan apareceu em sua mente deitado na cama, algemado e de cueca, com suas rugas e seu cu velho empapados em óleo, de quatro em seu colchão gigantesco para um homem só. Começou a sentir nojo do velho, nojo daquele cu seco e daquele pau murcho querendo penetrar o corpinho lindo de Julie. Mas por outro lado o velho havia sido um verdadeiro cavalheiro aquela noite, aquilo devia valer de algo. Caras muito piores se davam tão bem quanto ele e tinham que gastar e falar muito menos do que o pobre Svevan. Talvez ele não fosse um pirado sexual, só quisesse um pouco de carinho ou atenção. Romulo não deixaria ele enfiar nada em seu rabo ou em qualquer parte de seu corpo, isso com certeza não. Mas talvez não se importasse tanto em dar um pouco de alegria ao velhote milionário. O sujeito parecia ser tão sozinho quanto tudo, não foi casado e nunca encontrou um amor de verdade em sua vida, sua alegria era sair com belas garotas de idades variadas como Julie, e às vezes com seus jovens quase namorados, como Romulo, como disse durante a janta. De repente, Romulo percebeu que não havia agradecido ao senhor Svevan pelo inesquecível jantar.
  • Muito obrigado pelo jantar, Svevan. Foi inesq....muito boa a comida e o lugar. Obrigado
Svevan olha pelo espelho para Romulo e sorri como um avô ao neto.
  • De nada, meu filho. Foi um prazer até agora.
Julie estava quieta no banco, não pensando muito em o que se seguiria depois disso. Se divertiu a noite inteira tentando imaginar o que passava pela cabeça de Romulo naquele jantar. Deve ter pensado o tempo todo que o velho ia querer umas esquisitices depois de saírem do Hipódromo. Julie olha para Romulo, que está absorto nesses exatos pensamentos, e ri do pobre garoto. Ainda tinha muito o que experimentar naquela vida. E muito o que ver em cada pessoa que conhecia. Pousou sua mão na perna de Svevan, que pareceu não demonstrar muita coisa nesse gesto, apenas sorriu olhando para a estrada escura. Julie gostava quando os homens não pareciam uns macacos tarados querendo resolver tudo em cinco minutos. Gostava quando a tratavam como um homem trata uma mulher em um encontro normal, aquilo fazia muita diferença no final da noite, isso diferenciava muito a satisfação do cliente para com ela, eles só não sabiam chegar nesse ponto e eram em sua maioria afobados e selvagens. Svevan não, era muito educado e respeitoso, um gentleman.
O Aston Martin rasgava a estrada e a escuridão. Romulo pensava em alguém rasgando seus fundilhos, pensava na orgia de velhos à lá Requiem for a Dream, pensava em Julie penetrando seu rabo com um pinto postiço e sentia suas nádegas formigarem no banco macio do carro, estava apreensivo. Estava apreensivo mas sentia sua psique aliviando a situação e anestesiando-o a cada quilômetro que andavam, teria que aguentar qualquer coisa depois de uma noite de sete mil reais que Svevan gastou com os dois. Virei uma puta agora, pensou no banco macio do Aston Martin. Sim, havia virado já que havia concordado em entrar no carro aquela hora. Mas estava arrependido? Havia ido a um lugar que sempre quis ir, comido coisas que nunca havia experimentado e que provavalmente nunca experimentará novamente. Quem sabe ele não teria uma experiência nova que valesse a pena com o velho Svevan e a adorável Julie? Concordou que sim, mesmo com o fundo de sua mente dizendo que talvez não. Se aproximavam da cidade e aquele caminho lhe era familiar, de fato, haviam passado por ele há pouco mais de quatro horas, quando estavam indo comer naquele palácio. De lá iam para um motel, Romulo teve a certeza. Um motel muito chique, ou talvez a própria casa do velho Svevan. Pensou e pensou nas possibilidades, Svevan falou e falou e a mão de Julie continuou pousada no alto da coxa do senhor, acariciando como uma amante. O rádio tocava jazz e Romulo decidiu-se a topar o que viesse pela frente, afinal, aquela era um noite fora do comum para ele, então que fosse inteiramente insana de uma vez.
O carro parou na frente do prédio de Julie. Romulo só percebeu quando o carro parou e a luz de presença anunciou a presença do carro incomum naquele bairro. Imaginou que a festa aconteceria por lá mesmo e não fez comentário algum, querendo acabar logo com aquilo, apenas saiu do carro e e esperou os dois saírem lá fora. Mas demoraram mais pra sair do que deveriam. Romulo foi checar e Svevan se despedia de Julie, segurando suas mãos com as dele, fazendo como se fosse uma ostra ao redor de uma pérola branca e rosada. Romulo não entendeu e olhou para os dois através do vidro filmado, com certa dificuldade. Então Julie saiu do carro e olhou para ele:
  • Não vai se despedir do Svevan, não? Ele pagou por uma noite bem cara hoje.
