terça-feira, 5 de março de 2013

Cão faminto atrás de um coelho fodido.


Cão faminto atrás de um coelho fodido.

Externa: Ivan e Eric caminham pela rua no meio da tarde com suas cabeças mirando o chão, conversam sobre qualquer coisa enquanto marcham até o cemitério.

Ivan:
- Acho engraçado pessoas que são bonitas de frente e quando vemos de perfil parece um papagaio ou a Cruela Cruel comendo um galeto.

Eric:
- Também tem as que são bonitas de perfil mas parecem algo saído de uma floresta negra de um conto medieval quando você vê de frente.

Ivan:
- Você é feio de ambos os pontos de vista.

Eric:
- Eu sei, cara.

Andam alguns passos e passam por um bar próximo a um cruzamento.

Eric:
- Ontem eu estava aqui no bar quase me explodindo com aquela porra de forró eletrônico e então eu vi dois daqueles bolivianos assaltando uma senhorinh italiana. Apareceram vendendo anéis falsos e simplesmente puxaram a bolsa da velha. Ela caiu no chão com a força do puxão daqueles macacos do submundo e em cima de um BOSTÃO, cara! Acredita?

Ivan:
- Cacete...um cagalhão mesmo, bicho? Puta que pariu, deixaram a velha em cima da merda?

Eric:
- É, cara, ela se ralou toda, ficou choramingando até que gorfou tudo na porra do sapata.

Ivan:
- Vixi...

Eric:
- Tinha umas florzinhas e umas joaninhas no sapata da senhora, sabe, desenhados, não de verdade. Acho que aquilo já era...ela cobriu tudo com vômito de gente idosa.

Ivan (nervoso):
- Odeio essa raça! Tinham que vir pra essa porra de bairro mesmo? Vão tomar no cu, cara...

Eric:
- Que fossem lá pra aquele lixo da extrema zona leste...mas fazer o que, bicho, um dia eles desaparecem.

Ivan:
- Desaparecem é o caralho, Eric.

Eric:
- Joguei umas pedras na direção deles mas esses animais correm mais que cão faminto atrás de um coelho fodido, então deixei eles irem.

Ivan:
- Foda...e a velha, ficou bem?

Eric:
- Não cheguei a falar com ela, tinha que ir pra casa fritar uns burgers, tava com fome pra porra.

Ivan:
- Hum...burgers caseiros, cara.



Ivan:
- Lembra aquela puta rampeirona que a gente viu no sábado?

Eric:
- Sei, eu acho.

Ivan:
- Ela tava caída dura no chão antes de ontem, perto da delegacia.

Eric:
- Porra, sério? O que foi?

Ivan:
– Deve ter sido overdose ou ataque cardíaco. Vira e mexe eu passava por aqui e ela tava travada em algum ponto.

Eric (aponta para dois cães revirando o lixo):
– Cacete, esses cães só sabem comer merda e lixo!

Ivan:
  • Coitados...a puta ficou lá na rua de trás da delegacia a madrugada inteira e um pedaço da manha, ninguém sabia que ela tava morta ou então nem tinham ligado se estivesse. Quando finalmente foram tirar tinham dois ratos comendo a carne das tetas dela, Eric.

Eric:
  • Puta merda, que cacete de desgraça. Essas putas da rua embaixo da nossa só tomam no cu. Outro dia tinha outro boliviano e um negão de dois metros espancando aquela gorda de cabelo vermelho que tá sempre com uma bolsinha roxa perto da padaria daquele espanhol lá. Antes de eu passar por eles ela já estava sendo espancando e quando eles saíram da minha visão ela ainda estava apanhando. Não quis nem perguntar se tava tudo em ordem...foda-se, sabe?

Ivan não responde e continua caminhando com a cabeça baixa, caminham mais alguns minutos em silêncio e Eric puxa:

Eric (triste):
  • Era Hilda o nome dela, Hilda Furacão, Ivan. Coitada, cara...
Ivan:
  • Que Hilda, cara?

Eric:
  • A puta finada, Ivan...eu comi há umas três semanas atrás. Triste isso, sei lá...

Ivan:
  • Putz...(silêncio) Mas se ficou na bad achando que foi um dos últimos que comeu aquela lá, fique suave, em três semanas ela rodava mais da metade das nossas ruas por aqui. Essa putaiada só tem cliente velho broxa e boliviano que consegue mais de cinco reais por dia.

Andam mais e entram em um bar aonde Eric pede uma dose de pinga com limão, vira-a rapidamente e pede outra, Ivan faz o mesmo e bebe uma dose no copo americano. Pegam uma cerveja para cada um e voltam para o Sol forte do meio da tarde na rua suja.
Eric e Ivan (abrindo as latas de cerveja)

  • À Hilda!

Dão grandes goles em suas cervejas e continuam andando, Eric ainda tem a prostituta morta na cabeça

    Eric(angustiado):
    - Fico pensando em tudo isso o que eu sou, o que eu vou ser, o que eu posso ser, cara...não posso ser nada. Não vou ser nada, não vou ser nada nem um dia em minha vida. Parece que as pessoas vem e vão e eu continuo sentado querendo esmola e caridade, Ivan. Eu tô de saco cheio, cara. De saco cheio de bolivianos, de saco cheio de putas, de cheirar cola, baforar loló...saco cheio de mim, Ivan. Eu penso que o amanha só pode ser uma merda igual a que é hoje. Todo mundo tá morrendo por aí, cara, e eu só sinto que vivo pra ocupar espaço a cada dia que passa nessa merda desse bairro cheio de merda e lixo e cheio de gente comendo merda e lixo e cães mortos que os nóias pegam de madrugada pra conseguir assar uma perna.

Ivan ouve o amigo em silêncio enquanto bebe de sua lata e pensa um pouco antes de responder.

Ivan(pensativo, compreensivo)

  • Do que adianta você ficar pensando no amanha, velho? Como você espera saber o que vai acontecer com você daqui a porra de trinta anos? Você acha mesmo que não vai acontecer nada em trinta anos que vá fazer sua vida parecer menos inútil? Impossível, cara, impossível. Você acha que não é interessante e que tudo o que você for fazer é um lixo. Cara, você já está fazendo muito mais do que um pedófilo ou um estuprador, não que seja um parâmetro pra medir a filha da putagem de cada um mas já um modo de se ver as coisas. Se você não faz isso ou se é contra isso já mostra que você é menos inútil do que muitas pessoas. Ficando triste assim você só vai jogar fora qualquer chance existente de as coisas mudarem pra melhor pelo menos uma vez. Cazzo, meu avô é um pinguço desde antes de eu nascer, desde antes de meu pai nascer e mesmo assim ele salvou uma porrada de gente quando era bombeiro, entrava naqueles prédios que pareciam a porra do inferno e saía de dentro vomitando as tripas mas com duas crianças em cada ombro.


Eric:
  • Eu não consigo carregar nem minha prima de dois anos no braço, cacete. Mas deixa pra lá isso, que vá à merda junto com todo mundo e com esse bairro enfiado dentro do nosso rabo.

Ivan (cabeça baixa)
  • Me pergunto por que tudo nessa vida é uma merda.

Eric(jogando a lata vazia na rua)
  • Meu amigo, essa é a pergunta de um milhão de euros...


Entram no cemitério.

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