Interna – Casa de
ANTÔNIO BURGOS – Roleta Russa
Eric, Ivan, Antônio e Estela (acompanhando Antônio) estão no
quarto de Antônio na casa de seus pais que haviam viajado no final
de semana. Duas latas com lança perfume dentro passam por entre as
mãos dos quatro jovens e eles estão jogados cada um em um canto,
chapados e conversando. Antônio Burgos levanta da cadeira e deixa
sua lata nas mãos de sua garota loira e diz que já volta.
Permanecem em silêncio no quarto usando o lança perfume até que o
dono da casa volta com um revólver na mão e encosta na têmpora de
Ivan.
BURGOS
- Vai, filho da puta! Levanta essa porra dessa mão na altura da cabeça! Vai, porra!
Ivan faz uma careta exagerada de pavor e começa a rir.
IVAN
- Caramba, de quem é essa coisa? Do seu pai?
BURGOS(brincando
com o tambor aberto da arma)
- Era do meu tio, mas ele virou um bundão à favor do desarmamento e meu pai comprou dele por cinquenta pilas e mais uma caixa de cerveja pelas balas. Tem umas duas quase cheias delas.
IVAN(pegando
a arma e analisando-a)
- Da hora, cara. Meu avô tem uma .22 parecida, mas é um pouco maior. Olha, Eric...
ERIC
(sugando na lata de loló)
- Porra, animal (risos)...cara...deixa eu ver (ri sem controle)
Estela tem um ataque de risos com a droga ao ver Eric empunhar a
arma. Eric ri da moça.
ERIC
- Nossa, sequelou essa aí.
IVAN
- Capotou o carrinho de pipoca, Tonho.
Antônio tira a lata das mãos da garota
ERIC
- Você tem balas pra isso?
BURGOS
- Tem em algum lugar, mas meu pai é esperto o bastante pra não me falar aonde.
ERIC
- E se alguém entrar aqui de madrugada e enfiar uma bala na sua orelha depois de estuprar sua mãe e matar seu pai...ele ainda seria inteligente?
BURGOS
(olhar distante)
- Com os amigos que tenho tanto faz de onde vem a bala...
IVAN(baforando)
- Que?
BURGOS
- Sei lá, bicho...
ERIC
- Vixi, tá falando merda. (balança a cabeça) Cacete, esse negócio tá derretendo minha mente que nem aquela baba do Alien.
Ivan começa a rir descontroladamente e Burgos o acompanha no
riso. Eric e Estela riem alguns segundos depois dos amigos e o garoto
com o revólver pega a lata de Antônio e puxa o ar dentro com força
algumas vezes, sente seus pés formigando fortemente e a vista lhe
enganando. Levanta do puff em que está sentado e anda pelo quarto
com o revólver engatilhado e descarregado na mão. Os três riem da
loucura do amigo mas ficam sérios quando ele encosta o cano de ferro
embaixo do queixo com um sorriso amedrontador nos lábios.
ERIC(rindo
alto e histericamente)
- Vai, cara! PODEM VIR! VEM, CARA!
Aperta o gatilho e o click seco acompanha o grito de pavor de
Estela.
ESTELA
- Seu retardado! Me roubou toda a brisa, puta que pariu!
Ivan e Burgos ainda davam risada do ocorrido e Eric responde.
ERIC
(zombando da garota)
- Tá descarregada, sua escrota. Vai, Ivan...sua vez (risos)
Ivan pega o revólver e o engatilha, click, nenhum tiro. Ele
brinca um pouco com a arma e aperta o gatilho novamente, dessa vez
mirando para seu olho
IVAN
- Ela é bonita, cara. Parece de marfim essa coronha...seu tio mudou drasticamente mesmo.
BURGOS
(pegando a lata)
- Ah, é um cuzão...antes eu ia caçar uns lagartos com ele no meio de um mato sem fim de um sítio lá que ele tinha...mas desde que casou com uma peluda aí virou um cuzão.
ERIC
- Tem lugar pra caçar nesse país?
BURGOS(baforando)
- Não...Acho que não...caceeeeete.....
Ivan e Eric se divertem com a situação do amigo e Ivan entrega a
arma para ele
IVAN
- Vai, Tonho, sua vez de provar a coragem dos bem afortunados.
BURGOS
- Não, meu.
IVAN
- Vai, cacete, que bichice.
BURGOS(desprezo
no olhar e ironia ao falar)
- Tsc, caras, eu não me rebaixo ao nível das suas brincadeiras. Meu modo de diversão é bem diferente do de vocês. Prefiro sair com uma garota piranhudinha ou beber uma cerveja importada em um pub...não preciso entrar nessas brincadeiras que servem para ludibriar a vida miserá...