  • Mas...mas ele não.... - Romulo estava confuso com aquilo
  • Ele já tá indo
O vidro do motorista abaixou lentamente, revelando um Svevan sorridente e visivelmente satisfeito. Ele apertou a mão do garoto com força e certa pegada.
  • Obrigado pela companhia, garoto. Foi um prazer conhece-lo. Espero que possamos repetir isso outra vez, se o acaso for nosso parceiro novamente em outra ocasião.
Romulo sorri e devolve o aperto de mão com a mesma intensidade. Ainda sem entender muito bem o que acontecia. Será que ele não gostou muito de Julie? Será que ele não havia achado o rapaz atraente? Romulo sentiu-se triste com isso e jurou nunca comentar com ninguém esse sentimento novo.
  • Foi um prazer também, senhor Svevan. Algo inusitado...gostei muito, vamos repetir, se o senhor desejar.
  • Me chama de Svevan, apenas, por favor. E sim, vamos repetir, claro. Beijos Julie, meu doce, nos encontramos algum dia.
Julie manda um beijo doce para o velho, que sobe os vidros do carro e sai vitorioso com seu Aston Martin azul escuro. Romulo e Julie assistem ao carro sair de cena, engolido pela madrugada, ambos estavam bem cansados. Romulo percebeu nesse momento que estava mais bêbado do que imaginava a princípio.
  • Aquele senhor...eu achei que ele... - começou o rapaz
  • Eu sei o que você achou, Romulo. Hahaha, que bobo, ficou surpreso?
  • Bom...eu não entendi o que aconteceu. Assim, ele paga três mil reais por você, mais quatro mil reais, QUATRO MIL REAIS, pelo jantar pra nós dois. Nos deixa em casa e ainda assim não quis nada com você. Ele não tinha visto uma foto sua antes e te achou feia? Ele me achou feio? O que ele tinha na cabeça?
  • Hm...nada, oras. Ele só queria uma companhia pra passar a noite. Tá cheio de caras por aí assim, pra falar a verdade. Não querem só transar e tal. Pra falar a verdade eu até estranho os que não querem, mas às vezes é legal, que nem hoje. E ele ainda chamou você, o que foi mais legal ainda
  • Sim.
  • Então ok – termina a garota, sorrindo
Entram no hall do prédio e chamam o elevador, Romulo abraça a garota por trás e beija seu pescoço, ainda confuso.
  • Sabe, ainda não entendo...eu nunca deixaria uma foda como você escapar, sendo bem rude mesmo. Mas não deixaria, ainda mais se tivesse pago o que ele pagou por ele. E no final, sou eu quem vai ganhar o prêmio da noite.
  • Hmmmm...o que te faz pensar que vai se dar tão bem assim? Tô morrendo de cansaço, amorzinho – brinca Julie
  • HAHA, nada disso, honey, você prometeu que seria toda minha quando voltasse.
Julie beijou a boca de Romulo, um beijo demorado de espera de elevador. A noite com o solitário Svevan aos poucos ia dando lugar para um resto de noite com Romulo, o que para ela era mais interessante, sexualmente falando. Romulo sorriu ao final do beijo, sorriu enquanto entravam no elevador e recomeçaram os amassos. O velho Svevan não teve acesso ao que ele teria agora, não teve porque não quis, pobre diabo. Um pobre de um velho rico e solitário, parece que o dinheiro não compra tudo mesmo. Aliás, até compra, e quase comprou a bunda de Romulo essa noite, se o senhor norueguês quisesse. Porém ele não quis, preferiu pagar um jantar que custa mais do que o gasto que África inteira tem com alimentação em um ano. O elevador chegou ao andar da garota, eles entraram no apartamento e a bolsa de Julie estava recheada de dinheiro que ela gastaria com ele no dia seguinte, ou na semana seguinte, ou quando ela achasse melhor. Bom, talvez ser acompanhante não seja tão ruim e sujo quanto penso, disse Romulo em sua cabeça. E então, apagaram as luzes e deitaram na cama, iluminados apenas pelo números do relógio rosa da Moranguinho e agradecendo a Svevan dentro de seus cérebros enquanto se agarravam naquele resto de madrugada.

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