ERIC
(interrompendo o discurso)
- Vai toma no seu cu, caralho, e atira logo nessa sua boca, cazzo!
BURGOS
- Porra! Tá!
Antônio pega a arma e a engatilha
IVAN
- Tem que baforar bem forte antes de puxar o gatilho, sabe? Assim se você morre vai embora daqui louco loucão.
Burgos não acha graça e bafora a lata por alguns instantes e seu
efeito bate mais forte do que das outras vezes. Ouve batuques em seus
ouvidos e só enxerga o cano da arma, nada mais. Aponta o gatilho
mirando dentro de sua orelha. Click. Todos ficam em silêncio por um
tempo.
ERIC
- Nossa, cacete, que drama hein sua bichinha? Tava descarregada e você parecia que ia se cagar todinho na cueca.
Burgos ainda estava aéreo e demora para responder
BURGOS(recuperando-se
do choque)
- Eu não gosto disso, cara, beleza? Me dá agonia, sei lá...só de pensar no...cano gelado na sua cabeça...ahhh(treme)...merda.
Ivan e Eric se entreolham debochando do amigo
Burgos(nervoso)
- Ah, vão se foder. Vocês são dois fodidos drogados...sinto muito se não tenho vontade de participar das merdas de dois vagabundos.
Os dois não se importam com os insultos do amigo. Antônio
Burgos vira para sua acompanhante loira e estica-lhe a arma.
BURGOS
- Pra não deixar a brincadeira em aberto, loirinha.
ESTELA
- Não, também não gosto disso. Brincadeira boba do caramba.
ERIC
- Faz logo isso aí, gata. Ninguém se machucou até agora. Você vai sentir uma adrenalinazinha correndo quando ouvir aquele som seco.
ESTELA
- Prefiro sentir isso transando muito com alguém, não no meio de um bando de babacas que nem vocês
ERIC(nervoso)
- Então vem dá pra mim, piranha! Depois puxa o gatilho dessa merda dentro do seu buraco que for menos arrombado, caralho, porra.
BURGOS
- Calma, porra, calma! E vai se foder esse seu jeito de falar com minha mulher
ESTELA(surpresa
e irritada)
- SUA mulher?
ERIC
- Porra, essa mina aí tá só roubando a minha brisa. Todo mundo fez e ela não pode fazer?
BURGOS
- Loira, faz logo essa idiotice só pra eles pararem de encher o saco.
ESTELA
- Vocês são infernais, desgraça.
Estela puxa a lata da mão de Burgos e bafora o lança perfume com
força repetidas vezes
ERIC(impressionado)
- Cacete! Ela vai entrar nas paredes.
BURGOS(preocupado)
- Vai com calma, Estela.
A garota continua puxando o ar dentro da lata como um cachorro
ofegante. Depois de mais algumas vezes ela balança a cabeça e joga
a lata longe, ri por alguns instantes olhando para o nada e puxa a
arma da mão de Burgos com força, que dispara um tiro que assusta a
todos. Segundos depois a garota cai pra trás com os cabelos cobrindo
o rosto.
IVAN(ao
ouvir o tiro)
- MINHA NOSSA!
Burgos desesperado abraça o corpo de Estela na mesma hora e entra
em pânico.
BURGOS
- Onde foi o tiro? Aonde foi o tiro? Meu Deus! NOSSA! UM TIRO!
ERIC(gritando)
- PORRA! TINHA UMA BALA NO TAMBOR? VOCÊ É RETARDADO, ANTÔNIO? A PORRA TAVA CARREGADA E VOCÊ DEIXA A GENTE....meu Deus, ela parece mal.
BURGOS(ainda
desesperado)
- Cadê a bala, cara? Estela? Estela?
Eric e Ivan estão parados sem o que dizer para o amigo ou como
socorrer a garota
IVAN(se
jogando na cama)
- A gente tá na merda, cara. A gente tá enterrado até o ombro na merda.
ERIC(olhando
Burgos abraçado com a garota caída)
- Liga pra ambulância ou pros pais de alguém?
IVAN(nervoso,
gritando)
- LIGA PRA POLÍCIA ENTÃO, QUE TAL? Porra!
ERIC
- A gente tem que fazer alguma coisa, porra Ivan. A menina vai morrer aí, isso se já não morreu. (começa a falar mais alto) Caralho, Antônio, você tem bosta nessa cabeça, viado? Você brincou com a porra do tambor antes de dar esse coisa pra gente. E se você tivesse atirado na própria cara? E se eu tivesse atirado na porra da minha cara, porra?!
BURGOS
- Eu não vi, cara. Você acha que eu ia dar a merda quente pra vocês?
IVAN(olhando
o corpo da garota atrás do furo da bala)
- Mas aonde pegou esse tiro afinal?
Estela dá um grito e começa a respirar ofegante e pesado. Parece
em pânico e lágrimas rolam por seus olhos. Todos se assustam com o
despertar da moça
ERIC
- MEU DEUS! Ela tá viva ainda! Caramba velho!
BURGOS(tentando
acalmar a garota)
- Calma loirinha, calma. Obrigado, Jesus! Obrigado por não ter matado essa piranha! Aonde acertou? Você levou um tiro! Aonde pegou a bala!
Estela tosse e chora, demorando algum tempo para responder o
companheiro.
ESTELA(lento,
acordando)
- Tiro?...bala?...que bala?
ERIC(surpreso)
- Que bala?
IVAN
(rindo)
- Cara, olha atrás dela.
Os quatro olham para a parede atrás de Estela e Eric e Ivan
começam a rir ao ver um buraco na parede.
ESTELA(confusa)
- O que aconteceu?
BURGOS(sem
entender também)
- A bala atravessou você? Você não tá sentindo nada?
ESTELA
- Nada me atingiu, porra. O que me atravessou foi essa coisa dentro dessa lata. Não lembro de nada. Quanto tempo eu fiquei desmaiada?
ERIC(rindo)
- Desmaiada? A gente pensou que você tava era morta aqui. Você puxou a arma do senhor filho da puta aqui que não avisou que ela tava carregada e a desgraçada disparou. Você caiu dura depois e achamos que você tinha morrido com um tiro. Nem passou pela minha cabeça que você tinha desmaiado. Obrigado, loló!
IVAN
- Essa porra aí dá parada cardio-respiratória, você deve ter quase morrido mesmo, Estela. Você ia parar de respirar e seu coração ia parar de bater junto, precisamente na mesma hora.
ERIC
- ÉÉÉ, você ia morrer na horinha viajando nas alturas da chapação eterna, honey baby.
Estela se assusta com o que eles dizem.
BURGOS(tentando
acalmar a garota novamente)
- Ahhh e você é o doutor ER agora, porra? A garota já tá toda fodida e vocês dão mais essa bad pra ela?
IVAN
- Não fui eu que dei uma arma carregada pra ela brincar.
ERIC(em
seguida, provocando)
- Nem eu!
Estela começa a choramingar de novo
ESTELA
- Você me deu uma arma carregada pra brincar? Me deu uma arma carregada pra eu apontar na minha cabeça e atirar? Você é um psicopata? Você sabia que tava carregada?!
ERIC
(em seguida, novamente atiçando a discussão)
- SABIA!
BURGOS
- Cala a boca, porra! Claro que eu não sabia que tinha bala dentro. É sério, loirinha!
ESTELA
- Você me odeia! Você queria que eu morresse!
BURGOS
- Claro que não, baby! Eu não sabia, eu juro! Eu não ia dar uma coisa dessas nessa sua mãozinha rosa, não quero que você morra.
ESTELA(histérica)
- Você quer sim, você queria que eu me matasse pra poder pegar meu filho! Você quer matar a mim e quer matar meus pais(soluçando)....ahhh, não quero morrer...
BURGOS
- Você tá loucona ainda! Porra, eu também estou, caralho!Para com isso, loirinha. Tá todo mundo bem...não vê?
Estela fica em silêncio um tempo e olha pelo quarto com os olhos
molhados
ESTELA
(para Burgos)
- Vai se foder!
Os dois continuam a discutir e Eric e Ivan vão olhar o buraco que
a bala fez na parede.
IVAN(pegando
a lata de lança perfume e enchendo-a através de um frasco de vidro
cheio)
- Teria sido uma merda que nós nunca tiraríamos de cima de nossas costas.
ERIC(passando
o dedo pelo buraco)
- Cacete, que sorte, cara! Ia atravessar aquela barriguinha branca e lindinha dela. Se fosse eu na frente dessa arma vocês estariam limpando meus miolos da parede a uma altura dessas.
IVAN
(desânimo na voz)
- É, cara, muita sorte
A câmera fica de frente pros dois olhando para o buraco na
parede, como se estivesse posicionada dentro de onde pegou o tiro. O
casal ainda briga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário